Evangelho de Lucas (Parte 3)

EVANGELHO DE LUCAS III


O Jesus de Lucas


Lucas, homem sensível e terno, mas também exigente, capta de Jesus traços que refletem esse paradoxo de sua pessoa. Nenhum Evangelho nos mostra, ao mesmo tempo, um Jesus tão radical no chamado à pobreza, como também extremamente sensível.

Lucas retrata Jesus como o Senhor que atrai o povo pela nobreza de sua pessoa, pelo esplendor de sua mensagem; não tanto por ser o Mestre que ensina com suma autoridade demonstrado em seus sermões ou como um novo Moisés (conforme Mateus), nem por ser o herói admirável, o leão da tribo de Judá ou o Rabi poderoso em obras (conforme Marcos).


Lucas se detém mais nos traços delicados e misericordiosos da alma de Jesus. É o Evangelho da salvação e misericórdia do Pai, o Evangelho do Espírito Santo e da oração e também o Evangelho da pobreza e da alegria dos pequenos e humildes que colocam a confiança em Deus.

 

Dante diz que Lucas é o Evangelista da mansidão de Cristo. Este Evangelho inspirou pintores como Rembrandt, e nos faz sentir fortemente a união de Jesus com sua mãe nas admiráveis e comoventes descrições da Anunciação do anjo à Maria e o seu nascimento em um presépio.


Lucas nos apresenta Jesus como um homem de oração numa profunda e misteriosa relação com o Pai e o Espírito Santo, que é mencionado 16 vezes nos capítulos de 1-12.

Jesus se retirava para lugares desertos para rezar (5,16). Ele faz questão de mostrar Jesus em oração nos momentos maiores de sua vida. Quando foi batizado, estando em oração, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Ele (3,21). Na véspera do Sermão da Montanha e da escolha dos 12 apóstolos, “foi à montanha para orar e passou a noite orando a Deus” (6,12). É no contexto de quem está em oração, num lugar afastado, junto com os discípulos que os interroga sobre o que pessoa dele. E brota desta oração, a ação do Espírito que leva Pedro à confissão de fé (9,18.20). Na seqüência cronológica de Lucas, na semana seguinte, Jesus, de novo, sobe a montanha para rezar, com os três discípulos prediletos Pedro, Tiago, João. É no decorrer da oração que se transfigura (9,28-29). A oração do Pai Nosso nasce de um pedido dos discípulos que o presenciaram rezando (11,1). E, finalmente, no momento dramático da agonia no horto, Jesus reza ao Pai. Trava-se o terrível combate de uma sensibilidade que quer afastar o cálice da morte para longe de si e a aceitação livre da vontade do Pai (22,39-46). Nessa luta, Jesus imerge em longa oração, prostrado de joelhos. Sai dela confortado para enfrentar a morte.


Jesus confirma o testemunho vivo da oração com palavras incisivas da necessidade de rezar constantemente e não desanimar (18,1). No horto, alerta os discípulos para a força da oração nas horas de provação (22,46). A parábola do publicano e do fariseu exemplifica a maneira falsa e a correta de rezar (18,9-14).


A humanidade de Jesus manifesta-se também na sua relação com as mulheres. É o único evangelista a referir-se de maneira explícita, ao círculo de mulheres que acompanhavam Jesus, citando-lhes os nomes (8,1-3; 24,22). A passagem da pecadora na casa do fariseu tem um toque único de beleza. Salienta o contraste entre a frieza do fariseu e a ternura da mulher, entre o juízo condenatório e o perdão de Jesus (7,36-50). Relata a cena tão feminina de uma mulher que, ao admirar a Jesus, pensa na felicidade daquela que é sua mãe (11,27s).


Lucas representa o ponto de chegada da história salvífica vetero testamentária e, ao mesmo tempo, o momento inicial da história da Igreja.


Ele atesta a divindade de Jesus começando pelo anúncio do nascimento (1,35), toda a vida e a morte de Jesus são envolvidas pelo esplendor de sua divindade: os anjos dão testemunho da criança recém nascida e Ele tem clara consciência da sua filiação divina aos 12 anos no Templo.


Lucas omite ou atenua as afirmações de Marcos que poderiam diminuir a dignidade de Cristo. Exemplo: ora e prostra-se três vezes no Monte das Oliveiras (Mc 14,32-42), mas só uma vez em Lucas que ilumina a cena com a aparição do anjo consolador do céu (22,43). O grito de Jesus “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mc 15,34), não se encontra em Lucas.


Lucas foca a pessoa de Jesus sob três aspectos preferidos: Senhor, Profeta e Salvador.

Senhor nos outros evangelistas também as pessoas utilizam este título, mas apenas Lucas o aplica a Jesus na sua narrativa antes da Ressurreição. Ele insere Jesus no trama da história universal, ao apresentar a genealogia de Jesus ele não pára em Abraão como em Mateus, mas estende-se até Adão. A Jesus refere-se toda a história, Ele é o Senhor, o Kyrios de toda a História (7,13.19; 10,1.39.41; 11,39). E sua existência é determinada para todas as várias épocas da humanidade.


Profeta – Jesus é assim chamado e ninguém como Ele pode falar mais propriamente em nome de Deus. Lucas sublinha a união profunda e misteriosa do Espírito Santo com o ministério profético de Jesus. Assim, no batismo, que marca o começo de Seu ministério público, o Espírito Santo desce sobre Jesus. Depois das tentações no deserto, Jesus volta para Galileia por impulso do mesmo Espírito.



Na sinagoga de Nazaré, ao ler o texto de Isaías 61,1, que diz “o Espírito do Senhor está sobre mim, por isso me ungiu; enviou-me para evangelizar os pobres”. Jesus aplica-se a si mesmo dizendo que se tinha cumprido esta escritura. Neste texto encontramos os dois aspectos que qualificam Jesus como profeta: o homem da palavra e do Espírito. Ele é aquele que anuncia a Palavra da Salvação autorizadamente e age sob o sinal do Espírito Santo (4,1.14.18; 10,21). A palavra de Jesus é a palavra de Deus por excelência que soa como Boa Nova.


O retrato de Jesus, profeta autorizado e definitivo, é traçado mediante a comparação com Elias e Moisés na cena da Transfiguração. Quando se ouve a voz de Deus, os dois desaparecem, ficando só Jesus, que é a palavra Dele (9,30-31.35).


Salvador – seu Evangelho apresenta-nos Jesus como Salvador de todos os homens, a misericórdia divina, o perdão e a salvação de Deus são para todos sem distinção. Sua vinda é um evento de interesse mundial e nos permite perceber melhor o seu lado humano. Ele é o Salvador desde o nascimento (2,13) até a Ascensão à direita do Pai (Atos 5, 31).


A seleção que ele faz dos episódios reflete seu vivo interesse pelo povo e em particular pelos doentes, os pecadores, os pobres, as mulheres, as crianças e os marginalizados da sociedade. Tudo isso aparece definitivamente em Jesus por que Ele é o Filho numa realização toda particular de intimidade com o Pai.

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