Evangelho de lucas – introdução

Evangelho de Lucas – Introdução

Autor
O primeiro documento conservado que atesta a tradição da autoria lucana é o Fragmento de Muratori da segunda metade do século II, por volta de 180.

Uma antiga tradição refere que Lucas, depois da morte de Paulo, pregou a fé na Bitínia e Acáia. O Martiriológico Romano, publicado em 1584, por ordem do Papa Gregório XIII, assinala que, tendo sofrido muito pelo nome de Cristo, morreu cheio do Espírito Santo.

Lucas foi o único autor do Novo Testamento que não era filho de Israel, pois nasceu em Antioquia da Síria. Não foi testemunha direto da vida de Cristo e associou-se a Paulo em trechos da segunda e terceira viagens missionárias. Acompanhando Paulo no primeiro e segundo cativeiro romano. Apresenta afinidade de linguagem e doutrina com o epistolário paulino: 103 vocábulos são comuns a Paulo e Lucas, mas somente 29 a Mateus, 20 a Marcos e 17 a João.

Lucas é citado em Colossenses 4, 10-14 como médico amado. De fato, deveria ser médico pois faz referências a este conhecimento nos relatos de cura empregando termos apropriados e descrevendo doenças em seu Evangelho. Por exemplo: em 22, 44 o suor sanguíneo de Jesus; em 8, 43 muito abranda o juízo pessimista que Marcos profere contra os médicos; descreve os sintomas dos enfermos com particular atenção em: 8, 27-29 (endemoninhado geraseno), 9, 38ss (endemoninhado epilético), 13, 11-13 (mulher encurvada), 4, 38 (cura da sogra de Simão) e 22, 50s (só ele conta a restituição da orelha de Malco).

Jesus é apresentado como médico divino 4, 23; em 5, 17 cura um paralítico, em 6, 18s sai uma força de Jesus que a todos curava; em 9, 1s. poder de cura.

O Evangelho de Lucas é a primeira metade de uma obra em duas partes que narra a história das origens do cristianismo desde a infância de Jesus até a chegada de Paulo em Roma, por volta do ano 60 d.C. Só o tamanho do Evangelho e de sua continuação, os Atos dos Apóstolos (maior do que a contribuição de qualquer outro autor neotestamentário) faria do seu autor uma influência proeminente na Teologia e na espiritualidade cristã. Mas ele é também escritor talentoso, que organiza seus dados de maneira criativa, e narra sua história com clareza e colorido artístico. Dante chamou Lucas de “escritor da docilidade de Cristo”, por causa da ênfase na misericórdia de Jesus para com os pecadores e renegados. Algumas das mais memoráveis histórias de misericórdia divina encontram-se somente em Lucas (a viúva de Naim, o filho reencontrado, Zaqueu).

Ele segue o método dos historiógrafos do seu tempo, mas a história que ele quer apresentar é uma história sagrada. No seu prólogo demonstra a resolução de investigar tudo com cuidado desde a origem, narrando os fatos em ordem. É por isso que ele insere os fatos que descreve no quadro da história universal e na história de Israel, que ele conhecia através de suas fontes e melhora ainda pela Bíblia lida e citada segundo a versão do LXX. Exemplo: para o nascimento de Jesus: reinado de Herodes, na Judéia, o edito de César Augusto, o recenseamento de Quirino, a pregação de João Batista, a data do reinado de Tibério César, o governo de Poncio Pilatos na Judéia, a tetrarquia de Herodes Antipas, o pontificado de Anãs e Caifás, cf. Lc 1,5; 2,1; 2,2; 3,1-2;

Ele quer mostrar na só a relação temporal mas também que a fé professada por volta do ano 80 não era diferente daquela dos anos 30.

O prólogo de Lucas segue o modelo dos prólogos dos historiadores helenistas e dá a impressão de que Lucas escreve predominantemente como historiador: ele pesquisou e investigou a matéria profundamente e pretendeu divulgar o resultado que chegou de maneira ordenada (1,3). Relaciona os acontecimentos com o cenário contemporâneo por meio de sincronismos.

Entretanto, não devemos julgar a obra de Lucas como julgaríamos de um historiador. Seu Evangelho não é uma história científica, nem uma biografia de Jesus. Interessa-se pelos fatos históricos, mas não tem um apreço pela “história”. Promete-se escrever um relato “ordenado”, essa ordem é menos cronológica e mais didática, e sobretudo teológica porque se ocupa com os acontecimentos e ensinamentos de Jesus, transmitidos por aqueles que eram não meros testemunhas dos acontecimentos e sim ministros da palavra (1,2).

Data
A data da escrita do Evangelho de Lucas varia bastante conforme o livro consultado: desde 62 até 90, mas a maioria fica com o período de 70/ 75 ou 80 e 90.

Finalidade do livro                                                                                                             O objetivo teológico de cada Evangelho é diferente: Marcos quer mostrar a seus leitores a verdadeira identidade de Jesus como Filho de Deus, o Messias sofredor. Mateus tenta situar a comunidade cristã em relação a Israel: os cristãos são os herdeiros das promessas feitas a Israel que se cumpriram em Cristo. Em Lucas o tema chave parece ser a salvação que Jesus traz ao homem. Ele não é o único a falar da salvação, mas é o único que escolhe esse tema como base da opção de Deus por meio de Jesus.

No prólogo, Lucas esclarece a finalidade de seu Evangelho “para que verifiqueis a solidez dos ensinamentos que recebestes” (1, 4). Lucas faz a passagem do mundo palestino para o helenístico. Dirige-se a um cristão vindo da gentilidade: O ilustre Teófilo amigo de Deus é um cristão que começou a crer, que inicia o processo de conversão. Ele vive inocente e indefeso, num mundo assediado por tentações, enganos, mentiras, que o incitam a recuar. No entanto, é chamado a permanecer aberto à boa nova da salvação.

Lucas é o teólogo da história da salvação. Para ele, esta se divide em dois períodos: o período de Israel e o de Cristo e sua Igreja. O primeiro é o tempo do Antigo Testamento, tempo da promessa e da preparação para o acontecimento culminante: a vinda de Cristo. O segundo é o cumprimento, começa com Jesus e é, em grau supremo, todo o tempo em que, como Senhor glorificado, Ele está presente na sua Igreja. Em todos esses momentos, atua o Espírito de Deus: na inspiração dos antigos Profetas, na força que impele Jesus e na vida que inspira a Igreja.

Para Lucas a ruptura com o judaísmo é fato consumado. Sua obra em dois volumes (o Evangelho e Atos) foi escrita para cristãos que viviam na era pós-apostólica. Ele queria que seus leitores soubessem que haviam sido incluídos no plano divino de salvação desde o começo, embora historicamente os judeus fossem os primeiros a ouvir a mensagem, como canal para todos os outros.

O Evangelho retrata os primórdios da história cristã, desde o primeiro anúncio de concretização da salvação até sua consumação na morte e ressurreição de Jesus. No livro dos Atos é retratado o início e o desenvolvimento da Igreja.
Por ter escrito com vistas aos pagãos convertidos ao cristianismo, ele omite particularidades da história que só interessavam aos judeus: as alusões a Lei de Moisés (cf. Mt 5, 21-28), o uso das purificações rituais (Lc 11, 38; Mc 7, 1-23; Mt 15, 1-20). Refere-se com carinho o que era favorável aos gentios (3,14; 7, 2-10; 10, 30-37 o bom samaritano, 17, 11-19 o leproso samaritano). Menciona com solenidade as autoridades romanas (2, 1s; 3,1). Silenciou tudo o que em Mateus e Marcos podia ser penoso para os não judeus, exemplo: Lucas usa a palavra “pecadores” (6, 33), em vez de gentios (Mt 5, 47).

Características do livro                                                                                                        O Evangelho escrito em grego tem como sua principal característica sua insistência na vida, morte e ensinamentos de Cristo como mensagem de salvação universal dirigida a todos os homens, não apenas aos judeus. Lucas acentua a misericórdia e a compreensão humana de Jesus com os pecadores e marginalizados.

O estilo é, em geral, muito cuidadoso, fino, elegante, de maior qualidade que os outros três Evangelhos. Seus relatos são sóbrios, sem detalhes dispensáveis. Evita repetições com frases demasiado duras e popularescas de Marcos. Em geral, mas não sempre, Lucas deixa de lado palavras e expressões hebraicas, aramaicas e latinas, substituindo-as pelas suas equivalentes genuinamente gregas. Sobretudo omite detalhes que poderiam ser desagradáveis para algumas pessoas como os cristãos procedentes dos gentios.

A linguagem de Lucas é um grego mais erudito e cuidadoso do que a de Marcos ou Mateus. Embora também utilize a linguagem popular (koiné). Seu vocabulário é mais rico e amplo do que o dos outros dois. Ao mesmo tempo, que ele procura ser fiel às suas fontes (Evangelho de Marcos, fonte Q- quelle e Mateus), ele concedia a si próprio notável liberdade tanto para interpretar um relato judeu palestinense, quanto para inserir uma narrativa num contexto teológico.

Lucas não é alguém que cria, mas um transmissor fiel de uma tradição na qual ele soube intervir com sabedoria, respeito e espírito de artista. Menos vibrante do que Marcos, muitas vezes ele desperta o interesse do leitor, inquietando-o tendo em vista uma conversão; sabe por em relevo a psicologia dos personagens que parecem pensar em voz alta, como o rico que era louco (12, 17-20), ou o filho pródigo (15, 17-19).

Culto como era, Lucas apresenta certo esmero literário:

  • observam-se antíteses das quais sobressaem muito melhor os ensinamentos de Jesus. Exemplo: 1, 11-22; 1, 26-38 duas aparições do anjo e dois anúncios, um a Zacarias, incrédulo e outro a Maria cheia de fé; 10, 38-42 Marta ativa e Maria contemplativa; 18, 9-14 oração do fariseu e a do publicano; 23, 39-43 os dois ladrões em torno de Jesus;
  • apresenta episódios e traços que evocam nobres afetos: a parábola do filho pródigo 15, 11-32, a história da pecadora anônima em 7, 36-50; a ressurreição do filho da viúva de Naim em 7, 11-17; e o diálogo de Jesus com os discípulos de Emaús 24, 13-35;
  • relevo às figuras femininas Elisabete e Maria (cc. 1-2); quatro viúvas 2,26-38; 7, 11-17; 21, 1-4; 18, 1-8; a mulher apóstolo 8, 1-3;

omite traços que parecem demasiado duros: a repreensão de Pedro por parte de Jesus (Mc 8, 31-33; Mt 26, 21-23; Lc 9, 22), a flagelação e a coroação de espinhos (Mc 15, 15-20; Lc 23, 23s); etc.

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