EVANGELHO DE MARCOS I
Finalidade
Usando a pregação de Pedro como fonte, Marcos apresenta seu objetivo doutrinal no título ao proclamar: Evangelho (boa nova) de Jesus (Javé salva, Salvador) Cristo (o ungido, o Messias) Filho de Deus “Este é meu Filho, ouvi-o” 9,7; “verdadeiramente este homem era Filho de Deus” 15,39.
Comparação com os Sinóticos
Se o Evangelho de Mateus poderia ser chamado “o Evangelho dos discursos do Senhor”, o de Marcos poderia ser intitulado “o Evangelho em ação”. A ausência de discursos de Jesus faz com que o evangelho de Marcos tenha só um pouco mais da metade da extensão que os de Mateus e Lucas e não chegue a dois terços do de João. Marcos conta 673 versículos, enquanto Mateus 1068 e Lucas 1149, com 11242 palavras, Mateus 18305 e Lucas 19428 e João 15416. Dessas, só 79 lhe são próprias e, dos 16 capítulos, só quatro parágrafos lhe são próprios. Todo o resto reaparece em Mateus ou em Lucas ou em ambos. Convém salientar, entretanto, que Marcos não é um resumo, apenas é mais breve que Mateus e Lucas.
Mateus é sóbrio em discursos mas rico em narrativas, tornando o texto muito movimentado e colorido. Dos cinco discursos de Mateus, Marcos só registra dois: o das parábolas (4,1-34, com 3 parábolas em vez de 7) e o escatológico (13,1-37). Entretanto, as narrativas em Marcos são mais minuciosas e vivazes do que em Mateus.
Comparem-se:
Mc 1,35-39 e Lc 4,42-44 Mc 9,14-27 e Mt 17,14-18
Mc 2,1-12 e Mt 9,1-8 Mc 10,23-27 e Mt 19,23-26
Mc 5,1-17 e Mt 8,28-34 Mc 10,46-52 e Mt 20,29-34
Mc 5,21-43 e Mt 9,18-26 Mc 11,12-24 e Mt 21,18-22
Mc 8,14-21e Mt 16,5-12 Mc 11,27-33e Mt 21,23-27
As narrações em Marcos, espontâneas como são, revestem-se de grande vivacidade. Isto se deve não só ao temperamento de Marcos, mas também à figura de Pedro, que está por trás da redação de Marcos. Por exemplo: a referência a números certamente estimulam a reconstituição mental das cenas pelos leitores.
Comparando:
Mc 2,3 e Mt 9,2; Lc 5,18 Mc 14,30.72 e Mt 26,34.74 Lc 22,34.60
Mc 5,13 e Mt 8,33 Mc 14,41 e Mt 26,45
Mc 14,5 e Mt 26,9 Mc 15, 25 e Mt 27,33-35 Lc 23,33
Como Marcos escreve para pagãos convertidos e não para judeus convertidos (destinatários de Mateus) ele faz apenas trinta citações do Antigo Testamento, pois não era seu maior interesse mostrar que as profecias se cumpriam em Cristo. Com este mesmo objetivo ele cuidou de suprimir tudo o que pudesse causar mal entendido aos pagãos.
Exemplo:
-Mt 15,26 e Mc 7,27: em Marcos se lê “primeiramente”;
-Mt 10,5s e Mc 3,14-19; 6,7-9: em Mc não se lê que os apóstolos em sua primeira missão tenham sido enviados apenas aos judeus;
-Mt 10,17-19 e Mc 13,9-11: em Mc “…a todas as nações”;
-Mt 21,13 e Mc 11,17: em Mc, “…para todos os povos”.
Assim, a universalidade da salvação e da igreja é incutida em Mc, como em Mt, todavia sem que Mc acentue a prioridade de Israel. O assunto não se esgota aqui. Cito apenas algumas comparações entre os sinóticos.
Características do livro
Este livro é o mais breve dos quatro Evangelhos. Os seus limites são os limites propostos pelos discursos de Pedro em At 1,2 e 10,37: desde o batismo ministrado por João até a glorificação de Jesus.
Sendo discípulo de Pedro, este ocupa um lugar saliente no Evangelho. É nomeado por Marcos quando Lucas e Mateus o silenciam . Exemplo: Mt 21,20 Mc 11,21; Mt 24,3 Lc 21,7 Mc 13,3;Mt 28,7 Mc 16,7.Por outro lado as falhas de Pedro são salientadas por Marcos, exemplos: 8,32s, 14,37.66-72 e é silenciado o que redundaria em honra para Pedro , exemplos: encontramos em Mt 14,28-31 o caminhar sobre as águas e a promessa do primado Mt 16,17-19.
No livro notamos alguns elementos literários: narrativas, ensinamentos e agrupamentos.
Narrativas: composta por milagres num total de vinte, alguns breves, outros descritos em cores vivas e com detalhes. Há também narrativas concernentes à vida de Jesus e sua Paixão, João Batista, vocação dos discípulos, missionários.
Ensinamentos: considera sobretudo, as parábolas e ensinamentos aos discípulos.
Agrupamentos: quer de breves episódios, quer de conjuntos maiores. Usa com freqüência palavras conectivas: e, de repente, de novo e verbos de movimento.
O Evangelho de Marcos é o Evangelho em ação: salvo um núcleo do “Discurso das parábolas” (Mc 4,1-34) que agrupa 5 parábolas; outro o “Discurso da Comunidade (9,33-50) e o “Discurso escatológico” (Mc 13,1-37) que em Mateus tem 97 versículos e em Marcos só 37, Marcos não assinala senão breves ditos de Jesus no seguimento das passagens narrativas. Segundo a apresentação de Marcos, Jesus , mais do que ensinar ou falar, Ele age, atua.
A sintaxe e o vocabulário são muito simples mas ao mesmo tempo muito expressivo. Predomina a simples coordenação de frases onde é muito usada a conjunção “e” (kai) e também “pois” “e em seguida” “e depois”. Quase não recorre à subordinação de frases.
O grego de Marcos carece de finura literária e esta escrito num grego relativamente simples e popular de acordo com a linguagem falada da vida de cada dia. Não sendo escrito em aramaico nem em latim.
Marcos inaugurou o modelo literário chamado Evangelho. O termo aparece 4 vezes em Mateus e Lucas e 7 vezes em Marcos, sendo empregado de modo diferente: Evangelho de Deus: 1,14; Evangelho 1,15; 13,10; 14,9; Evangelho de Jesus 1,1 e Evangelho que, de algum modo se identifica com Jesus 8,35; 10.29.
Jesus e o Evangelho se identificam somente na comunidade cristã, naqueles que, a partir da confissão de fé em Jesus, seguem a sua doutrina; O Evangelho e Jesus da comunidade cristã são uma mesma coisa. E o Jesus da comunidade é o Ressuscitado.
Mais do quer qualquer outro Sinótico, Marcos cita muitas circunstâncias de tempo e lugar aparentemente irrelevantes: 1,13.29.33; 3,9.34; 4,25; 6,47.
Suas narrativas são ricas na descrição pormenorizada de detalhes secundários, muito sobriamente descritos ou omitidos por Mateus. Lucas representa uma posição intermediária. Eis alguns exemplos: Ele é o único a dizer que Jesus, durante a tempestade no lago, dormia sobre um pequeno travesseiro na popa do barco 4,38; chama os filhos de Zebedeu de filhos do trovão 3,17; ou que o cego de Jericó era chamado Bartimeu 10,46; na ressurreição da filha de Jairo diz que ela tinha 12 anos 5,21-43; na cura do paralítico diz que foi transportado por quatro pessoas 2,1-12. Os teóricos da linguagem chamam tais detalhes de “sinais da realidade”: trata-se de coisas que de fato aconteceram, ainda que sejam irrelevantes no que diz respeito ao conteúdo substancial.
É sóbrio nos discursos, rico em narrativas, coloridas, vivazes que tornam o Evangelho muito movimentado. Ele usa o discurso direto e o presente histórico ou de atualização: as palavras do personagem são introduzidas por verbos no presente, exemplo: diz em vez de disse, vem em vez de veio e saem em vez de saíram, usado mais de 150 vezes.
Sua tendência à esquematização é observada ao fundir narrativas, principalmente as histórias dos milagres num molde único.
Marcos usa paralelismos com as expressões não… mas. Exemplos: não é a mim que recebe, mas sim àquele que me enviou 9,37; não sereis vos quem falará, mas o Espírito Santo- 13,11.
Quanto ao vocabulário abundam termos latinos simplesmente transcritos para o grego. Exemplos: censo, centurião 15,39.44, denário, cântaro, legião, flagelo, quadrante 12,42, speculator, executor 6,27. Isto explica-se por que em Roma na época se falava mais o grego do que o latim. Contudo certos termos militares e jurídicos eram usados em latim mesmo por quem falasse grego.
Os vocábulos aramaicos são traduzidos. Exemplos: Boanerges = filhos do trovão 3,17; Talitha koum= menina levanta-te 5,41; Effatha = abre-te 7,34; Abba= Pai 14,36; Gólgota = Calvário, lugar da caveira 15,22; Eloí,Eloí lemá sabachthani= Deus meu, Deus meu por que me abandonaste 15,34, etc.
Também explica os costumes dos judeus como se fossem estranhos aos leitores . Exemplos: 7,3s costume de lavar o braço até o cotovelo antes de comer; 14,12 no primeiro dia dos ázimos, quando se imolava o cordeiro pascoal; 15,42 sendo dia de preparação, isto é,véspera de sábado;
Divisão
O Evangelho é composto por 3 grandes partes: a pregação de Jesus na Galileia,a atividade de Jesus a caminho de Jerusalém e a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.
Podem distinguir-se seis seções no Evangelho:
1- Caps. 1 – 13 :Preparação do ministério de Jesus.
2-Caps. 1,14 – 6,6: Ministério de Jesus na Galileia.
3-Caps. 6,6 9,50: As viagens de Jesus com os seus apóstolos.
4-Caps. 10,1- 12,44: A caminho da Judéia e de Jerusalém.
5-Caps. 13,1-37: Discurso escatológico.
6-Caps. 14,1-16,20: Paixão, morte e ressurreição de Jesus.