Toda vez que eu ouço falar de iniciação no cristianismo, de esoterismo cristão, eu saco logo meu exemplar dos Evangelhos: ?Eu falei publicamente ao mundo; ensinei sempre na sinagoga e no Templo, onde concorrem todos os judeus, e nada disse em segredo? (Jo 18,20).
Não existe nada de mais distante do espírito do cristianismo do que uma espiritualidade iniciática. No cristianismo nada há de oculto e a Igreja jamais pretendeu ocultar mistério algum aos fiéis. É certo que, nos primeiros séculos, quando o cristianismo ainda era uma ?religião ilícita? aos olhos das autoridades romanas, havia a ?lei do arcano?, pela qual a Igreja impôs aos fiéis a regra de ocultar os dogmas da Fé e as cerimônias do culto aos que não houvessem a ela aderido pelo Batismo. Esta é a razão da antiga divisão da Santa Missa em duas partes: a Missa dos Catecúmenos (a Liturgia da Palavra) e a Missa dos Fiéis (a Liturgia do Sacrifício). Os catecúmenos ? os que ainda se preparavam para o Batismo ? eram despedidos (?missa?, em latim, significa ?despedida?) após ouvirem a Palavra de Deus e antes que se iniciasse o Sacrifício Eucarístico.
A ?lei do arcano? era exigida pelas circunstâncias em que viviam os cristãos da época e desapareceu quando não mais se fazia necessária. Em essência, era uma medida de cautela contra os pagãos, que teriam escarnecido de uma religião que não compreendiam, e de cautela também para com os catecúmenos, de fé ainda incipiente, que poderiam escandalizar-se. Tratava-se também de evitar perseguições.
Do mesmo modo, quando se fala corretamente em iniciação cristã, o que se quer é fazer referência aos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia, em seu papel de engendrar, robustecer e alimentar a vida da graça.
Em lugar da iniciação, tal como entendida pelos cultores do esoterismo, do ocultismo, do gnosticismo e drogas afins, o cristianismo propõe a Evangelização. Entre ambas ? iniciação e evangelização ? existe uma oposição total, absoluta e incontornável. Na evangelização, trata-se de levar a verdade que salva a todos os homens; na iniciação, trata-se de impedir que ela saia de um círculo restrito de pessoas.
Deus deu a conhecer sua vontade aos homens e a esta vontade é que ?todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade? (1Tim 2,4). Sabe-se que os últimos recados que damos quando partimos referem-se às coisas que mais nos são caras. Ora, as últimas palavras do Senhor Jesus, ao despedir-se dos Apóstolos antes de ascender aos céus, foram estas: ?Ide, pois, ensinai todas as gentes, ensinando-as a observar todas as coisas que vos mandei? (Mt 28,19-20). Esse pedido não é um como os outros, mas o último recado que Jesus deu aos homens na terra.
Trata-se também de um pedido aparentemente insólito, pelo menos para os homens da época. Até onde sabemos, esta foi a primeira vez na história da humanidade que se concebeu e se pôs em prática uma idéia tão arrojada quanto esta. Foi a primeira vez na história humana que alguém teve a idéia de que havia algo que devesse ser levado a todos os homens em toda a terra, sem distinção alguma, independentemente de sexo, raça ou condição social, estivessem ou não preparados para recebê-lo ? ?Deus não faz acepção de pessoas? (At 10,34), como disse o primeiro Papa. Foi esta a primeira vez que se enunciou que existe algo a que todos os homens têm direito. Por isso, quando um cristão anuncia o Evangelho, ele não o faz como quem faz um favor, mas como quem entrega a outrem algo que lhe pertence, que é seu direito. De modo que considera que, se acaso sonegasse aos homens o Evangelho, cometeria uma injustiça. ?Ai de mim, se eu não evangelizar? (1Cor 9,16).
Não há, portanto, nada que mais se oponha ao esoterismo ou ao ocultismo, do que esse ímpeto evangelizador do cristianismo. Não dá para casar as duas coisas. Eu sei que alguém vai querer me dizer que, segundo o tal René Guénon, homem espiritual a mais não poder, esoterismo é uma coisa e ocultismo é outra ? o que me lembra os kardecistas que, para diferenciar-se dos umbandistas, chamam os cultos afro-brasileiros de ?baixo espiritismo?, quando na essência é tudo a mesma coisa. O esoterismo de Guénon também admite um conhecimento oculto, iniciático, e é o quanto me basta para colocá-lo no balaio do ocultismo, ainda que ocultismo chique ou mais sofisticado. Vão me dizer também que o tal Guénon combateu a Blavatski e a teosofia, a que eu respondo dizendo que Trotski foi também um dos mais ferozes críticos de Stálin, mas não se tornou menos comunista por isso.
É possível citar aqui um exemplo característico desta oposição entre Evangelização e iniciação. São Francisco Xavier, ao chegar a Índia, ficou profundamente chocado com alguns brâmanes que, reconhecendo que seus milagres provinham do alto, pediram-lhe que ele lhes ensinasse a doutrina do Deus dos cristãos, prometendo-lhe que jamais diriam alguma palavra a ninguém do que ele lhes ensinasse. Em sua carta de 12/01/1544, ele conta que ?tive que responder-lhe que nada diria, se ele não me prometesse, pelo contrário, de publicar, por toda a parte e em alta voz, o que soubesse de nossa religião?.
?O que vos digo em voz baixa e ao ouvido, pregai-o em voz alta e abertamente? (cf. Mt 10,27). Este é um traço diferencial do cristianismo, que o distingue radicalmente de qualquer outra religião existente, pois mesmo o islã admite o esoterismo. A Igreja nunca escondeu a riqueza de suas verdades, antes sempre procurou espalhá-las e distribuí-las na medida em que pôde. Isto porque está íntima e firmemente convicta de que o Evangelho é um direito de toda a humanidade, o mais valioso dos direitos humanos.
Diante dessas constatações, a tese da Unidade Transcendente das Religiões, a qual afirma que no esoterismo todas as religiões se encontram num núcleo comum a todas as elas, manifestado externa e simbolicamente pelas diversas formas exotéricas, fica irremediavelmente prejudicada. Ainda mais porque nenhum católico verdadeiramente coerente seria capaz de admitir que os dogmas da Fé e as regras da moral são meros símbolos de verdades espirituais esotéricas.
Se o principal resultado da ciência das Religiões Comparadas é a tal teoria da Unidade Transcendente das Religiões, só posso concluir que o cristianismo, especialmente em sua vertente autêntica e integral, que é a anunciada pela Igreja católica, é mesmo uma religião incomparável.