Por Joathas Bello
O autor [Pe. Sesboué] diz, inspirando-se na hermenêutica de Gadamer, que “a Igreja deve sempre ‘fazer’ a verdade do seu texto fundador, a Escritura, atualizando-a em contextos históricos e culturais diferentes”12. Depois, na mesma linha, ele menciona o caráter histórico dos enunciados da fé, “reconhecida pela primeira vez em um documento importante da Congregação para a Doutrina da Fé, Mysterium Ecclesiae”13. Esta historicidade nos permitiria distinguir o sentido das palavras, o que é irreformável na intenção, e o que é caduco no vocabulário.
Aqui temos um grande problema, inscrito naquela tensão entre “a substância do depósito da fé” e “as fórmulas”, do Discurso Inaugural do Concílio Vaticano II de João XXIII. Este problema não é um problema histórico-linguístico, de noções e vocábulos situados, mas é um problema para o qual os teólogos contemporâneos parecem não atinar: o do teor estritamente metafísico dos mistérios revelados, que requerem necessariamente uma expressão conceitual de mesma índole metafísica. Isto não é algo optativo, o encontro histórico com a metafísica grega (platônica ou aristotélica) não foi algo fortuito, mas providencial; jamais a Igreja conseguiria expressar corretamente os mistérios da Fé com a conceituação metafísica do bramanismo ou do taoísmo, por exemplo, ou, passando à modernidade, com as ideias cartesianas ou a “crítica” kantiana; inclusive o neoplatonismo de um Pseudo-Dionísio só tem alguma serventia purificado dos equívocos que nascem do emanatismo de Plotino. Só uma autêntica metafísica de uma verdadeira transcendência pode ser utilizada para comunicar os mistérios da Fé no Deus Transcendente. Veremos isto com mais profundidade ao tratarmos da “pastoralidade” do Concílio Vaticano II.
Notas
12 SESBOUÉ, Bernard. O Magistério em questão. Autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis, Vozes, 2004, p. 36.
13. Ibid., loc. cit.
[Trecho retirado da obra “O Enigma do Concílio Vaticano II”, Brasília-DF: Edições Veritatis Splendor, 2021. Página 34].