Ignorância religiosa

                 O primeiro dos obstáculos intelectuais à conquista da fé, negativo no seu conteúdo, mas nem por isso menos eficaz na sua ação descristianizadora, é incontestavelmente a ignorância religiosa. A fé é uma adesão racional a um patrimônio de verdades. Desconhecer a sua exposição autêntica, a sua concatenação interior, a sua harmonia com a mais profunda das aspirações da alma humana; envolver nas sombras de um eclipse total os motivos que a fundamentam e as provas que a justificam é tolher à razão ? faculdade dos porquês ? a possibilidade de uma adesão justa e esclarecida. A ignorância em matéria de religião paralisa, na sua origem, o movimento d?alma para as alturas da fé.

E esta foi em todos os tempos uma das causas mais fecundas de incredulidade. Os apologistas indicam-na com unanimidade de impressionar. Já em seu tempo, Tertuliano não pedia aos adversários do nome cristão, detestado e perseguido, senão o que é de rigor na justiça mais elementar: não proferir sentença sem conhecimento de causa: ?Unum postulat a vorbis christiana religio ne ignorata damnetur?. Mais tarde, quando a luz do cristianismo já se levantara bem alto no firmamento da civilização ocidental, nunca faltaram, no seio da sociedade batizada, incrédulos que, na ausência de estudos religiosos sérios, encontraram sempre a defesa da própria incredulidade. Deles dizia Pascal: ?Julgam ter feito grandes esforços por se instruir por que empregaram poucas horas na leitura de algum livro da Escritura ou interrogaram algum aclesiástico sobre dificuldades da fé. Depois disto, ufanam-se de haver procurado em vão nos livros e nos homens?.[1]

Em nossos dias, Ollé-Laprune, familiarizado com as rodas universitárias de Paris, não mentia à realidade contemporânea quando aconselhava: ?vejamos o cristianismo tal qual é, e, para sito, procuremo-lo onde se encontra. Estudemo-lo, porque não o conhecemos. O que dele sabemos é de oitava. São de segunda mão as nossas noções, suspeitas muitas vezes, sempre incompletas, parciais mescladas de ligas impuras. Falamos muito do cristianismo, louvando isto, censurando aquilo: já lemos o Evangelho?… Falamos muito da Igreja: consultamos algumas vezes as suas definições dogmáticas? Sabemos o que ele pensa e manda pensar acerca das questões que tão apaixonadamente agitamos nos jornais e nas conversas. E no entanto fora mais prudente e mais seguro consulta-la diretamente sobre o que lhe concerne e prestar-lhe ouvido de preferência a seus adversários ou amigos indiscretos?.[2]

?E minha opinião firme e fundamentada?, escreve um dos grandes convertidos alemães de nossos dias, ?que nove décimos dos protestantes e incrédulos, de algum valor, para logo se fariam católicos se conhecessem a verdadeira essência do catolicismo…? Schiller ? de quem disse Goethe que lhe era inata a tendência cristã: ?nada de comum tocava que não enobrecesse? ? teria chorado de alegria se conhecesse o verdadeiro conteúdo da Igreja Católica. O mesmo vale de outros protestantes que ainda pensam como ele.[3]

E a queixa comum do apologista é justa.  A necessidade de um conhecimento do cristianismo, preliminar a qualquer juízo sobre o seu valor de verdade e de vida, é de uma equidade tão racional que não há porque insistir. E o comum da queixa é motivado pela freqüência e profundidade da ignorância nos que a não praticam ou menosprezam. Ponhamos em evidência o fato antes de lhe indagarmos as causas.

No testemunho dos grandes convertidos, uma das observações que ocorrem com mais freqüência é a impressão de novidade, de verdadeira revelação, ao se aproximarem sinceramente do cristianismo e lhe conhecerem os ensinamentos genuínos. Agostinho não nos esconde a sua surpresa ao ouvir dos lábios de S. Ambrósio a expressão autêntica da doutrina católica. Vista de perto e como era na realidade, a Igreja começou a transfigurar-se ante seus olhos maravilhados. Já lhe começava a parecer que se podia defender o que ele dizia: … ?a fé católica assim lhe parecia não vencida, ainda que não de todo lhe parecesse vencedora.?[4] As acusações graves, que ouvira dos maniqueus e repetira com docilidade imprudente, não passavam de nugas e futilidades, falsamente assacadas à doutrina católica. E o grande catecúmeno confia-nos a alegria sincera que lhe despertou esta inesperada e consoladora averiguação. ?confundia-me, convertia-me e alegrava-me, meu Deus, porque a vossa única Igreja, corpo do vosso único Filho, onde, sendo eu menino, puseram sobre mim o nome de Cristo, não tinha ressaibo daquelas fábulas pueris.?[5]

E foi assim em todos os tempos. Venhamos aos que menos distam de nós. Um dos mais ilustres convertidos da França no séc XIX foi o general La Moricière. Depois de sólidos estudos científicos na Escola Politécnica, após uma brilhante carreira militar, a sua alma entrou a sentir, com a importância inevitável do problema espiritual, a lacuna dos seus conhecimentos religiosos. Ao Pe. Graty escrevia ele da Bélgica: ?Estudei minhas humanidades, inclusive a filosofia. De teologia não sei um til. De então para cá manejei as armas durante 18 anos, passei 4 nas nossas lutas e discussões políticas e eis-me aqui agora neste exílio para onde me trouxe Deus afim de me dar o tempo e a necessidade de refletir e ver as coisas do ponto de vista onde elas se vêem como são.?[6] E o general pôs sinceramente mãos à grande tarefa. ?Trabalho com toda a energia a pôr em ordem em mim e nos meus estudos e vou reconquistando a verdade, pouco a pouco, como outrora conquistava uma posição militar, à viva força. Quero clareza, razões para tudo e em tudo, e só à razão me rendo?.[7] A Philosophie du Credo, que para ele expressamente escrevera Graty, foi com o maior rigor examinada por ?este homem heróico, o mais corajoso e um dos mais inteligentes do seu século. Ele leu e releu: discutiu-lhe todas as páginas com o admirável Pe. Deschamps durante cerca de vinte sessões de duas horas a três horas. O padre não se cansava de elogiar a tenacidade e lealdade de inteligência do general. Depois de um estudo apurado declarou enfim que estava convencido que era cristão e católico e aceitava todas as conseqüências práticas da fé?.[8] Os livres-pensadores de seu tempo, ele os aferretia com este estima candente: ?Conheço estes senhores, e com eles tratei de perto. Chamam-se livres e são escravos; crêem-se homens de cultura e Deus sabe como é frágil a sua couraça. Contentam-se de dizer : ? tenho meus princípios, tenho minhas convicções, a ciência falou?; e, de boa fé, serialmente não abriram um só livro católico. Não lêem nada, não discutem nada. Oh! Pascal, onde estás com teu azorrague para flagelar estes insensatos que mentem a si mesmos??[9]

Lembremos ainda um nome contemporâneo: será o do jovem Claudel que aos 18 anos, quando terminava os seus estudos no liceu Luis-le-Grand, já havia lido confusa e apressadamente os filósofos alemães, idolatrava Renan e via no culto da ciência a expressão definitiva da sua fé. O seu estado d?alma, assim no-lo descreve ele próprio: ?Evoquem-se estes anos tristes de 80, a época do pleno desabrochar da literatura naturalista. Nunca pareceu mais firme o domínio da matéria. Os grandes nomes da arte, na ciência, na literatura, eram todos irreligiosos… Renan imperava. Foi ele quem presidiu a última distribuição de prêmios no liceu Luis-le-Gran, à qual eu assisti e creio que fui coroado por suas mãos… vivia então na imoralidade e pouco a pouco caí num estado de desespero… esquecera completamente a religião; a seu respeito, a minha era de uma ignorância de selvagem?.[10] Quantos pequeninos Claudéis não poderiam subscrever a mesma confidência.

Nas almas nobres, que de ascensão em ascensão, chegaram à plenitude da luz, a confissão da ignorância religiosa sobe-lhes espontânea do coração humilde aos lábios sinceros. Nos que perseveram na própria incredulidade é maior a ignorância e menor a modéstia. O que se não pode esperar aqui de uma acusação leal importa firma-lo com uma demonstração decisiva. E a tarefa não é difícil.

Não nos deteremos nesta multidão de entendimentos de meia luz que pululam nas redações dos jornais, nas tribunas dos parlamentos, nas rodas elegantes e frívolas da alta sociedade. Seria escolher um terreno muito favorável a triunfos fáceis. O que inexato, de pueril, de ridículo, por aí se diz e imprime acerca das verdades mais comezinhas do cristianismo desafia e vence toda a expectativa. É nestes meios que se verifica, à letra, a sentença de E. Hello: ?Plus L?ignorance est profunde plus la parole ets assurée?.[11]E. Duplessey, recentemente, deu-se ao desporto de ir à caça destes dislates, tanto mais descompassados quanto afirmados com a serenidade mais impávida. Com eles encheu em pouco tempo um volume, verdadeiro museu em que para a edificação da posteridade se conservarão, em todas as suas variedades, os mais interessantes espécimes da ignorância contemporânea em matéria religiosa.

O mal, porém, é mais grave e profundo. Não se manifesta somente nos escrevinhadores irresponsáveis ? mediocridades mais ou menos áureas ? mas revela-se, com não menor freqüência, em autores de cujo talento e reputação teríamos o direito de esperar maior certeza nas afirmações e mais segurança na documentação. São nomes que ficaram na história da literatura e do pensamento, são, muitas vezes, polemistas que, do argumento religioso, fizeram o alvo predileto de suas sátiras e invectivas. Quem escreve com estas responsabilidades, quem acusa em matéria de tanto delicadeza e de tão graves conseqüências está duplamente obrigado a escrupulizar com mais rigor na observância estrita dos primeiros preceitos da honestidade científica. Infelizmente, à justiça destas exigências elementares não corresponde a realidade dos fatos.

Rompamos a série, como é justo, com o patriarca da incredulidade moderna. Poucos homens impugnaram o cristianismo com mais estranhado ódio e exerceram nos contemporâneos mais ampla e funesta influência corrosiva da fé, do que François Arouet Voltaire: ?Plus je vielles, plus je deviens implacable envers L?infâme?.[12] Do coração saturado de fel saem-lhe gritos de raiva satânica: ?Ah! Barbares, ah! Chiens de chrétiens… que je vous déteste!… mourrai-je sans avoir vu lês derniers coups portés à l?hydre abominable qui empeste et qui tue?… Il fault hardiment chasser aux bêtes pûantes?.[13] Para destruir a ?hidra abominável? todas as armas são lícitas, desde a calúnia deslavada até a ironia grosseira a correr em jato contínuo.

O importante é mostrar no cristianismo, no seu fundador, nas suas doutrinas, na sua evolução histórica um acervo de incongruências, de contradições, de fraudes, de fanatismo e superstições. ?Les chrétiens ayant été plongés pendant quinze cents ans dans la plus stupide barbarie, les livres étant três rares, les théologiens étant três fourbes, on a tout osé dire à des malheureux capables de tout croire?.[14] É a síntese da história do cristianismo.

Nos nossos livros sagrados ?Chaque traite est une hyperbole ridicule, un mensonge grossier, une fable absurde?.[15]

Sobre os evangelhos, nos quais repousa o fundamento histórico do cristianismo, as suas afirmações são ainda mais atrevidas. Iremos colhe-las no ?Examen important de Mylord Bolingbroke?. No Avis au lecteur, escrito pelo próprio Voltaire, diz-se-nos que nos achamos na presença do ?livro mais eloqüente, mais profundo e mais forte que ainda se escreveu contra o fanatismo?. Nesta ?obra-prima?, acerca do evangelho lemos: ?Desde que as sociedades de meio-judeus, meio-cristãos se foram insensivelmente, estabelecendo na arraia-miúda, em Jerusalém, em Éfeso, em Corinto, em Alexandria, pouco depois de Vespasiano, cada um destes pequenos rebanhos quis fazer o seu evangelho. Contam-se 54 e ainda existem muitos outros. Todos, como se é sabido, se contradizem?.[16] Na Histoire de L?Établissement du christianism, completam-se estas lições: ?É coisa muito digna de nota e hoje tida por incontestável, que nenhum dos primeiros doutores cristãos chamados padres da Igreja citou a menor passagem de nossos evangelhos canônicos; e, pelo contrário, citaram os outros evangelhos chamados apócrifos e que nós condenamos. É a demonstração de que estes evangelhos não só foram escritos primeiro, mas por algum tempo foram os únicos canônicos e os atribuídos a Mateus,  Marcos, Lucas e João foram escritos em último lugar.[17]

Para que os leitores possam apreciar o que há de falsificação da realidade nestas poucas linhas, lembremos alguns fatos.

Dos evangelhos apócrifos apenas 6 nos chegaram no texto íntegro; são composições tardias elaboradas entre os séculos  3 e 4. por fragmentos raros e isolados temos ainda o conhecimento de 14 evangelhos apócrifos, cuja redação mais antiga não remonta além do séc. 2. não temos um só evangelho apócrifo anterior ao tetramorfo canônico, que data da primeira geração cristã. A relação existente entre os apócrifos e os canônicos é Renan quem há de dizer a Voltaire: ?Seria fazer injúria à literatura cristã pôr no mesmo pé estas composições chatas com as obras-primas de Marcos, Lucas e Mateus. Os evangelhos apócrifos são os Pouranas do cristianismo; têm por base os Evangelhos canônicos. O autor toma a estes evangelhos como um tema de que nunca se aparta, e que procura somente diluir, e completar… tudo se reduz a bordar sobre uma urdidura preexistente… quanto aos pormenores, impossível de conceber algo de mais miserável e mesquinho. É uma parolagem cansativa de velhas comadres um tom baixamente familiar de uma literatura de amas-secas… o Jesus verdadeiro… esse os excede e os assombra?.[18] E Renan não exprime aqui uma opinião individual. ?Todos os críticos admitem a superioridade dos Evangelhos canônicos sobre os apócrifos. Na Alemanha desde Semler, que foi o primeiro a chamar à atenção sobre o conjunto de apócrifos, até Hilgenfeld, nenhum sábio pensou em contestar sua superioridade. Podemos assim dizer que o merecimento principal, o significado mais importante para nós, dos evangelhos apócrifos, é preparar-nos a estimar em seu justo valor os Evangelhos canônicos?.[19]

Quanto às citações dos Evangelhos autênticos pelos antigos escritores cristãos, a verdade é precisamente o contrário do que despachadamente adiantou Voltaire. Não há um só documento da primitiva literatura cristã em que se não encontrem numerosas citações, alusões e referências aos primeiros livros sagrados do Novo Testamento. É só abrir uma edição crítica dos padre apostólicos ? de Lightfoot ou de Funck ? e verificar imediatamente. Façamos esta averiguação para o Evangelho de Mateus. Encontra-se no Didaché (c. 80-100) cerca de 66 citações e alusões, em S. Clemente Rom. (c. 92-101) cerca de 10 citações e alusões, na Epístola de S. Barnabé (c. 96-98) cerca de 7 citações e alusões, em S.Inácio (m.107) cerca de 10 citações alusões, em S. Justino (c. 150) cerca de 175 citações e alusões.

Na literatura cristã da geração sub-apostólica já se encontram mais de 200 referências explícitas e implícitas ao nosso primeiro Evangelho. Depois destas indicações pedimos ao leitor a paciência de reler os trechos acima citados de Voltaire e confronta-los com a realidade dos fatos.

Com estas falsidades históricas, com a pobreza miserável desta bagagem crítica, o patriarca de Ferney chegou às conclusões gerais sobre ?os fundamentos da religião cristã, onde só se vê em um tecido das imposturas mais insossas, forjada pela mais vil canalha… uma série ininterrupta de falsários?.[20] Para combater esses inimigos do gênero humano toda arma é boa.

Hoje ninguém mais lê Voltaire no texto original, trechos de seleta e nada mais. Mas o mal imenso por ele produzido ainda dura. A incredulidade contemporânea é em grande parte descendente de uma geração que perdeu a fé na leitura das suas obras. A primeira metade do séc XIX foi plasmada nos seus sofismas e quando o mestre, aposentado, se retirou da primeira linha, os que por ele se haviam formado passaram para a vanguarda a orientar as gerações que surgiram. É realmente para fremir de indignação e de tristeza o ver sobre que fragilidade de fundamentos intelectuais, sobre que profundidades de ignorância religiosa, descansa, satisfeita e presumida, quase toda a incredulidade moderna.[21]

Contemporâneo de Voltaire, mas diametralmente oposto a todo o seu estilo é E. Kant. Lá um polemista sem escrúpulos, aqui um pensador austero. Voltaire, homem de corte e das rodas frívolas das sociedades literárias; Kant, titular de uma cátedra universitária e filósofo amigo do silêncio do seu gabinete. O francês, na sua luta contra o cristianismo, joga com todas as armas que poderão diminuir ou ridicularizar o seu adversário na consideração dos espíritos superficiais; todos os gêneros literários, da história à tragédia, do libelo à poesia, servem simultânea ou sucessivamente à finalidade dos seus intentos; a calúnia e a ironia, o desprezo e o ódio animam as suas páginas de uma nota pessoal viva e contagiosa. O alemão não sabe rir; a sua pena severa não desmente um só instante a gravidade impecável do homem de pensamento puro; toda a confiança da sua influência pretende descansar na força, lenta mas irresistível e definitivamente conquistadora, da idéia. Separados por este antagonismo profundo de índole, de feitio literário, de formação intelectual, Voltaire e Kant colaboraram na obra funesta da descristianização moderna. Adversário ferrenho de qualquer religião positiva e sobrenatural, o filósofo de Königsberg foi dos que mais contribuíram para a difusão do racionalismo nas classes cultas. Reduzir o cristianismo a simples proporções humanas e encerrar a ?Religião nos limites da razão pura? foi, como o título de uma de suas obras, o esforço de uma vida intelectual já madura e fecunda.

Com que preparação histórica e dogmática entrou Kant neste trabalho de tanta responsabilidade? Foi no Fridericianum que o futuro professor de filosofia recebeu a sua formação religiosa. Dirigido pelo Dr. F.A. Schultz, um dos homens mais influentes de Königsberg, este ginásio passava por um instituto pietista. Sabemos qual a esfera religiosa que aí se respirava. O protestantismo, antes da reação racionalista dos fins do século XVIII, concentrara toda a sua preocupação no problema da salvação pessoal pela fé. Luteranos, pietistas, e reformados aqui não divergiam essencialmente. A corrupção completa e irreparável da natureza humana, já não suscetível de uma verdadeira regeneração interior, constituía este pessimismo moral que domina toda a concepção protestante da economia redentora. O que importava era despertar esta confiança nos merecimentos de Cristo, confiança terna e entusiástica, ?fé que salva?; o estudo e as práticas de piedade eram orientadas para exercitar e preparar esta ?conversão do coração naturalmente corrupto? e debelar este ?mal radical? (das radikalen Böse), como o chamara mais tarde Kant (von radikalen Böse, 1792). O estudo do dogma ficava assim profundamente mutilado e todo o cristianismo empobrecido nas suas riquezas espirituais. Ao sair do Fridericianum, desgostado dos processos de educação religiosa de seus mestres, das suas atitudes devotas que ele averbará de carolice e fanatismo, die schwarmerische Religiosität, o jovem Emanuel abandonou para sempre todo e qualquer exercício de piedade, mais tarde, ouvi-lo-emos incriminar de imoral a prece; de perversão, a disciplina ascética; de idolatria, a invocação de Cristo. Kant não tolerava, entre os seus convivas, a oração antes das refeições; e ao diretor da cadeia de Königsberg, Hippel, pediu que mandasse calar aos presos ?hipócritas? que entoavam alguns cânticos religiosos. Com as práticas também foram abandonados todos os estudos cristãos. Kant não conhecia um só dos grandes doutores católicos; S. Tomás e Suárez, que Leibniz lera e louvara, ele nem sequer os havia folheado. Na sua biblioteca, aliás pobre, não se encontrou nenhum dos nossos grandes tratados de dogmática, artigos ou recentes. Quando em 1793 saiu publicada a Religion innerhalb der Grenzen der blossen Vernunft, havia 53 anos que o professor de Königsberg deixara o Fridericianum e por confissão sua, com exceção da obra de J. F. Stapfer, Grundlegung zur wahren Religion, nada mais lera sobre o assunto. Desinteressara-se por completo da doutrina e da exegese; só lhe sobreviviam na memória algumas reminiscências dos ?entretenimentos dogmáticos?, isto é, das piedosas exortações do Dr. Schultz, ouvidas entre os 12 e os 18 anos. Durante a composição do seu trabalho, leu uma Gundlegung der christlichen Lebre, isto é, um desses pequenos catecismos populares, então muito comuns na Alemanha e impresso em 1732. Esta leitura permitiu-lhe revestir de uma terminologia cristã o seu racionalismo que nitidamente ressalta em todas suas linhas através da transparência de um vocábulo de última hora.

Que muito, portanto, pululem a cada passo as confusões mais deploráveis, a respeito de quase todos os nossos dogmas? Sobre a eficiência dos sacramentos e o primado do Papa, sobre o probabilismo e a organização da Igreja romana, sobre a fé e a graça, Kant erra descompassadamente. Onde uma doutrina católica lhe vem ao bico da pena, exposta ou criticada, ressalta, manifesta e incontestável, a sua ignorância. Nem lhe ocorre o escrúpulo mais elementar de uma simples verificação. Sua instrução religiosa não passa o nível de um preparatoriano de todo esquecido de suas primeiras noções de doutrina cristã. Se qualquer de nós escrevesse sobre o budismo ou o kantismo, com estes processos de informação ou documentação, todo o mundo científico o desqualificaria irremediavelmente. Dir-se-ia então que a doutrina católica ou o domínio religioso é uma terra incógnita, exposta às arbitrariedades de seu primeiro ocupante?

Também sobre religião, a sua origem, seu desenvolvimento e valor, escreveu Spencer. Talvez com mais escrúpulos na informação e na crítica no alcance das afirmações? É ver numa ou noutra amostra dos seus processos.

Para o filósofo do evolucionismo, a origem da religião encontra-se na crença nos espíritos. Os povos selvagens crêem numa duplicata do próprio eu, capaz de separar-se dele na morte e de lhe sobreviver. A este ?espírito? oferecem eles as suas preces e oblações. Ora, nas religiões modernas, e, nomeadamente no catolicismo, persistem ainda os vestígios destas crenças primitivas. Quereis a prova? ?As pequeninas capelas que os católicos ricos edificam nos cemitérios são evidentemente (sic!) análogas aos túmulos monumentais das raças antigas. Se é um ato de adoração elevar uma capela à Virgem, é impossível que o sentimento de adoração não entre também na ereção de uma capela sobre a sepultura de um parente. Sem dúvida, as orações que se rezam nestas capelas ou nestes túmulos o mais das vezes são em favor dos mortos; mas dois franceses católicos me informam que, por exceção, quando se tem um parente piedoso que já se supõe no céu e não mais no purgatório, se lhe dirigem orações para obter sua intercessão. Um dos nossos correspondentes franceses o contesta, mas reconhece que a opinião pública canoniza os homens e as mulheres mortas em odor de santidade e estes são adorados?.[22] (!) Assim, diz ele, ?vi na Bretanha o túmulo de um sacerdote muito piedoso e caritativo: estava coberto de coroas, as multidões acorriam para pedir que as curasse, que velasse sobre seus filhos, etc.?. A prestar fé só a esta última informação, conclui muito sério H. Spencer, ?tenho a prova de que a religião primitiva dura ainda?.[23] Era necessário ir à Bretanha para ver túmulos honrados com coroas e preces? Era mister apelar para o testemunho de dois franceses para afirmar que os católicos imploram a intercessão dos que descansam no seio de Deus? Mas porque não estudar um pouquinho mais de perto o significado profundo da comunhão dos santos? Por que confundir tão grosseiramente a intercessão da Virgem com a adoração que só a Deus se tributa? Por que afirmar tão despachadamente (?é impossível!?!!) que é o sentimento de ?adoração? aos mortos que inspira a construção das capelas nos cemitérios católicos?

Outra amostra. Spencer afirma que as religiões estão sujeitas a uma mutabilidade contínua e há uma tendência nas formas monoteístas voltarem ao politeísmo. Também aqui a religião católica lhe vai oferecer a confirmação documentada; o culto da Virgem vai-se desenvolvendo com tendência a substituir-se ao culto verdadeiro a Deus. e a prova provada aí têm os leitores: ?no catolicismo, a Virgem, invocada habitualmente nas orações, tende a tomar o primeiro posto no espírito dos fiéis; o título de Mãe de Deus já esboça uma espécie de supremacia e hoje vê-se no Vaticano um quadro em que a Virgem é colocada acima das pessoas da SS. Trindade?.[24]  Não me lembro a que retábulo ou painel queira aludir o filósofo inglês. Mas procurar a doutrina católica sobre as relações de supremacia ou submissão entre a Virgem e a Divindade na posição relativa dos quadros de um altar é simplesmente ridículo, indigno de quem tem a menor idéia do que é documentação científica. Dir-se-ia que, para Spencer, o catolicismo é uma religião existente nas mais remotas plagas do planeta, sob cujas doutrinas não haja meio de informação senão o testemunho perdido de um francês da Bretanha ou uma alusão vaga a um painel do Vaticano! Com a precisão crítica destes documentos se afirma, sem hesitações, que o catolicismo envolve para o politeísmo, ou adora os mortos como os povos primitivos!

Söderblom é um crítico contemporâneo de envergadura respeitável, que faz das religiões comparadas o campo preferido de seus estudos. Mas também ele achou analogias profundas entre a religião dos povos primitivos e o catolicismo. Ainda hoje, diz ele, as congregações romanas não canonizam um santo senão após a cerificação dos milagres. É a sobrevivência da idéia primitiva que confunde a santidade com qualquer manifestação extraordinária do sobrenatural.[25] Mas porque o douto arcebispo protestante de Upsala não se deu ao trabalho de folhear um manual elementar que tratasse da canonização dos santos? Aí veria, sem grande esforço de erudição, que o primeiro passo no processo é o exame da heroicidade das virtudes, e esta prova é eliminatória. Se a Igreja exige a documentação de milagres autênticos, não é por ver neles o elemento constitutivo da perfeição moral, mas apenas um sinal que a manifesta de modo extraordinário. Em qualquer tratado de ascética e mística, sem exceções de um só, veria o douto crítico que a afirmação explícita e mil vezes repetida, de que as graças extraordinárias ? milagres, visões, êxtases, se por vezes manifestam a santidade, não a constituem nem são necessárias à sua perfeição.

Mas, infelizmente, é com estas lacunas de informações e com estes descuidos críticos que se fundamentam tantas conclusões frágeis e apressadas, de certos manuais de história comparada das religiões. Esbatem-se na penumbra diferenças essenciais, põem-se em relevo semelhanças de superfície, forçam-se analogias até à identidade; interpretam-se ritos e cerimônias pela materialidade externa dos atos e não pelo significado íntimo da idéia que as anima e especifica; explicam-se todas as concordâncias por simples empréstimo ou influências históricas. As conclusões são inesperadas e radicais; com semelhantes processos, que conclusão se não pode tirar? Nos exemplos acima citados como procederam Spencer e Söderblom?

Se em nomes respeitáveis se podem apontar tantas deficiências na documentação religiosa, será que nos libelistas, ainda quando aureolados com um título universitário? Lembremos um só exemplo, o de Draper. Este professor de fisiologia da Universidade de Nova York teve a idéia de publicar uma ?História do conflito entre a religião e a ciência?.[26] Não nos detenhamos sobre os erros históricos que enxameiam em cada página; sublinhemos ainda uma vez a ignorância sistemática das doutrinas que se rejeitam. Seja, por exemplo, a infalibilidade do Papa o dogma criticado. Quereis vê-lo pulverizado com um fato evidente? Pio XI não ?previa o êxito da guerra franco-prussiana?, p. 254. Para Draper, portanto, a infalibilidade implica o dom da profecia dos acontecimentos políticos!! Mas ouvi-o a justificar a interpretação celebrina: ?poderá objetar-se que esta infalibilidade só se refere às coisas morais ou religiosas; mas como traçar a linha de separação? A onisciência não pode limitar-se a um grupo de questões; da sua natureza implica o conhecimento de todas as coisas; infalibilidade, quer dizer onisciência?, p. 162. Magnífico. Infalibilidade é sinônimo de onisciência! Sois infalível quando afirmais que 2+2=4?, logo sabeis tudo. Onisciência implica o dom de profecia. Ora, Pio XI não profetizou Sedan!! A ?história política do papado e as biografias dos papas? revelam erros e faltas. Logo, a infalibilidade é uma congérie de erros e puerilidades. Por que, antes de escrever uma crítica de tanta importância, o filósofo de New York não se deu ao trabalho de passar os olhos nas dez ou doze linhas de definição vaticana que encera a exposição oficial e autêntica do dogma católico? Forrar-se-ia ao menos à vergonha destas deformações caluniosas infantis. E pensar que Draper foi traduzido em quase todas as línguas e lido por milhares e milhares de leitores indefesos!! Ainda uma vez, quanta ignorância na origem e na conservação da incredulidade moderna!! 

Como se vê pelos fatos alegados ? e os poderíamos multiplicar se não temêramos abusar da paciência dos leitores ? a ignorância do cristianismo por parte dos seus adversários é injustiça antiga contra a qual já se insurgem os primeiros apologetas; suas manifestações, multiplicaram-se e agravaram-se sobremodo ns últimos tempos. Se lhe quisermos, portanto, indagar as causas, encontraremos algumas, permanentes, comuns a todas as eras, outras, mais ativas, próprias da época moderna.

Inerentes à nossa natureza e, por isso, sensível em todas as gerações, é esta inércia da matéria que não se eleva espontaneamente à região das realidades espirituais; é esta inclinação para a terra e os seus bens, que se nos impõem pela sua indispensável necessidade e nos atraem pela tangibilidade de suas seduções sensíveis. Toda a atividade intelectual superior encontrará sempre, neste invólucro material que é a metade menos nobre de nós mesmos, uma oposição que é possível vencer mas não é possível eliminar. Estas dificuldades psicológicas que embaraçam o surto da inteligência para as suas esferas elevadas do pensamento puro, agravam-se, no caso particular da instrução religiosa, com a perspectiva do descobrimento de novos deveres ? ameaça contínua à livre e limitada satisfação das paixões.

As condições particulares da vida moderna vierem ainda tornar mais crítica esta, que se poderia chamar ? situação normal do homem. Em nenhuma outra época, talvez, exerceram os bens materiais tamanha tirania sobre as vontades como em nossos dias. O homem que conseguiu dominar a natureza com a máquina acabou escravizando-se ao despotismo da própria máquina triunfante. É o vórtice absorvente da vida econômica, é o industrialismo moderno sobreexcitado pela febre da produção contínua e crescente, é a concorrência no exercício das profissões liberais numa luta pela existência cada vez mais áspera e impiedosa. Aumentaram assim, graças ao progresso material, as comodidades da vida, as possibilidades de maior aconchego, a facilidade e a multiplicidade dos prazeres que fascinam. Daí, com uma exacerbação no desejo do gozo, uma preocupação obsessiva do dinheiro que o condiciona. Nesta efervescência de ambições e esperanças, nesta febre de atividades externas, empalidecem os valores do espírito e escasseia o tempo para tudo o que não é ganhar e gozar o ganho. O homem moderno, algumas vezes a contragosto, vê-se envolvido num torvelinho de ocupações e preocupações, que, depois de lhe dividirem o tempo em migalhas, lho devoram todo. Só uma vontade enérgica logra triunfar destes embaraços criados pelo meio hostil.

Em outras eras, as condições de vida social, mais afirmada pelo espírito cristão, respeitavam melhor a hierarquia essencial dos valores humanos. Os divertimentos eram um acessório, mas não absorviam, inteiros, os dias de descanso nem invadiam desmensuradamente pelas horas de trabalho. Os feriados eram mais numerosos e bem repartidos pela roda do ano. A economia perdia algo na quantidade; não havia a superprodução que hoje ameaça o equilíbrio dos mercados, não havia milhões e milhões de desocupados a pesarem ao erário público e prepararem talvez num futuro não muito remoto uma crise mundial de conseqüências imprevisíveis. Era menos intensa a atividade econômica, mas, em compensação, ganhava a resistência dos nervos não submetidos à continuidade de uma tensão exaustiva; lucrava a vida de família na intimidade suave e continuada da convivência doméstica; beneficiava, principalmente, a vida espiritual e religiosa a cuja cultura se consagravam com maior tranqüilidade, mais prolongados lazeres. Há inegavelmente na nossa sociedade moderna um desequilíbrio funesto ao desenvolvimento normal da vida religiosa.

Esta situação, já de si tão triste, foi exacerbada, em alguns países ? entre os quais o nosso ? pela mais inconsiderada e perniciosa das medidas legislativas que podem infelicitar um povo: a laicização do ensino.

Laicizar a instrução é bloquear a inteligência infantil, isolando a sua vida escolar de toda a idéia cristã; é eliminar, na formação das almas, a influência dos valores espirituais e divinos, é trabalhar da maneira mais sistematicamente eficaz para a difusão da ignorância religiosa e, por ela, da impiedade e da desmoralização crescente de uma nacionalidade.

 Não é para aqui tratar da questão do ensino religioso nos seus vários aspectos; já o fizemos em outra ocasião. O que agora mais nos interessa é pôr em relevo a sua imensa responsabilidade no aumento da ignorância religiosa. Eis em poucas linhas a realidade pungente da nossa situação atual.

Para as grandes massas do povo que passam pelas nossas escolas primárias, durante o primeiro período da infância, nenhuma exposição séria e orgânica do cristianismo. As crianças aprendem a ler e a escrever, e fazer mal algumas contas. Sobre Deus, sobre a natureza humana e a imortalidade dos seus destinos, sobre a existência do seu dever, os seus fundamentos religiosos e as suas sansões indeclináveis, nem um aceno. Assim, nas condições de verdadeira tábua rasa em matéria de conhecimento cristão, sai a nossa infância dos bancos das escolas oficiais. Mais tarde, na vida social, sobre estas conseqüências sem princípios e sem fibras resistentes, à influência da escola sucede a da imprensa. E o que são os nossos jornais populares em pontos de formação religiosa e moral, melhor é não dizer palavra e cobrir o rosto de vergonha! E aí temos a ignorância, a ignorância completa e selvagem, na raiz deste triste fenômeno da apostasia das massas com o seu triste cortejo de superstições e fanatismos.

Para os que se destinam às carreiras liberais, à escola primária seguem-se o ginásio e a universidade. Nestes dez ou doze anos de estudo, em que a inteligência se desenvolve e orienta na vida, uma sombra espessa envolve tudo o que concerne aos fundamentos da vida religiosa. A escola leiga timbra em não tocar nestes assuntos. De quando em quando alguma ironia mal disfarçada, alguma alusão desconfortável à Igreja, isto sim, ela permite sem escrúpulos. Na luta das investiduras, ei-la, invasora da soberania civil; no século da reforma, ei-la, intolerante e responsável pelas guerras de religião; na questão de Galileu, ei-la, inimiga da ciência. Aqui e ali algum remoque sobre casuística, a depravação da cúria romana, a política astuta dos ambiciosos jesuítas. Sobre tudo o mais, a formidável conjuração do silêncio. A profunda ação civilizadora da Igreja, as benemerências econômicas, intelectuais e morais das ordens religiosas, o sulco profundo que vincaram na vida dos povos os heróis da santidade ? toda esta imensa realidade inseparável da gênese e do progresso da nossa civilização, não entra nos programas do laicismo. Para não falar bem da Igreja sacrifica-se a história.

Ainda que nos colocáramos no plano puramente natural de uma instituição completa e orgânica, que mal imenso, que deformação profunda das inteligências, não causa esta mutilação violenta e sistemática, imposta por um sectarismo de vistas acanhadas! Na França, também ela devastada pelos males de um laicismo intolerante, os protestos, em nome da integridade da cultura, se vão multiplicando de dia para dia e firmados por nomes de respeitável autoridade. ?A informação cristã, escreve Paulo Arbousse-Bastide, deve ser expressa e explicitamente compreendida na cultura humanista. Nós vimos tanto de Jerusalém, quanto de Atenas e de Roma. Foi necessária a ridícula separação das duas Franças para que fosse interdito falar de Deus na escola. A confiscação do problema cristão e de sua história pelas capelas e sacristias é uma das catástrofes morais da França. Há algumas tentativas de progresso. Mas laicização não deve significar mutilação. O cristianismo dá-se por sobrenatural; a mais elementar das probabilidades é apresenta-lo tal qual ele se dá com a reserva do próprio juízo pessoal… O ocidente foi criado numa civilização cristã. Donde o dever para o humanismo ocidental de ser tão cristão como greco-latino. A ignorância dos fatos bíblicos e evangélicos nas escolas oficiais é um dos escândalos da nossa cultura.[27] Quem escreveu estas linhas, provocou recentemente um inquérito sobre a formação humanista; responderam os nomes mais respeitáveis da cultura francesa. Resumindo os resultados de tantas respostas vindas de todos os horizontes intelectuais, Arbousse-Bastide conclui: ?O conhecimento dos fatos cristãos é indispensável a toda a cultura humanista. Tal, em poucas palavras, a única tese positiva sobre a qual parece unânime a opinião?.[28]

Na Alemanha, a cultura religiosa nas escolas é muito mais apurada. No ensino primário o estudo da religião ocupa 4 horas por semana e continua, com 2 horas hebdomadárias, durante o curso ginasial, que se prolonga por oito ou nove anos. Nas escolas protestantes naturalmente bloqueia-se tudo o que se refere ao catolicismo. É ainda em nome dos interesses da cultura que se levantam os protestos mais autorizados contra mutilações tão injustas quanto prejudiciais. K. Burdach, professor da Universidade de Berlim e conhecedor emérito da idade média, escrevia, ao concluir-se a grande guerra: ?Se me fora permitido alvitrar uma sugestão relativa à escola superior do futuro, pergunto por que motivo excluir, nas nossas aulas, do estudo do latim como da religião, a leitura e a explicação da missa católica, de trechos seletos da liturgia de alguns hinos da Vulgata? Com isso perde a nossa juventude um tesouro imenso de força expressiva de linguagem e poesia. É para deplorar que a mocidade protestante da Alemanha passe pela escola sem uma noção, ou pelo menos sem o estudo de fontes em que se vai alimentar a vida religiosa de milhões dos seus colegas e concidadãos católicos?.[29]

 Protesto análogo já havia formulado, antes, outro grande professor universitário, sociólogo e pedagogo dos mais notáveis da Alemanha moderna. ?entre os nossos sábios, escreve F.W. Förster, há o mais vivo interesse pelas usanças religiosas dos habitantes das ilhas de Fidji ou do Tibet, mas em relação à Igreja católica, ainda entre homens sérios, reina uma ignorância de clamar aos céus. E a Igreja Católica não é uma instituição de hoje ou de ontem, ou uma seita professada por meia dúzia de palpavos ou pedantes; é a mãe de toda a civilização, que não só durante muitos séculos inspirou as maiores almas, mas, ainda hoje, em quase todas as raças, conta, entre seus membros mais sinceros, numerosos homens e mulheres de uma autoridade incontestável e nos nossos dias, pelas suas ordens religiosas, na pátria e no estrangeiro, realiza milagres de educação que lhe invejam quantos vivem fora do seu grêmio?.[30]

Os males, no ponto de vista moral e religioso, esses são incomensuravelmente mais graves. As almas jovens, submetidos a essa cultura artificial de estufa, se vão aos poucos laicizando, isto é, desabituando-se a viver em contato com as realidades sobrenaturais do cristianismo. Nestas inteligências que nunca ouviram uma exposição clara, sólida, orgânica ad doutrina católica, da sua ação civilizadora no passado, da inexaurível eficácia interior da sua virtude regeneradora do homem, vai-se pouco a pouco formando a persuasão de que o cristianismo não passa de uma velha mitologia sem valor de verdade, a sua moral, de um aglomerado incoerente de preceitos arbitrários e injustificáveis, a sua liturgia, de sobrevivência arqueológica de velhos ritos onde se salvam ainda algumas jóias de rara beleza para a satisfação do diletanismo de modernos estetas. Estudar então o cristianismo afigura-se a estas inteligências deformadas uma perda de tempo; voltar-lhe ao seio, uma regressão deplorável.[31] As próprias cerimônias de culto a que ainda se assiste por tradição social ? batismos, casamentos, exéquias ? incompreendidas na linguagem dogmática e no simbolismo dos seus ritos, perdem toda a eloqüência do seu significado. Muitos venerados doutores saem das igrejas, depois de haver assistido ao sacrifício dos nossos altares, tão instruídos e edificados como se houveram contemplado uma cerimônia budista. E assim se vão para a luta da existência, desarmados de cultura religiosa e de sólida formação moral, os desditosos jovens que o laicismo não preparou, nas suas escolas, para as grandes responsabilidades da vida.[32]

Se mais tarde a insufocável curiosidade dos problemas eternos os leva a abrir um livro religioso é ainda a velha mentalidade laicista que lhes vai orientar a escolha. Sobre religião, sobre o catolicismo, só trabalhos firmados por penas de adversários. Catholica non leguntur. Toda a imensa produção da ciência católica em todos os domínios do pensamento ficará sendo uma biblioteca fechada sobre sete chaves perdidas. Muitas vezes nem sequer se lhe suspeita a existência. Em seu lugar, se lerão com uma confiança cega, como se fora a última palavra indiscutível da ciência, as produções mais heteróclitas de quantos a opinião da moda entroniza como árbitros das elegâncias literárias. Renan será a última palavra da cristologia; o Orfeus de Salomão Reinach oferecerá as derradeiras conclusões intangíveis da ciência comparada das religiões. Às vezes nem tanto é necessário: uma falsificação de E. Haeckel ou uma ironia de Anatole France decidirão para sempre da solidez de uma apologia ou do valor de um dogma.

Assim, por este imenso caos de doutrinas e de sistemas de afirmações e de negações, oscila a inteligência desapercebida para a resistência, desaparelhada para a crítica, quase inevitavelmente fadada a vítima do primeiro ou do último autor que o capricho das circunstâncias lhe puser nas mãos. Com o progredir destas leituras, à ignorância rasa dos primeiros anos vai sucedendo outra, muito mais perigosa e difícil de debelar, a ignorância presumida da ciência. Já lá observava Platão, respondendo nas Leis a um dos interlocutores que dissera: ?parece-me, temes entrar nestas questões por causa da nossa ignorância?. ? ?muito mais temeria, retruca o mestre, tratar com pessoas que as houvessem estudado, porém mal. No caso, na é a ignorância das multidões a mais perigosa, nem a mais para temida, nem o maior dos males. Haver estudado muito e muito haver aprendido, mas com métodos viciosos, é mal muito maior?.[33] O autodidata raras vezes consegue vencer os perigos de sua formação caprichosa. Nada mais arriscado na vida intelectual do que confiar no esforço próprio e isolado todo o trabalho de informação, de abstração, de generalização, de dedução, de coordenação, de classificação e crítica dos fatos lidos, numa palavra, de todos estes processos indispensáveis para a constituição de uma ciência verdadeira e de bom cunho. Por isso, salvo raras exceções, o autodidata não organiza os seus conhecimentos. O seu crescer não é vital; assemelha-se mais aos dos minerais, onde o aumento de volume se faz por simples justaposição de novas partes. As noções, hauridas no acaso das leituras, conservam a marca da origem e não chegam nunca a fundir-se na unidade coerente de um todo orgânico que se desenvolve por verdadeira assimilação do alimento. Na inteligência assim atulhada nada foi digerido; não houve verdadeira germinação espiritual; é a desordem, a incoerência, o caos. Daí a mentalidade própria do sem-mestre, que é, de regra, indócil, teimoso; simplificador de problemas complexos; facilmente convencido de que todos os conhecimentos que ele acaba de adquirir são completamente ignorados pelos outros até aí o haviam sido para ele; e sobretudo bem-aventuradamente satisfeito de si mesmo e de sua auto-suficiência, não lhe ocorre a possibilidade da dúvida nem a prudência da interrogação.

Mais do que em qualquer outro domínio de conhecimento, no estudo das questões religiosas, que pela sua profundidade e extensão entendem com todos os problemas humanos no que eles apresentam de mais delicado, difícil e complexo, não se prescinde impunemente, para a ascensão gradual e segura na escala hierárquica dos conhecimentos, da direção de um mestre e conselhos sugeridos pela experiência da metodologia científica. É o descaso destas exigências elementares que explica o fenômeno tão freqüente em nossos dias ? e por nós já muitas vezes averiguado ? da aliança de uma competência notável e real, em outros domínios do saber, com uma ignorância de menino pagão em matéria de cristianismo. Muitos dos nossos grandes doutores que talvez já devoraram bibliotecas não resistiriam a um exame de catecismo elementar. Ainda aqui, apesar das aparências, a incredulidade é quase sempre filha da ignorância.

Instrução, luz, verdade: eis o que desejamos. Mais do que em outros tempos repetimos o de Tertuliano: o cristianismo só vos pede uma coisa: que não o condeneis sem o conhecer.

Aos que perderam a fé só lhes exigimos a sinceridade de um estudo sereno e completo. É uma exigência que se impõe a um ânimo leal, é um dever de consciência que pesa sobre todo o homem que vem a este mundo. As nossas responsabilidades profissionais impõem-nos a necessidade de uma habilitação técnica à altura das nossas obrigações. Mas antes de sermos engenheiros ou médicos, advogados ou negociantes, somos homens. A contingência desta ou daquela profissão, poderemos amanhã renuncia-la sem desaire; não poderemos renunciar nunca à nossa natureza com os deveres imprescritíveis de lhe realizarmos as finalidades essenciais. Sobre todos, paira, portanto, imperiosa, indeclinável, ratificada com sansões irreparáveis, a obrigação de investigar lealmente as questões da origem, da natureza e dos destinos do homem. A instrução religiosa é o primeiro e o mais graves dos deveres humanos. Fingir desconhece-lo, disfarçar a seriedade destas questões ou, com o narcótico de um ceticismo elegante, anestesiar as preocupações que elas inspiram é pecar contra a nossa dignidade racional. Com um dever de probidade científica, com a exigência de uma responsabilidade moral, com o interesse vivo da questão que mais de perto nos atinge, o estudo imparcial e profundo do catolicismo impõe-se a toda incredulidade que quer ser sincera.

Aos que têm a ventura de possuir o tesouro da fé incumbe-lhes com não menor clareza e urgência, o dever de cultivar e desenvolver um conhecimento exato, orgânico e compreensivo da religião. Em que medida? Na medida indispensável para defende-la dos perigos que a ameaçam e para vive-la em toda sua plenitude.

Para as pessoas cultas não bastam as lições de catecismo elementar, nem é tampouco suficiente um curso mais desenvolvido, paralelo aos estudos secundários. Em quantos católicos não se verifica a observação de Hettinger: ?[Neles] a instrução religiosa não progride; permanece o que era na infância, enterrada, esquecida sob a poeira da vida cotidiana, de seus cuidados e penas, de suas dissipações e prazeres. Desenvolveram-se e fortificaram-se todas as faculdades e energias do homem; só o sentimento religioso, que é o primeiro dos nossos atributos naturais, se estiolou e feneceu. Cultivam-se todas as regiões d?alma, exceto a mais profunda, a mais íntima, a mais essencial, que permanece inculta, estéril e desolada como um terreno baldio.?[34]Com o volver dos anos e o amadurecer da razão, com a aquisição de novos conhecimentos profanos, as questões religiosas apresentam-se sob outros aspectos; multiplicam-se as objeções; acentua-se o desejo de maior profundidade e compreensão. A fim de evitar desequilíbrios funestos é mister que a instrução religiosa, ascendente e progressiva, vá respondendo a todas as novas exigências da alma que se desenvolve. É a ordem da Providência a que nos não podemos subtrair sem incorrer em riscos graves. Sob a autoridade de Monsabré quero apresentar a fórmula desta lei providencial: ?Deus acolhe, sem dúvida, com prazer a submissão humilde das almas simples que, sem aprofunda-la, a verdade ensinada por uma autoridade digna de respeito. A estas almas oferece Ele, nos momentos difíceis, uma força sobre-humana contra a qual se frustram as tentativas de erro. Mas estará Deus, porventura, obrigando a usar a mesma indulgência e dar as mesmas graças quando se trata de pessoas dotadas de aptidões intelectuais, cuja ignorância cessa de ser ingênua porque já não é fruto da impotência mas da indolência? Não o creio. Consagrar toda a sua inteligência à aquisição ed conhecimentos subalternos e descurar voluntariamente o conhecimento supremo, é uma desordem que Deus deve punir com o desamparo?.[35]

E este estudo continuado pelos anos afora vai desenvolvendo e confirmando os motivos de credibilidade, percorridos um tanto esquemática e sumariamente nas páginas de um manual de apologética. As novas leituras enriquecem o patrimônio dos fatos; a experiência da vida que sobe habilita a inteligência a estimar em seu mais justo valor estes ?argumentos morais? distintivos da verdadeira Igreja e que a primeira juventude é tentada quase a menosprezar. Quando se conhecem melhor os homens tão facilmente levados a se desentenderem, aprecia-se com mais admiração a unidade da Igreja. A santidade dos seus filhos, conservada neste heroísmo incansável que se estende do sacrifício dos primeiros mártires ao desprendimento completo e perseverante dos nossos missionários e das nossas religiosas, não só se enriquece de novos moldes que aprendemos a admirar de dia para dia, mas avulta em todo o esplendor de sua grandeza pelo contraste com a fraqueza humana conhecida experimentalmente e com os limites naturais das suas virtudes, desajustadas do auxílio sobrenatural da graça. O conhecimento vivo e real dos adversários da Igreja, dos motivos que muitas vezes os inspiram e dos processos de que se servem, contribui não raro para diminuir a impressão das suas invectivas e o valor das suas argumentações. Vê-se melhor o muito que nelas há de incompreensão e de paixões e o pouco de inteligência sincera das doutrinas, das intenções e da vida sobrenatural do catolicismo. Só a idade ensina em concreto a distinguir a grandeza da Igreja, como instituição, das fraquezas humanas dos seus representantes, a não confundir nos corifeus da incredulidade a sua competência, por vezes incontestável, num determinado domínio científico, com uma superficialidade e, não raro, ignorância pasmosa em matéria religiosa; a ver nas virtudes naturais de muitos incrédulos o fruto de uma educação religiosa ou a influência não confessada de uma atmosfera cristã. Destarte, insensivelmente, com o amadurecimento da razão, com a experiência da vida, com o cabedal de novos conhecimentos se vão fortalecendo os fundamentos da fé na solidez de convicções cada vez mais raciocinadas e robustas. ?A luz aumenta com os anos, escreve, com sua habitual fineza psicológica, L. de Grandmaison, as razões de crer multiplicam-se com as exigências crescentes da inteligência; a fecundidade moral dos princípios recebidos, sua aptidão para resolver os problemas postos pelo mundo e pela vida, sua harmonia interna, os autoriza e confirma; desta maneira, sem ser necessário recorrer a um exame em forma, sem abalos nem crises agudas (ao menos, na maioria dos casos), por seu trabalho pacífico e contínuo de apropriação pessoal, o crente ingênuo dos primeiros anos transforma-se no cristão convicto, consciente de sua fé?.[36]

Além da defesa da fé, a instrução religiosa continuada na madureza dos anos tem ainda outra finalidade mais alta; desvenda-nos, à medida que subimos na vida, as harmonias inefáveis da religião, estas, que S. Paulo chamava ?investigáveis riquezas de Cristo, investigabiles divitias Christi?. Que aos jovens preocupem principalmente as questões apologéticas, bem está; nesta idade somos lutadores, amamos a discussão, aspiramos ao triunfo da inteligência na vaidade dos torneios dialéticos. Para o campo religioso levamos naturalmente um pouco desta pugnacidade dos anos juvenis. Quando mais tarde já não se idealiza tanto o povir nem se vive de esperanças inexperientes, quando se domina a vida das alturas da virilidade e já se tem nas mãos tudo o que ela dá ou pode dar, outras são as nossas aspirações mais profundas. Já não queremos discutir senão construir: não nos alegramos tanto de prostrar um adversário na humilhação de uma derrota, quando de benfazer-lhe à alma, envolvendo-a numa atmosfera d bondade conquistadora; o que mais almejamos é então glorificar a Deus, realizando em nós o máximo de perfeição a que nos destinou seu amor dadivoso.

E a madureza dos anos vai-nos providencialmente dispondo para uma inteligência mais profunda desta vida superior do espírito. É a idade das sínteses largas, compreensivas, serenas. O jovem apreende por pontos, o seu pensar é desarticulado, fragmentário, parcial; uma idéia empolga-o na sua primeira aparição e ele deixa-se fascinar por seu aspecto sedutor, sem lhe inquirir as possíveis e longínquas repercussões; seus juízos são, de regra, precipitados, unilaterais, exclusivos. É a virilidade que enfeixa os conhecimentos dispersos, unindo os pontos em linhas e as linhas na harmonia de uma arquitetura completa. Que  está nos flancos dos primeiro contrafortes ou apenas galgou a altura dos pequenos cerros não tem ante os olhos senão a confusão e a desordem; é mister vencer as asperezas da ascensão e dominar das eminências mais sublimes a amplitude dos horizontes para perceber, numa visão panorâmica, a direção e as linhas do movimentos orogênico em toda a unidade de sua grandeza majestosa. É precisamente o conhecimento religioso, que, nas elevações da inteligência, realiza esta síntese suprema; ele abraça toda nossa existência, responde a todas as nossas aspirações, unifica-nos toda a atividade interior: para compreender a religião é preciso ter dado volta à vida.[37]

?Quanto mais observo a diferença das vidas, escreve de Tourville, tanto melhor vejo o erro terrível que cometem os homens, muitas vezes os mais cristãos e os mais capazes em muitos assuntos, o erro de não procurar a ciência de Deus como se procura a ciência deste mundo. Apesar de sua fé, de suas virtudes e capacidades, o vazio na sua formação é assombroso. Falta-lhes uma ciência sem a qual não se fecha o ciclo das outras, sem a qual as outras são como um anel aberto ou um anel partido; falta-lhes a ciência de Deus que completa o horizonte da inteligência humana como o brilhante completa o anel de ouro?.[38]

Com os anos, também as paixões arrefecem na violência dos seus primeiros adoradores; a inteligência ganha em serenidade, em limpidez e profundeza de visão. Mais do que as dos corpos entra a encantar-nos a formosura das almas, e a formosura das almas é a virtude e a virtude é o reflexo de Deus na pureza das consciências. As realidades espirituais avultam na importância de seus valores que não passam. Como é então agradável, útil, indispensável um estudo mais aprofundado do divino cristianismo! Já nele não nos pesa, como tantas vezes ao jovem, o que há ou que pode haver de limitativo nas prescrições do culto ou nas proibições da moral; empolga-nos e enche-nos a alma o que á de expansivo, de libertador, de vivificante. À medida que se vão alargando assim os horizontes, o espírito vai-se encaminhando para a simplificação da unidade final.

Realizar a nossa unidade interior é realizar a nossa plenitude. Um ser vale o que  vale a sua unidade; cindi-lo é destruí-lo; unifica-lo é dar-lhe o máximo de estabilidade e de perfeição. Enquanto não nos elevamos acima da multiplicidade criada, estamos divididos, dissipados, dispersos. Na ordem ontológica, Deus é o primeiro de toda unidade, como de toda a realidade, Ele, Causa Primeira de tudo o que é; Ele, Fim para o qual tudo tende; alfa e ômega do universo. Na ordem psicológica e moral, começamos o nosso trabalho de unificação quando refletimos a ordem da realidade e entramos a ver, julgar e agir através da luz que vem de Deus. Melhor conhecido e mais amado, Deus vai aos poucos concentrando as nossas idéias e as nossas aspirações na unidade de sua paz infinita. Através das vicissitudes da multiplicidade terrena este recolhimento unificador é a melhor preparação à felicidade definitiva das inteligências fixas na instituição beatífica da Supremacia Verdade, Plenitude de todas as perfeições. É o significado mais profundo da palavra divina de Cristo: haec est vita aeterna ut cognoscant te solum Deum verum et quem misisti Jesus Christum.

 Na religião desconhecida, a origem freqüente da incredulidade; na religião estudada com intelletto d?amore e vivida com sinceridade profunda e generosa, a perfeição e a paz suprema do homem.



[1] Pascal, Pensées, sect. III, n. 194, ed. Brunschviscg major, II, p. 102.

[2] Ollé-Laprune, Lês sources de la paix intellectuelle, Paris 1916, pp. 59-61.

[3] Langben, Der Geist des Ganzen, Freib. i.B. 1930, p. 227.

[4] Conf. 1. V, c. XIV.

[5] Idem

[6] Keller, Vie du general La Moricière, p. 253.

[7] Carta ao Pe. Delcourt, S.J. Cit. Por Baunard, La foi et ses victoires, Paris, 1993, t. I, p. 402.

[8] Cf. Perrauld, Le Père Granty, Paris, 1917, p. 350.  

[9] Baunard, op. Cit. P. 404.

[10] Ver Calvet, J., Le Renouveau Catholique dans la littérature contemporaine, Paris, 1927, p. 130.

[11] Hello, E., L?Homme, Paris, 1920, p. 208.

[12] Brou, A., Le dix-huitième siècle letteraire, Paris, 1925, t. II, pp. 371-372.

[13] 9 janv. Et 3 Oct., 1761.

[14] Epitre aux Romains, Quatrième imposture, Oeuvres completès, ed. Renouard, XXX, 440.

[15] Examen important, I. Oeuvres complètes, XXX, 9.

[16] Examen important, c. XIII, Oeuvres complètes, XXX, 54.

[17] Histoire de L?Établissement du christianism, c. XII; Oeuvres complètes, XXXV, 504, 505.

[18] Renan, L?Église chrétienne, 1879, pp. 505-507.

[19] Varot, J., Les Évangiles apocryphes, histoire littéraire, forme primitive, tranformations, Paris, 1878, p. 481.

[20] Voltaire, Le diner du comte de Boulainvilliers, Second entretien; Ouevres complètes, XXXII, 381-82. Os erros e confusões palmares enxameiam nas obras de Voltaire. Citemos alguns espécimes, mas a florilégio poderia avolumar-se notadamente. Aqui ele nos remete ao ?hebreu? do Evangelho de S. João (examen important, p. 42) que nunca existiu, porque todos sabem que o original do 4º evangelho foi escrito em grego; ali diz que: ?nenhum autor romano nem grego fala de Jesus?. Dieu et l?Homme, c. XXXII, p. 277. E Tácito? E Suetônio? E Plínio? Acolá, o ?nosso símbolo que os papistas chamam Credo, símbolo atribuído aos apóstolos?. Toda a gente sabe que, palavras e sentido, já os artigos de nosso símbolo se encontram nos escritos apostólicos, e desde o 2º século já se exigia dos catecúmenos, na vigília do batismo, a profissão do mesmo símbolo em sua substância integral. E assim por diante.

[21] Lanson, G., Voltaire, Paris, 1922, p. 163.

[22] Spencer, H., Príncipes de Sociologie, trat. Gazelles, t. 1, Paris, 1910, pp. 410-411.

[23] Idem.

[24] Idem, pp. 97-98.

[25] Encyclopaedia of religion and ethics, by Hastings, 1913, t. VI, p. 741.

[26] History of the conflits between religios and science, by John William Draper, M.D.LL.D. Professor in the University of New York and author of a treatise on humam physiology, New York, 1873. ? citamos a 2ª edição francesa, Paris, Alcan, 1908.

[27] Pour um humanisme nouveau, Enquête dirigée par P. Arbousse-Bastide. s.d. (1930), p. 15.

[28] Idem, p. 196.

[29] Burdach, Konrad, Deutsche Renaissance, Betratungen über unsere künstige, Berlim, Mittler u. Sohn, 1918, p. 82 ? Daí o caráter preconcebido da polêmica protestante salientado por von Ruville: ?Na raiz, são invectivas odientas e um orgulhoso descaso que a Igreja encontra no campo protestante; processos que impressionam tanto mas desagradavelmente quanto mais raro é descobrir-se neles um conhecimento penetrante das doutrinas e das instituições católicas?. La Marque du Véritable anneau, Paris, 1922, p. 219.

[30] Förster, F.W., Jahrbuch modernes Menschen, 1907, p. 112 e segs. Desta igorância protestante queixa-se também a voz autorizada de A. Harnack, outrora reitor da universidade de Berlim e especialista em história das origens cristãs. ?Os alunos que deixam o ginásio conhecem da história eclesiástica alguns fragmentos desconexos e sem alcance… mas a Igreja Católica, a maior criação religiosa e política da história, esta não a conhecem absolutamente; e sobre formam algumas idéias mesquinhas, vagas e incoerentes. Como se formaram as suas grandes instituições, o que significam elas na vida da Igreja, como podem ser facilmente interpretadas, como atuam com segurança tão firme e impressionadora ? tudo isso, na minha experiência, constitui, salvo raras exceções, uma terra incógnita?. Harnack, A., Aux Wissenschaft und leben, t. I, p. 96.

[31] Dizer que o cristianismo foi bom, mas já não o é; uni-lo no pensamento do homem às velharias, aos abusos, aos preconceitos, a tudo o que a humanidade legitimamente detesta ? eis o paraíso da ignorância?. Hello, E., L?homme, Paris, 1920, p. 209. É neste paraíso que se deleita a formação filha do laicismo.

[32] Poderíamos encher um capítulo com os arrependimentos e queixas amargas de quantos, ao chegarem à idade madura, puderam medir em si as profundezas das devastações de uma educação mutilada pelos preconceitos naturalistas. Fale por todos o neto de Renan, E. Psichari, contemplando, homem feito, os desastres da sua juventude: ?Nos seus anos de adolescência, que miséria e abandono! Seu pai alimentara-lhe a inteligência, mas não a alma. As primeiras perturbações da juventude encontraram-no desaparelhado, sem defesa contra o mal, sem proteção contra os sofismas e falácias do mundo… durante oito anos, dos 22 aos 30, errara pelo mundo e atirara a todos os céus a sua maldição… fugia de continente em continente, oceano em oceano, sem que nenhuma estrela o guiasse entre as variedades da terra?. E. Psichari, Le Voyage d?un centurion, Paris, 1916, p. 4, 6.

[33] Platão, Leis, X, 818, 819.

[34] Heittinger, Apologie dês Christentums, t. I, c. I.

[35] Monsabré, Retraites pascales, 1875-76, Première Instrunction.

[36] Grandmaison, L. De, Le Dogme Chrétien, Paris, Beauchesne, 1928, p. 305.

[37] É quase literalmente a expressão de Guerra Junqueiro. Depois de notar como quase todos os grandes vultos da literatura oprtuguesa, na geração passada, Oliveira Martins, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão e Antero de Figueiredo, com o amadurecer dos anos foram voltando ao cristianismo que hostilizaram nas verduras da mocidade, conclui o poeta, que os acompanhou na mesma evolução: ?é preciso dar volta à vida para compreendermos bem?. Guerra Junqueiro, Prometeu Libertado, pp. 28-32.

[38] De Tourville, Lumière et vie, Paris, Bloud et Gay, 1924, pp. 14-15.

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