Jacobo san miguel

Ultimamente tenho encontrado gratas surpresas nos meus passeios pela “blogsfera”. Dentre elas posso salientar os meus amigos André de Oliveira (www.andredeoliveira.blogspot.com), Gustavo Nogy (www.nogy.blogspot.com), Ruy Maia Freitas (www.despoinadamale.blogspot.com) e os “compatrícios” João Sarto e Rafael Castela Santos (www.casadesarto.blogspot.com): escrevem com sangue, de alma em punho! Mais do que uma simples veemência, para além da retórica, são eles “vozes do deserto” que clamam pela verdade e proclamam a Verdade.

Uma das coisas que mais me marcou foi ter conhecido um senhor de nome Jacobo San Miguel que, pensava eu, era “católico de nascimento”. Comentava ele sobre os temas encetados no blog do JSarto e do Rafael com agudeza incomum e com um bom-humor leve e contagiante. Mal sabia eu de toda a história…

Quando soube do ocorrido, de seu falecimento, uma dor profunda se fez. Era como se um amigo muito próximo tivesse partido: fez-se a saudade ? a presença de uma ausência.

Quando o Rafael escreveu sobre ele, o Jacobo, notei que o sentimento tinha suas raízes profundas: era a identidade de almas irmãs; irmanadas pelo mesmo Sangue: o preciosíssimo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Disponibilizo aqui no site Veritatis Splendor o Testemunho daquele que nos deixou um maravilhoso exemplo de perseverança no amor. Espero que o amigo e irmão Jacobo dê àqueles que precisam tudo aquilo que lhe foi negado durante a vida: maravilhosa dádiva dessas mãos vazias.

Homenagem a Jacobo San Miguel

Jacobo San Miguel, um de nosso leitores, faleceu no dia 6 de Janeiro passado, Festividade dos Três Reis Magos, na Califónia, (USA) devido a complicações do tratamento do câncer a que estava sendo submetido.

Jacobo San Miguel, fervoroso católico, era mexicano de nascimento. Seu pai era judeu russo e sua mãe era uma mistura de sefardita* e maia**. Foi educado num ambiente de judaísmo reformado e descrente; sua juventude foi praticamente agnóstica.

Tendo completado os estudos secundários na Cidade do México emigrou para Israel, lá permanecendo durante um tempo. De vota à América se estabeleceu nos EUA, onde se tornou advogado.

Atualmente estava finalizando um PhD em História.

Se casou e teve três filhos. Todos eles lhe sobreviveram e, se por acaso lerem isto, A Casa de Sarto lhes expressa nossos mais sentidos pêsames e profundas condolências pelo falecimento de Jacobo San Miguel.

Sua conversão ao Catolicismo veio acompanhada de cruzes e sofrimentos enormes, pois foi rechaçado da comunidade judia em que vivia e pela sua própria família.

Devido a um desses sujeitos impertinentes  que pululam, ou melhor, pululavam nesta Casa, Jacobo e eu entramos em contato havia vários meses e desde então mantínhamos um intercâmbio epistolar que só se interrompeu nos dias prévios à sua morte.

A Casa de Sarto rende aqui uma pequena homenagem ao Jacobo: que em paz descanse. Nada melhor que extrair alguns parágrafos da correspondência privada que mantinha com ele. A claridade que algumas de suas idéias e alguns de seus sofrimentos que passou, por sua conversão e fidelidade a Cristo, merecem ser relatados.

Sua conversão

“Quero eu lhe contar, Don Rafael, como me converti. Eu era um pândego humano e espiritualmente falando. Falava muito de religião, mas sempre com escárnio. Tinha para mim que o Antigo e o Novo Testamento eram contos fantásticos, nada mais. Argumentava que Moisés havia tido alucinações auditivas quando subiu ao Sinai, que havia demasiada poesia em torno de Davi e que Jesus Cristo era um impostor […] Não havia mais Deus porque em realidade não havia Deus: tudo isso me parecia uma grande estupidez […] O desprezo e o asco que sentia pelos cristãos era impressionante […] Mas Deus tem vários caminhos: quis Ele que na sua Pátria, que é agora minha Pátria-Mãe, se desse a minha conversão; em Toledo.

Estava eu a caminho de Jerusalém, mas tinha de fazer uma escala em Madri e perdi o avião porque aterrizamos tarde. Assim decidi ir a Toledo, que muitos tinham me falado que é linda. Toledo é a capital Sefardim***, como bem sabes, uma cidade muito querida para os judeus. Fui a Catedral e me quedei fascinado com El Greco. Me quedei extasiado ante esse pintor místico e fiquei intrigado ante uma família, uma freira, uns padres e três crianças que rezavam o Rosário em uma Capela lateral.

Não sei que me passou então. Ante o Crucifixo do Altar-Mor tive uma imperiosa necessidade de aproximar-me. Eu gritava em silencio: ?Deus dos cristãos, se existe, mostra-Te!? […] Foi logo ali, na lateral do Altar, que, sem saber por que, chorei de fronte a um precioso quadro da Virgem. Não sabia por que chorava…

Quando cheguei a Tel-Aviv me faltou tempo para sair para Jerusalém […] e me meti com um grupo de peregrinos cristãos que faziam um tour de três dias pelos lugares da Terra Santa. O franciscano que se fazia de guia explicava como se haviam cumprido todas e cada uma das Profecias de Isaías sobre Cristo, profecias que conhecia bem porque minha mãe era uma boa judia ortodoxa e lia para mim essas coisas desde pequeno. Comecei a pensar que os cristãos estavam certos e eu não, que Cristo era o verdadeiro Messias […]

Quando regressei aos USA queria ler e saber de Cristo mais e mais. Comprei uma Bíblia e comecei a frequentar uma igreja episcopal no mesmo tempo em que lia os autores católicos que tinham sangue judeu, principalmente carmelitas, como Sta Teresa, S. João da Cruz e Sta Edith Stein. Mas também lia a outros como Frei Luis de Leon e a autobiografia do Rabino Zolli, que logo se convertia ao Catolicismo […]” (15 de Julho de 2004)

Seu êxodo e seu purgatório

“[…] Minha mulher se voltou louca contra mim quando se inteirou que eu flertava com o Cristianismo. Quando me converti foi o fim: me fez a vida impossível e me provocava continuamente; isso durante anos […] Perdi o trabalho e conseguiu um divórcio em tempo recorde e um processo contra mim. Me acusou de tudo […] Não pude ver os meus filhos em três anos, dos quais queria e quero muitíssimo tê-los comigo, apesar de não mais lhes ver […]

Foi então que conheci Daniel […], este judeu argentino de que havia lhe falado, e que havia se convertido ao Catolicismo. Estava desesperado, mas me convenceu a ir ao Catecismo da Igreja Católica com ele.

Eu batalhava pela minha família todos os dias e, aos poucos, encontrei trabalho que logo se mostrou bom, porque me foi dada uma confortável posição econômica. Daniel me animava. Eu estava triste, muito triste. Não podia ver meus filhos e minha ex-mulher os punha contra mim sem cessar.

Desde que fui aos episcopalinos li vários livros sobre o protestantismo que o Daniel me forneceu. O protestantismo é uma falácia, uma mentira, e agora a Igreja é assaltada pelo protestantismo […]

Em 13 de Outubro, três anos depois de minha inesperada visita à Toledo, fui batizado católico em uma das missões espanholas na Califórnia.” (31 de Março de 2003)

Seu amor pela Espanha e por Portugal

“Ao ler sobre o Catolicismo não podia ler somente a Teologia, mas também História, a que sempre fui aficcionado. Li muitos livros […] Me dei conta de que nos haviam mentido descaradamente sobre Felipe II: ele era essencialmente um bom católico! Também o professor Luis Suárez, que escreveu uma obra impressionante sobre a expulsão dos judeus da Espanha. Entendi a Rainha Isabel e o que se passou, mesmo que, todavia, tenho meus reparos de que a medida não fora de toda correta. Ademais, Luis Suárez é também judeu, assim não se pode acusá-lo de antisemitismo […] No México nos mentem, nos dizem uma lenda negra sobre os espanhóis: pelo certo é que Cortés decidiu atuar militarmente quando viu os sacrifícios humanos e graças aos espanhóis essas abominações cessaram […] Que a Espanha fez a obra maior da humanidade em converter maus pagãos (mas também judeus, porque foram muitos os judeus que se converteram na Espanha, ou nas “Espanhas”, como você gosta de falar) isso é inquestionável. A obra dos Impérios Espanhol e Português não é uma obra de homens: é uma obra de Deus […]

Foi então quando eu, que havia nascido no México, me vi interiormente mexicano de verdade, pois até aí não havia sido […]

Vocês, os espanhóis, trouxeram a Fé em Cristo à este continente americano, logo ajudados pelos portugueses no Brasil e pelos franceses no Canadá […]

Desejo terminar esse e-mail, querido Rafa, dando um viva a Espanha, a Patria-Mãe querida de minh?alma […]” (8 de Outubro de 2004)

Seu descobrimento da Tradição

“[..] quanto a mim, sempre me intrigou essa coisa dos protestantes. Depois de ler muito, vi que o problema era sério. O bom da Tradição é que há uma sucessão ininterrupta, posto que elevada e transformada por Jesus Cristo, desde o Sacerdócio de Abraão (sim, Sacerdócio, porque Abraão prefigura o sacrifício que Deus oferece de Seu Filho, Jesus Cristo) até o Sacerdócio de S. Pedro, que se continua pelos últimos dois mil anos […]

Alguém me falou de Missas em Latim e fui lá. Que beleza, que dignidade, que pureza!!! Havia muitos livros naquela igreja, e comprei mais de quarenta sobre a Liturgia, sobre a história, sobre os caminhos da fé etc. Se riram muito quando tive de pedir ajuda para levar todos os livros em duas caixas grandes para o carro. Foram cinco meses sem dormir direito. Trabalhava e lia. Não comia bem.

O sócio da minha firma quis que eu fosse ao médico, ao psicólogo, porque o esgotamento foi tal que caí enfermo de tanto ler, como Don Quichote […] Sim, creio que li quarenta e três livros sobre a Tradição em menos de seis meses […]

Me fui de férias para Roma em um mês e lá ia a Missa em Latim, na Congregação de Sto Atanásio, e logo me enredei pelo Vaticano e por Roma. Assim percebi o contraste entre a Roma pagã e a Roma Eterna melhor do que as palavras podem dizer. Me dei conta da grandeza da Roma Imperial, mas estou completamente de acordo contigo, Rafa, de que esse Império Romano foi salvo, em tudo o que podia ser salvo, pela Igreja […] porque a Igreja é Católica, Apostólica e Romana, posto que Eterna e imutável, coisa que os modernistas não querem entender. Ao voltar de Roma, nunca mais pude assistir a Missa Tridentina, que é a expressão da pureza da Fé […] Mas a luta não é litúrgica, é sobre a Fé, da pureza da Fé”. (15 de Agosto de 2004)

Sua opinião sobre A Casa de Sarto

“Caro senhor Castela Santos: lhe agradeço seu e-mail. Efetivamente não vale a pena perder tempo com um irracional que só sabe insultar e que, quando lhe respondem com argumentos racionais, responde com impropérios. Assim são os odiadores da Santa Madre Igreja Católica e assim também todo naipe de perseguidores. Rezarei a ele ao invés de perder tempo em responder as suas estupidices anticatólicas.

Eu também, como outro judeu insigne de nome Pablo, fui perseguidor e odiador de cristãos, eu também fui odiador e acusador, pois sempre há esperança […] 

Não me amedronta que o jovem diga que quer um encontro físico comigo. Estou a praticar artes marciais a quase 40 anos e sigo treinando quase diariamente, aparte de que recebo instruções de combate corpo-a-corpo e em treinamento intenso de situações reais. Então… Melhor seria um bom combate de argumentos.

Vejo hoje que, quando um católico é insultado, todos aplaudem e se juntam em matilha. Me dói ver que as palavras não mais tem um efeito curativo, mas só alimentam polêmicas inúteis com os raivosos e maliciosos de sempre.

Quero aproveitar essa mensagem para dar-te congratulações a você a ao João Sarto pelo formidável blog que editam. Não importa que os leiam poucos. O importante é demostrar que estamos aí, que o estandarte e a bandeira da Tradição seguem estando aí, sempre. Meu português vai melhorando pouco a pouco, pois necessito dela para a minha Tese de Doutorado […] Sigam aí, mantenham-se, com continuidade e com firmeza […] Sou um leitor constante do Padre Castelani, a quem releio continuamente, e me alegro muito da reivindicação que fazem na Casa de Sarto […] É lógico que sendo um blog bilingue, ele tem dois gumes, visto a Espada da Cristandade ter dois fios primordiais: Espanha e Portugal […] A Casa de Sarto é um espaço bem católico e minha única queixa é que deveriam escrever mais constantemente.”

Despedida

“Querido Rafa: estou aqui, tremendamente exaurido. A operação saiu bem segundo dizem os médicos. Contudo tem ele de iniciar a quimioterapia para evitar a disseminação do tumor. E isso irá drenar mais as minhas forças. Mas apesar disso, e de saber que em 50% dos pacientes com esse mesmo tipo de câncer não logram superar os dois anos de sobrevida, tenho esperanças de ser um dos outros 50% e logro sobreviver aos cinco anos, os que são 25%. Está comigo um Padre […] um sacerdote muitíssimo zeloso […] Me ministrou a Extrema-Unção e fiz uma confissão geral de toda a minha vida. Me senti muito aliviado, pois se algo me acontecer de inesperadamente e sem os devidos preparativos só posso ir a um lugar horrível. Tal é a Misericórdia e a Justiça de Deus. Estou em paz com Deus, muito arrependido dos meus pecados de juventude e de madureza. Perdôo de coração a todos, inclusive minha mulher, que tanto dano me tem feito […]

Tenho boas notícias que me alegram: meu filho mais velho A[…] me procurou e me pediu perdão e disse-me que, a partir de agora ele e J[…], vão estar ao meu lado: dei a minha benção a ambos. A[…] chorava e chorava. Foi como a Parábola Do Filho Pródigo: foi porque Deus nos ama; o amor pode tudo […]

J[…] era um tipo materialista, sem nenhuma inquietude espiritual, mas agora se tornou mais humilde o que muito me alegrou.

A[…] voltou a tarde e conversei com ele durante três horas sobre a minha conversão e por que me tornei católico. Tinha que parar às vezes e me quedava adormecido por uns minutos, porque estou muito esgotado. J[…] me beijou com ternura […] A[…] virá amanhã com meus quatro netos, dos quais só conheço dois.

Como vês, tenho que viver para agora poder estar com meus filhos e conhecer mais os meus netos […]

J[…] apenas fala formalmente com a sua mãe, mas eu lhe disse que, apesar de tudo, ela era sua mãe. Ela está tentando convencer a N[…] para que venha ver-me, todavia ainda está muito influído pela sua mãe.

Recuperar meus filhos, mesmo que seja por culpa de enfermidade, é o maior presente que Deus poderia me dar de Natal […]

Muito obrigado pelas imagens da Virgem de Fátima e da Virgem do Pilar que me enviou: as tenho aqui, ao meu lado, junto à Virgem da Guadalupe […] E te agradeço todas as orações […] Mas não peçam por mim: eu estou bem. Estou confessando e estou comungando, e na Graça de Deus. Não tenho medo, mesmo que possa morrer durante os próximos meses. Peçam pela conversão do povo judeu. A salvação do mundo virá pelos judeus e judeu é Cristo também. Se os judeus não se converterem ao Catolicismo o problema de Israel não terá solução.

O problema é tão complicado que tem somente solução espiritual: a conversão de judeus e palestinos a Fé Católica. Só isso pode trazer perdão e paz. Israel e Oriente Médio trarão a ruína ao mundo, a este mundo descristianizado […] Cada dia vejo mais clara a ameaça russa e chinesa, que alimentam as heresias e os cismas e são capazes de controlar a maré islâmica que será os castigo pela fraqueza dos europeus.

[…] Rezem pela conversão dos judeus, pela conversão da Rússia e, por suposto, pela conversão dos pecadores e não-crentes. E rezem, sem temor, para que Deus castigue duramente os inimigos de Cristo e de Sua Igreja que não querem se arrepender […]

Te desejo, Rafa, Graças por teus ânimos e tuas orações […] só de ter recuperado contato com meus filhos já basta: estou feliz […]

Feliz Ano Novo, que seja um ano do Deus de Israel, de Isaac e de Jacó, o Deus que se encarnou: que Nosso Senhor Jesus Cristo reine eternamente.”(30 de Dezembro de 2004)

*Diz-se dos judeus descendentes dos primeiros israelitas em Portugal e Espanha.

**Povo indígena da Guatemala e Sul do México.

***O mesmo que sefardita.

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