07/12/2001
Jogo é Crime
Muito estranho propor como solução de problemas suprimi-lo por uma lei, um decreto. No caso de jogatina, mãe de tantos males, magistralmente descritos por Rui Barbosa, uma vez legalizado, imediatamente se transforma em benefícios para a sociedade. Governar assim, um papel publicado no “Diário Oficial” tudo transforma, é fácil e viveremos em um paraíso antecipado. No entanto, a realidade é bem diversa. Recordemos uma passagem bíblica.
Descia Moisés do monte Sinai, onde recebera as normas de conduta e de sua observância dependia a aliança com o Senhor. Javé o adverte, pois o povo eleito, na ausência do grande líder, abandonara suas determinações. Ele o previne, mas não propõe legalizar os maus costumes e sim aplicar as penas da Justiça divina, usando, ao mesmo tempo, de Misericórdia com Moisés, ao substituir por outros aqueles relapsos. O guia, em sua ira justa, quebrou as duas tábuas, aplicou severas penas e a história santa continuou, entre o perdão e o castigo, derrotas e vitórias, fraquezas e períodos de recuperação, sem jamais chamar o mal de bem, confundir o erro com a verdade.(Ex 32,7-35).
Pesquisando minha presença semanal na imprensa há mais de 30 anos, deparo-me com o seguinte trecho, no final do artigo publicado a 10 de maio de 1991: “Pensava eu que a insensatez nesse País fosse menor. A atual tentativa para a legalização dos cassinos encontra o Brasil em inacreditável onda de decomposição moral, com tantos escândalos que diariamente aparecem na Imprensa. Busca-se como remédio – ou como um dos remédios – a liberalização do jogo, isto é, a legalização de um valioso fator de decomposição moral. Além disso, é irracional o argumento de que o mal, como a jogatina, por ser de difícil ou impossível erradicação, deva ser legalizado”. Esse trecho merece ser repetido sem modificar, nem mesmo uma vírgula.
O Episcopado paulista publicou, a 24 de novembro de 1942, uma “Carta Pastoral sobre o Jogo, a dignidade da Família e a defesa do Brasil”. Assina, em primeiro lugar, Dom José Gaspar de Afonseca e Silva, Arcebispo da então única sede metropolitana do Estado. Aborda, a argumentação, ainda hoje amplamente utilizada. O primeiro raciocínio, denunciado pelos Bispos, ainda é utilizado periodicamente em nossos dias: “Em vez, pois, de baldar energias contra ele (o jogo), regulamentemo-lo, que será mais inteligente”. Os Bispos respondem com o mesmo raciocínio, aplicando-o ao crime de morte: “Em vez de o coibirmos, regulamentemos, pois, o homicídio, que será mais inteligente.”
O outro argumento é aproveitar a jogatina para obras de assistência social ou de caridade. A resposta é incisiva e franca: “Um país que baseie o seu orçamento não no trabalho honesto mas nos proventos da jogatina sob a alta proteção das autoridades, está infamado para sempre (…) com oficializar ou regulamentar o jogo (…) cria, ao mesmo tempo, novos e piores casos de assistência social”. Adiante, a carta Pastoral acrescenta: “Tenhamos a coragem de escrever também: o jogo, como instituição normal, legalizada, oficializada, é gravíssimo sintoma de decadência moral e política (…) à mentalidade do esforço sucede a mentalidade da preguiça.”
Em uma época de crescente corrupção administrativa, parece-me infantil aceitar a argumentação que ela será fator positivo na construção de uma sociedade onde impere a probidade da vida, o amor ao trabalho, a honestidade nas funções públicas, a integridade de caráter.
Seria ledo engano tentar corrigir esses e outros males pelo acovardamento em tomar medidas eficazes. Ou então, oficializar simplesmente essa decadência moral.