Justiceiros

Percebida hoje como símbolo de barbárie, a lei de Talião (“olho por olho, dente por dente”) foi um avanço no direito penal primitivo. Trata-se de uma forma de impedir punições desmesuradas: quem quebra um dente de outro não deve ter dois dentes quebrados; quem vaza um olho não deve ser executado.

Para que se possa ter este ou qualquer outro princípio penal civilizatório, contudo, é necessário que haja alguma ordem social. Que haja juízes – ainda que estejamos falando do cacique da tribo ou de um conselho de idosos.

O Brasil de hoje não tem mais esta ordem. A legislação em vigor, bem como suas interpretações, efetivamente impedem a punição de criminosos contumazes. Gangues de rapazolas andam pelas ruas das capitais, aterrorizando os mais fracos (senhoras de idade, principalmente), arrancando-lhe os bens, estuprando, batendo e mesmo matando. E nada lhes acontece. O policial que os conduz à delegacia passa lá mais tempo, cuidando da papelada, que o criminoso, que sai rindo.

Neste contexto, o que se tem é a pior espécie de barbárie: a que não obedece nem mesmo à lei de Talião. Grupos de latagões, movidos pela melhor das intenções, procuram proteger seus concidadãos, “caçando” os criminosos, dando-lhes uns tapas, humilhando-os etc. Sem que haja um sistema judicial mínimo, contudo, o que se tem é uma reação desproporcional, em que cada criminoso capturado pelos “justiceiros” paga pelos crimes de todos os seus colegas de má vida. Não se tem o limite de um olho por um olho, de um dente por um dente, porque o criminoso é percebido como avatar de toda a criminalidade, como o Mal encarnado.

Para o mesmo Estado que não pune os criminosos, contudo, é mais fácil punir os “justiceiros”, mais ainda quando – como cada vez mais vem acontecendo – não se trata de milicianos, mas de simples rapazes de classe média, cansados de ver a mãe ou a avó serem assaltadas.

O culpado pela ação deles, contudo, é o Estado. É a inação deste que provoca aqueles à ação. Uma ação desordenada, uma ação cujo potencial de injustiça é incomensurável. Mas é uma ação que não ocorreria se, ligando para o 190, uma viatura aparecesse; que não ocorreria se um assaltante de 1,80 metro de altura, com 17 anos, ficasse preso em vez de voltar para a rua praticamente no dia seguinte. Não é uma ação sem causa: é uma reação à inação do Estado.

Se não houver uma reforma urgente de todo o sistema penal e processual penal brasileiro, será em breve impossível conter este tipo de reação desordenada de parte da população.

 

 

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