Leitor pergunta sobre a cobrança de espórtulas

Participo de uma paróquia na diocese X e recentemente nosso pároco instituiu a “colaboração” de R$ Y para serem colocadas intenções na Santa Missa. Sinceramente me entristeceu bastante tal atitude e não sei se existe respaldo para isto no Código de Direito Canônico ou em alguma regra particular da nossa arquidiocese. Gostaria de saber se a cobrança e permitida e como proceder caso não.

Prezado leitor anônimo,

A pergunta veio bem a calhar, uma  vez que estamos no período quaresmal, onde devemos reforçar nossos exercícios de oração, jejum/penitência e esmola. Esta última é o tema de sua mensagem.

O nome dessa colaboração é espórtula. Para a celebração dos sacramentos, o sacerdote tem o direito de receber uma retribuição pelo serviço prestado – é através do dízimo e da espórtula que sobrevivem os sacerdotes, no geral.

O valor da espórtula para cada sacramento é determinado (tabelado) pelo bispo diocesano, e não pode ser cobrado a mais. Além do mais, quem comprovadamente não puder pagar ou oferecer um valor menor, não pode ser privado do sacramento, que é direito gratuito do fiel.

No Livro IV, parte I, título III, capítulo III do Código de Direito Canônico, existe a regulamentação legal para as espórtulas (não confundir com o dízimo, que é obrigação do fiel e tem fundamentação bíblica, não sendo lei meramente eclesiástica como a espórtula). Veja em https://www.veritatis.com.br/article/2347/Esp%F3rtulas

Falando no dízimo, é por causa da ineficácia dele que temos a necessidade de se fixarem espórtulas e elas serem, digamos assim, mais “forçosamente” sublinhadas e cobradas. No Brasil, a legislação sobre o dízimo diz: “Pagar o dízimo, segundo o costume”. O problema é definir o costume brasileiro, uma vez que pouquíssimas pessoas levam os 10% ao pé da letra, e pagam o que querem ou o que podem e a maioria não paga nada, contrariando o costume da igreja universal (com trocadilhos, por favor) onde em alguns países o dízimo é até mesmo descontado diretamente na folha de pagamento.

Como quem não tem cão caça com gato, os bispos viram-se forçados a recorrer a outras fontes, para garantir o sustento de suas paróquias e da diocese.

Num panorama geral, em média (já que cada bispo define individualmente sua tabela de espórtulas para a diocese inteira ou parte dela), no Brasil (ao menos pelo que tenho visto nas arquidioceses) costuma-se cobrar entre R$ 0,50 e R$ 2 pela intenção em missa comunitária – o fiel deve ser avisado previamente de tal fato e concordar com isso, pois a princípio, uma espórtula deve ser aplicada exclusivamente e não em conjunto – e a espórtula para missa exclusiva costuma situar-se entre R$ 50 e 100 reais. O costume também é de pagar ao sacerdote ou diácono visitante a espórtula de R$ 50 por missa, e muitas das vezes acaba sendo só ajuda de custo para o transporte e um lanchinho, dependendo da situação (última hora, engarrafamento, teve de pegar táxi não-programado para a missa começar na hora, o padre que iria celebrar originalmente ficou preso em algum lugar ou foi parar no hospital ou teve de ir encomendar um corpo no cemitério – apenas alguns poucos exemplos da multitude de coisas que podem e que já vi acontecer), não dando sequer para os fins de caridade a que devem se destinar.

É importante salientar que existem no Brasil múltiplas obras de caridade (orfanatos, creches, famílias) que são assistidas exclusivamente por meio de espórtulas de missa/sacramentos obtidas pelos sacerdotes que as mantêm. Normalmente estes sacerdotes celebram missa diariamente, cobrindo folga ou férias de algum outro padre, ou celebrando em igrejas que não têm pároco ou capelão (por exemplo, as igrejas do Centro do Rio ou do Centro de São Paulo, e igrejas cuja propriedade não é do bispo mas de alguma ordem terceira).

Há que se ter também o cuidado de não confundir ou comparar a prática das espórtulas com simonia. Sobre isso, temos já uma explicação no item 11 do seguinte artigo: https://www.veritatis.com.br/article/2419/esp%c3%b3rtula

Também sobre a questão das missas “comunitárias” e os abusos que podem decorrer a respeito de inúmeras pessoas listadas num rol e o padre não celebrar nenhuma missa por uma única intenção específica, a Santa Sé em 1991 emitiu um decreto, que pode ser lido neste link: http://www.presbiteros.com.br/Documentacao/DicasteriosdaSantaSe/Decreto.htm

Vale ressaltar o Artigo VII deste decreto acima citado:
Artigo 7º
É preciso, contudo, que também os fiéis sejam instruídos sobre esta disciplina, mediante uma catequese específica, que deve em primeiro lugar abranger:
a. O alto significado teológico da espórtula dada ao sacerdote para a celebração do sacrifício eucarístico, a fim de prevenir sobretudo o perigo de escândalo por causa de uma espécie de comércio com as coisas sagradas.
b. A importância ascética da esmola na vida cristã, ensinada por Jesus mesmo, pois a espórtula oferecida para a celebração de Missas é uma forma excelente de esmola.
c. A partilha dos bens, pela qual, mediante as espórtulas para a celebração de Missas, os fiéis concorrem para o sustento dos ministros sagrados e para a realização de atividades apostólicas da Igreja.”

Creio que este parágrafo anterior encerre muito bem este assunto, mas mesmo assim, recomendo ainda um outro (excelente) artigo disponível na rede, que aborta a questão por um outro lado: http://www.jst.org.br/Noticia_Integra.asp?Ass=Doutrina%20e%20F%E9&Numero=1689

Em Cristo,
Rafael Cresci

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