Leitor quer saber o significado de “pós-modernidade”

Em uma homilia em minha paróquia, o padre celebrante utilizou a expressão “pós-modernidade” para se referir aos dias atuais, gostaria de saber se este termo esta correto, e se for, quando começou este período e o que o caracteriza. Desde já obrigado pela atenção.


Prezado Cristiano,

A Paz de Cristo!

A expressão “pós-modernidade” é utilizada por alguns intelectuais contemporâneos para designar a presente etapa da história humana, que estaria marcada pela superação da “modernidade”, entendida como período de predomínio da “Razão”.

Na modernidade, uma Razão absoluta pretendeu dar conta de tudo, mas acabou oprimindo o homem através das ideologias derivadas do iluminismo – o liberalismo e o marxismo – e da técnica, e seu resultado mais drástico foram as duas grandes guerras. Na pós-modernidade, vigeria um “pensamento débil” (Vattimo), não metafísico, uma moral do “consenso” (Habermas), do “politicamente correto”. Não haveria mais “verdades absolutas”, porque as mesmas só seriam posições “dogmáticas” responsáveis pela opressão do homem.

Para compreender mais profundamente a proposta pós-moderna, e como devemos nos posicionar frente à mesma, é conveniente entender a visão que a modernidade tinha da época anterior, o Medievo, e o que representaram essa época e a modernidade realmente, e em que medida o exemplo medieval pode nos ajudar a superar de modo correto a época moderna.

A modernidade julgava que a Idade “Média” – esse nome já é problemático, porque não faz referência alguma à substância dessa época, mas apenas ao fato de que a mesma se encontra entre a Antiguidade e a Modernidade – havia sido uma era das “trevas”, dominada por uma suposta Fé “irracional”. Isso é uma patente falsidade, tendo em conta a magnífica harmonia entre Fé e Razão – as “duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade” (cf. João Paulo II, Fides et Ratio, Bênção) – no pensamento e na vida católicos: veja-se, por exemplo, as grandes sumas teológicas, o esplendor da arte gótica, o início da ciência experimental com Roger Bacon (monge católico), os desenvolvimentos do Direito a partir do contato com o Direito Canônico… Pode-se dizer, sem sombra de dúvida, que em todos os campos do saber a Fé católica fecundou a inteligência humana, e que aquilo que a ciência “moderna” tem de essencial, que é a exploração intelectual do universo a serviço do bem humano, deve-o também à Fé, que revela como o homem é superior à natureza e pode “dominá-la” – como administrador da criação (cf. Gn 1,28) e não como seu último dono, que poderia usá-la irresponsavelmente –, não estando sujeito à mesma, como julgava o pensamento antigo, pré-cristão, e como, em alguma medida, propõe o “ecologismo” atual – não devemos confundir a ciência moderna com o “cientificismo”, que diz que “o que não pode ser provado empiricamente não existe”, o qual é uma interpretação (filosófica) deturpada da ciência.

A questão dos “modernos” não é simplesmente a de valorizar a razão humana – à qual a filosofia cristã homenageia de modo incomparável, ao afirmar sua capacidade para alcançar a mais alta das verdades naturais, que é a da existência de Deus –, mas sim emancipá-la de toda autoridade divina, representada pela autoridade da Igreja e, conseqüentemente, abrir mão do auxílio da Fé cristã para a compreensão da realidade. A “Razão” humana passou, então, a ser considerada como o fundamento último da realidade, e o cume dessa visão é o pensamento “iluminista” ou “ilustrado” (século XVIII). No fundo, o problema moderno é um problema que está mais relacionado a uma atitude/vício da vontade, que a uma conclusão/erro racional. Tal atitude aparece vinculada à ignorância do autêntico sentido do Medievo e da Fé, e é preciso reconhecer que isso se deu também devido à crise do pensamento “escolástico” (que veiculava a filosofia e a teologias cristãs) e da própria vida católica no período do “Renascimento” (séc. XIV-XVI) – outro nome equivocado, pois a cultura antiga não “morreu” na Idade Média, simplesmente não teve seus parâmetros seguidos de modo estrito, como na renascença, mas serviu de matéria-prima para os desenvolvimentos filosóficos e artísticos próprios da Cristandade. Nesse momento histórico, de transição do Medievo para a Modernidade, as incoerências dos membros da Igreja já são frutos da perspectiva “humanista” (mais preocupada com o homem que com Deus, como se fossem realidades antinômicas) e “secularizante” (mais preocupada com os problemas intra-mundanos que com a salvação) – não ainda “secularista” ou “laicista”, no sentido de excludente do sobrenatural e do religioso (esse é um problema atual), mas sem dar-lhes a devida prioridade – da renascença, gérmen da etapa moderna, que vai impregnando tudo, inclusive a vida eclesial; daí a necessidade da autêntica reforma católica, que foi impulsionada pelo Concílio de Trento (séc. XVI), enquanto que Lutero realizou uma “revolta” marcada por um princípio análogo ao do pensamento moderno, que é a primazia absoluta do indivíduo (através da teoria do “livre-exame” da Bíblia), com a rejeição da Tradição ( sola fide) e da autoridade eclesiástica.

A “razão” humana, tal como proposta pelos modernos, quis ser a medida da realidade, abandonando uma metafísica realista e o auxílio da Fé, e baseando-se no racionalismo subjetivista de Descartes – e suas derivações empirista e idealista –, que desloca o eixo do conhecimento da razão para a vontade, e que geraria o iluminismo, com suas ideologias (o liberalismo e o socialismo) verdadeiramente opressoras do homem. O remédio que receitam os pós-modernos é uma “emenda pior que o soneto”, na medida em que, ao invés de reconhecerem a necessidade de orientar a razão humana pela realidade das coisas (por um saber metafísico) e por uma instância mais alta, que é a Sabedoria Divina – e, conseqüentemente, voltar à Fé católica, à audição do ensinamento da Santa Igreja –, ficam somente no reconhecimento pessimista das dificuldades da razão humana, e já não crêem que ela possa alcançar as verdades naturais. Há como que uma “demissão” do que é mais propriamente humano, do ponto de vista natural, que é o uso da razão, e então se instala aquele estado de coisas que o Papa Bento XVI chamou de “ditadura do relativismo”, onde cada um tem a “sua” verdade, e quem detém o poder da mídia consegue impor sua “opinião” como se fosse a verdade – veja-se que mais recentemente, sob o pretexto de “tolerância” e defesa dos “direitos das minorias”, se impõem leis e visões da realidade contrárias à moral natural, defendida pela Igreja não somente por ser uma moral “católica”, mas por ser a moral humana simplesmente, ao alcance da razão de todos os homens –, o que revela como os relativistas são apenas os “absolutistas” do momento, como disse o filósofo Max Scheler, em expressão análoga à do atual Pontífice.

A pós-modernidade nada mais é do que a conseqüência lógica dos erros modernos, o coroamento de seus pressupostos, que demonstra toda a irracionalidade da postura “racionalista” (que isola o homem da realidade e da Fé). Diante, pois, dos equívocos da modernidade, a única resposta possível aos problemas do homem e do mundo é a resposta perene, de todos os tempos, Nosso Senhor Jesus Cristo, “o mesmo ontem, hoje e sempre”. Devemos nos esforçar para anunciá-lO com coragem, apesar de todas as contrariedades do pensamento e do estilo de vida atuais (“pós-modernos”), demonstrando como a Fé católica está em perfeita harmonia com a reta razão – como os medievais compreenderam perfeitamente – e não oprime o homem, mas o liberta da ignorância e do pecado, e o ajuda a orientar sua inteligência e vontade à Verdade e ao Bem.

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