Liberalismo versus desregulamentação da economia

Quando se defende “o liberalismo” e não, por exemplo, apenas a desregulação da economia (que eu defendo com unhas e dentes, aliás), cai-se em uma armadilha. O liberalismo é um sistema fechado, de origem e natureza protestantes, que vê a ascensão material (nível de conforto, etc.) como objetivo a ser buscado pela sociedade como um todo através do trabalho individual em um quadro não-regulado e competitivo.

O que há nas sociedades mais primitivas é um quadro não-regulado de usufruto de bens pessoais (o que já pode acarretar problemas se isso não se ativer aos limites da Lei Natural, como é o caso no despotismo oriental… ou do liberalismo plenamente descristianizado que produz e propagandeia coisas que apelam aos instintos mais baixos para vender mais); a competição e a visão da ascensão social como fim da sociedade são porém a diferença específica do liberalismo. Em termos mais clássicos, poderíamos dizer que o gênero comum é o mercado livre e a diferença específica do liberalismo é a ascensão social individual como fim da sociedade; podemos assim definir o liberalismo como sistema de mercado livre em que a ascensão social individual é o fim da sociedade, e a sociedade primitiva como sistema de mercado livre em que a manutenção da vida humana é o fim da sociedade.

Assim, na medida em que por liberalismo entende-se normalmente o sistema como um todo, não apenas o que há de natural nele, que é simplesmente a preservação da lei natural própria às trocas e relações de propriedade (ou seja, na medida em que se vê o liberalismo como idologia, como projeto moderno de sociedade), o que temos é a ganância erigida em princípio civillizatório e social, o que é contrário à Sã Doutrina.

Como infelizmente em nossos dias é difícil fazer entender que a não-regulamentação do mercado é uma coisa e o liberalismo (ou seja, a sociedade erigida em torno desta não-regulamentação a partir do imperativo do progresso e da mobilidade social ascendente) é outra, creio ser importante trazer à atenção esta diferença.

Isso pode ser visto, por exemplo, no desenho arquitetônico tradicional das cidades católicas: a primeira coisa a ser feita é a igreja-matriz, com a praça principal em torno. Em volta desta praça, as casas da elite. Afastando-se progressivamente dela ficam as casas das classes menos abastadas, e a partir de um determinado limite geográfico são erigidas capelas sufragâneas com suas praças, em torno das quais mora a elite da região menos abastada, etc.

Já a sociedade liberal tem como “centro”, como ponto inicial das edificações, como determinante de preço (maneira indireta de perceber onde está a elite) não a igreja, mas o comércio. É o caso das cidadezinhas do “Velho Oeste” americano, e é o caso, por exemplo, dos subúrbios novos (a Barra da Tijuca, no Rio, é um modelo disso: era um areal deserto até que passou a ter shoppings, que atraíram condomínios tanto mais caros quanto mais fácil é o acesso aos shopings, e por aí vai).

É interessante perceber que o modelo centralizador de ação estatal (fascista, socialista, etc.) dá este papel não à iniciativa privada (o que já é bastante grave: ter um shopping e não uma igreja como foco da cidade já é desordenado) mas às diversas instâncias do Estado. É o que vemos, ainda no Rio de Janeiro, no que foi construído na Esplanada do Castelo depois que o morro foi de lá retirado: o “Triângulo das Bermudas” de autarquias federais domina altaneiro a região, competindo – junto com o Edifício Avenida Central – com o Convento de Santo Antônio, antes foco da região. A nova (e horrenda) Catedral fica para o lado, em uma rua semi-deserta que não é foco de nada (entre o comércio de mercadorias inanimadas e o “comércio” de carne humana da Lapa) e nem jamais poderia sê-lo: é uma representação da visão, comum a ambos os sistemas, da religião como algo “lateral”, algo de foro íntimo que deve ser subordinado ao capital (seja ele gerenciado por seus legítimos proprietários ou pelo Estado), entre o foco mercantil e os desejos ocultos e negados. Em um sistema puramente liberal a prostituição, aliás, não seria oculta: ela ficaria no foco central da cidade com o resto do comércio, como o “Saloon” do Velho Oeste… e os classificados de prostitutas no jornal.

Ambos os “ismos”, o liberalismo e o estatismo, substituem a igreja (que sinaliza a Salvação) por um novo foco: o conforto, os bens materiais. A diferença é que enquanto uns vêem (com toda a razão do mundo) a riqueza no comércio, os outros vêem burramente a riqueza na taxação e no uso que dela se faz.

Assim, se alguém quiser ajuda para acabar com a CLT inteira pode me chamar, mas não para pregar o liberalismo. Uma coisa é o sistema ideológico, outra coisa é a manutenção da Lei Natural no que diz respeito à propriedade, coisa que este sistema faz… enquanto troca o foco de Deus ao conforto, tal como o estatismo o faz.

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