Mitos acerca do Matrimônio (III)

Mesmo aquelas “Brancas de Neve” que sabem não existir o príncipe dos sonhos, mesmo essas escorregam neste mito, que é o desejo de autossuficiência conjugal

Retomando a formação para os que pretendem dar-se em matrimônio, há ainda muitos outros mitos que infestam o imaginário dos jovens noivos e namorados. Já se falou de questões psicológicas e sociais (Mito da Alma Gêmea e Mito do Príncipe Encantado), mas há problemas que dizem respeito a temas mais imediatos, questões cotidianas que incomodam muitíssimos recém-casados. Conversando com alguns candidatos ao matrimônio, não é incomum se deparar com pessoas desmesuradamente românticas, pessoas muito descuidadas das questões práticas de vida. A esse modo de ver a vida conjugal, deu-se o nome de Mito da Branca de Neve.

Há muitas “Brancas de Neve” por aí e é bastante agradável conversar com elas. Como é bom ouvir uma noiva Branca de Neve falar sobre suas expectativas para a vida conjugal! E como é estimulante ouvi-la sobre sua ansiedade pelo matrimônio! De certa forma, é até revigorante para alguns matrimônios mais maduros contemplarem este amor puro, este sentimento sincero. É como voltar ao passado e contemplar em um espelho o que já se foi e o que deve voltar a ser… Os matrimônios deviam manter esse frescor juvenil durante os anos. O problema é que os namorados e noivos “Brancas de Neve” ultrapassam o limite da pureza, beirando a imprudência. De modo inconsequente, flertam com a insensatez e com a tolice. Eles chamam de “amor sincero” o que é, muitas vezes, pura irreflexão e precipitação. Por esse motivo, embora esse mito seja muito simpático, ele é também bastante perigoso. Sobretudo se o casal é jovem ou imaturo, ele pode trazer não poucos problemas para os recém-casados. Mas qual propriamente é o perigo?

Primeiramente, as “Brancas de Neve” de nosso tempo pensam ter encontrado o Princípe Encantado, ingenuidade já tratada em outro lugar. No entanto, mesmo aquelas “Brancas de Neve” que sabem não existir homem perfeito, mesmo essas escorregam neste mito, que é o desejo de autossuficiência conjugal. As “Brancas de Neve” acreditam que, para serem felizes eternamente, basta-lhes uma choupana de sapê encravada no meio da floresta, uma trupe de amigos-anões, e o seu amor a seu lado. Em arroubos e com suspiros exclamam as “Brancas de Neve”: nosso amor e uma cabana! Os que são vítimas desse mito não sabem que o cotidiano do amor conjugal exige mais que sorrisos melados e suspiros cor-de-rosa. Amor de verdade, amor de dia-a-dia tem muito pouco de cor-de rosa, tem mais de vermelho-sangue de compromisso.

A candidata a esposa precisa saber que esse amor romântico é ruim, pois não deixa ver a realidade como ela é; o candidato a esposo deve reconhecer que esse sentimento adocicado não favorece o crescimento do casal, porquanto ignora o mundo com sua rijeza. O que pode parecer “espírito de desapego”, pode também ser simples imprudência ou tolice, que é não meditar o suficiente sobre as decisões que se deve tomar. Assim, as “Brancas de Neve” não têm espírito de desprendimento. Pelo contrário, este sentimento aparentemente desprendido esconde um espírito estulto, que não medita suficientemente sobre as escolhas e decisões e, precipitadamente, põe tudo a perder: tolo! (cf. Lc 14,31).

A candidata a esposa “Branca de Neve”, embebida de romantismo e com uma perspectiva falsa da realidade, crê que o amor dos cônjuges é suficiente para mantê-los felizes, almoçando girassóis e repousando sobre a relva. Algumas “Brancas de Neve” até acreditam que é só começar a cantar que os animais silvestres entrarão pela porta da sala em direção a cozinha, prontos para lavarem pratos e garfos, varrendo a casa, pondo a roupa para lavar e secar, arrumando a bagunça da noite anterior, limpando a bagunça deixada pelas visitas na véspera. Que decepção para a pequena “Branca de Neve” quando isso não acontece… É neste momento que o desencanto acontece e a tristeza toma conta desse jovem matrimônio. E o mito, com a esperança de um futuro cor-de-rosa, desvanece…

Com efeito, os deveres naturais, ordinários da vida humana e próprios do matrimônio, não podem ser subestimados por causa da excitação que o estado de enamoramento produz. Os que se dão em matrimônio cuidem para que as necessidades concretas da família sejam atendidas, sem excessivas preocupações, mas também sem descuidos irresponsáveis. A ordem no lar depende de algum esforço pessoal, de algum tempo de reflexão, de dicas e conselhos. Não se pode esquecer dessas necessidades práticas do cotidiano familiar. A Familiaris Consortio ensina aos cônjuges que, concomitante ao dever de fundar uma comunidade de pessoas unidas pelo amor, está também o dever de proporcionar condições materiais suficientes para o desenvolvimento do ser humano, chamado a ser filho adotivo de Deus. Não se pode absolutamente relegar a tarefa de cuidar de sua própria família à sorte ou à “mágica da Disney”. O Papa João Paulo II indica que a “condução ordenada da família” solicita:

66. Por exemplo, trabalho estável, disponibilidade financeira suficiente, administração sábia, noções de economia doméstica.

Se é verdade que uma grande mansão, com piscinas e salões, não fazem um matrimônio feliz, também é igualmente verdade que viver de amor em um cabana é utopia irrealizável para certas famílias. Afinal, nas cidades atuais, mesmo as cabanas e choupanas têm de pagar IPTU, energia elétrica e água, e as famílias têm de pagar escola para os filhos. Sem falar que só na Disney as velhinhas saem dando maçãs para as moças que moram nas cabanas da floresta. Acorda Branca de Neve…

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