Não soube do mundo

Era tão pequeno
que ninguém o via.
Dormia sereno
enquanto crescia.
Sem falar, pedia
– porque era semente –
ver a luz do dia
como toda a gente.
Não tinha usurpado
a sua morada.
Não tinha pecado.
Não fizera nada.
Foi sacrificado
enquanto dormia,
esterilizado
com toda a mestria.
Antes que a tivesse,
taparam-lhe a boca
– tratado, parece,
qual bicho na toca.
Não soltou vagido.
Não teve amanhã.
Não ouviu “Querido”…
Não disse “Mamã”…
Não sentiu um beijo.
Nunca andou ao colo.
Nunca teve o ensejo
de pisar o solo,
pezito descalço,
andar hesitante,
sorrindo no encalço
do abraço distante.
Nunca foi à escola,
de sacola ao ombro,
nem olhou estrelas
com olhos de assombro.
Crianças iguais
à que ele seria,
não brincou com elas
nem soube que havia.
Não roubou maçãs,
não ouviu os grilos,
não apanhou rãs
nos charcos tranquilos.
Nunca teve um cão,
vadio que fosse,
a lamber-lhe a mão
à espera do doce.
Não soube que há rios
e ventos e espaços.
E invernos e estios.
E mares e sargaços.
E flores e poentes.
E peixes e feras –
as hoje viventes
e as de antigas eras.
Não soube do mundo.
Não viu a magia.
Num breve segundo,
foi neutralizado
com toda a mestria.
Com as alvas batas,
máscaras de entrudo,
técnicas exactas,
mãos de especialistas
negaram-lhe tudo
(o destino inteiro…)
– porque os abortistas
nasceram primeiro.

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