Recentemente saiu em um jornal local a notícia de que o Frei Leonardo Boff estaria aqui em João Pessoa para dar uma palestra. Obviamente, não ia perder meu tempo escutando o discurso de tal personagem, que mistura a famosa teologia da libertação, idéias “new age” e outras heresias mais.
Mas convenhamos: Boff sabe fazer marketing como ninguém. Desde que a Igreja lhe impôs o primeiro silêncio obsequioso (que nem obedeceu!) até o segundo (que implicou sua saída da Igreja), Boff vem construindo sua figura de “mártir”, de “perseguido” , e parece que vem conquistando a muitos, principalmente por meio da imprensa.
Estranha, porém, alguém que saiu espontaneamente da Igreja (não houve excomunhão), ainda ouse se apresentar como “teólogo católico”, ou “teólogo católico de esquerda”, quando a própria Bíblia diz, se me permitem a comparação:
Em resumo: a mensagem é ser fiel, perseverar na única fé que Deus nos deixou. Uma fé que não sofre atualizações para agradar ao mundo ou a qualquer ideologia. No caso de Boff, mas precisamente, ao Comunismo, que se travestiu de Cristianismo, como lobo em pele de cordeiro, sob o singelo e conquistador nome de “Teologia da Libertação”.
Instigado pela notícia mencionada logo no início do artigo, resolvi vasculhar os arquivos do computador e encontrei uma ótima crônica de Gerardo Mello Mourão que, por coincidência, possui também como causa uma palestra do Leonardo Boff.
O artigo, denominado “Restauração em Cristo“, foi publicado na Folha de São Paulo em 10 de outubro de 96. Resolvemos reproduzir aqui alguns trechos mais significativos e comentá-los. As palavras de Gerardo Mello Mourão aparecem em itálico e nossos comentários vêm logo em seguida.
No século passado, e ainda no primeiro quartel deste século, estava na moda ser anticlerical e atacar a igreja, como lembrava Jorge Luís Borges, referindo-se a seu próprio pai.
Aqui há referências basicamente às doutrinas liberais de tal período histórico, motivadas principalmente pela Revolução Francesa. São ideologias de direita (positivismo, racionalismo, iluminismo, materialismo, modernismo…) de forte natureza anticlerical e que resistem até hoje, ou seja, estão mais “na moda” do que nunca. Não bastasse, ainda surgem as ideologias de esquerda (socialismo, comunismo…), também marcadas pelo sentimento anti-Igreja, e que provocam estragos até hoje.
Todo mundo contava anedotas de padres corruptos, cheios de mulheres e de filhos, como se isso fosse razão para execrar a igreja.
De quebra, o contra-testemunho de muitos católicos, mesmo do clero, servia de fonte para alimentar estas doutrinas.
Uma tarde, um sujeito aproximou-se de Murilo Mendes, numa esquina do Rio, para apontar-lhe um padre que saía de um banco, com sua rica batina de seda. Naquele tempo, a Cúria ainda não cometera o equívoco de abolir as vestes talares.
Ainda que alguns padres não honrassem devidamente as vestes litúrgicas, isto não deveria ser motivo para praticamente abandoná-las. Tais paramentos transmitem, digamos assim, a sensação do divino e, por si só, já são um meio de evangelização, uma espécie de “propaganda” do Cristianismo.
Mas o que vemos hoje ? Uma tremenda confusão entre clérigos e leigos que beira o absurdo. Um exemplo, entre tantos: quando da última Páscoa, cada paróquia reservou uma noite para as confissões individuais, de modo que havia diversos padres, em uma mesma igreja, para atender aos fiéis. Incrível: mesmo dentro da igreja, houve um padre que trajava simplesmente um bermudão e uma camisa, de modo que era praticamente impossível para alguém saber que se tratava de um padre, a não ser, claro, quem já o conhecia. Some-se a tudo isto uma igreja que mais parecia um auditório qualquer, sem os “enfeites inúteis” de outrora. Ah, óbvio que as vestes não fazem o monge, mas ajudam !
O indivíduo agarrou o braço do poeta e gritou-lhe: “Como é que você tem coragem de ser católico, quando todo mundo sabe que padres como este têm uma amante e guardam uma fortuna nos bancos?” “Pois eu sei mais do que isto”, respondeu o poeta. “Sei até de bispos, cardeais e papas que não tinham apenas uma amante. Tinham haréns. E não possuíam apenas uma pobre conta de banco. Eram donos de castelos, palácios e empresas. E, para mim, esta é uma das provas mais claras da divindade da igreja, que sobrevive, com seus santos e mártires, há 2.000 anos, apesar de formada e até dirigida às vezes por alguns patifes.”
Está escrito que o trigo e o joio crescerão juntos. Seria até estranho que não houvesse joio na Igreja! De fato, a Igreja não é santa pelos homens, mas, de certo modo, “apesar” dos homens. A Igreja é santa porque sua doutrina é santa, porque seu fundador é santo (Cristo). E tal santidade frutifica na Igreja. Basta vê o trigo: São Francisco de Assis, eleito o homem do milênio nos EUA (mesmo sendo um país de maioria protestante); Madre Teresa, e tantos outros testemunhos.
No entanto, como bem observa o autor, até o fato da Igreja ter resistido a seus inimigos internos (como parasitas que estão na árvore, mas não são da árvore; como o joio também não é trigo…) mostra que alguém a protege. Este alguém é Cristo, que prometeu que estaria com os seus até o final dos tempos. E nenhum Judas Iscariotes, apóstolo ou não, poderá vencer Deus.
No Brasil, grupos anacrônicos estão empenhados, em nossos dias, numa campanha de demolição da Igreja Católica e da fé cristã em geral, embora a grande maioria silenciosa, em todo o Ocidente, continue fiel ao cristianismo. São cerca de 90% os cristãos na Europa e nas Américas.
Pois, apesar disso, recentemente destaca-se, na grande imprensa, como um acontecimento estrondoso, um “happening” do Sr. Leonardo Boff, no Centro Cultural Banco do Brasil, em que aquele frade goliardo e desertor de seu juramento anuncia o fim da Igreja Católica. Pelo menos da igreja como a entendem o papa, a hierarquia e os fiéis.
Eis que aqui entra a figura do Leonardo Boff, o “eterno perseguido” e queridinho da imprensa, com sua proposta de uma “Nova Igreja”.
Os jornais apresentam como um triunfo do frei gaudério, cornaca maior da Teologia da Libertação,
Melhor seria falar em “Terrologia da Libertação“, nos dois sentidos: terra, por ser uma doutrina mundana, que promete o céu aqui mesmo; e terror, pelo horror que foi a prática do comunismo, dizimando milhões de pessoas e atormentado outros tantos.
Mas não. Nada disso pesa para aqueles desejam transformar o altar em palanque político e o púlpito em tribuna para intermináveis discursos.
a presença de 400 pessoas no auditório do Banco do Brasil, em evento pago com dinheiro meu e do leitor, por meio dos R$ 8 bilhões com que o Banco do Brasil socorreu, recentemente, aquela combalida casa bancária da República. Quatrocentas pessoas é um bom público para o Boff.
Mas o “bispo” Macedo reúne muito mais…
Há pelo menos um ponto em comum entre o “Frei” Boff e o “Bispo” Edir Macedo: ambos prometem a utopia, aqui e agora. O primeiro, através da revolução esquerdista; o segundo, na outra ponta, na extrema direita, através da Teologia da Prosperidade, objeto de um outro artigo nosso.
A promessa da fé ao ser humano não é a libertação do salário mínimo e dos juros altos, mas do pecado, do mal que tolda a limpidez da alma. A igreja é uma agência espiritual da fé, não um birô do salário mínimo nem da reforma agrária e outros instrumentos do convívio social, próprios do governo político.
Há dois mil anos, muitos judeus também esperavam o Messias que os libertassem da submissão romana… quando Cristo apareceu, ficaram sem entender (ou não quiseram!), e terminaram por crucificá-lo. Logicamente, ninguém está aqui defendo o império da Roma pagã sobre os judeus, ou do capitalismo e do comunismo sobre o mundo, mas querer reduzir Deus a um mero reformador político-econômico é execrável.
O próprio Cristo mostrou que havia algum limite entre o seu Poder (divino) e o poder de César(o Estado).
Depositária do testamento de seu fundador, Jesus Cristo, ela não é e nunca foi indiferente às práticas da injustiça e das tiranias. Mas não cabe aos fiéis ou aos sacerdotes o exercício do governo político e econômico. Os que pretendem atribuir à Igreja Católica o monopólio da justiça temporal são partidários de uma teocracia semelhante à dos xiitas, dos “mullahs” e dos aiatolás de Khomeini.
As frases acima são um verdadeiro resumo da ópera. Dispensam maiores comentários.
Também não é verdade, como sustenta o Boff do Centro Cultural Banco do Brasil, onde já se montaram comédias mais originais, que a igreja tenha sido sempre um braço do poder ou das classes dominantes. A igreja não nasceu em Medellín, como pensa o Boff.
Traduzindo: a Igreja não nasceu da “Teologia da Libertação” ou qualquer ideologias destas surgidas nos últimos anos.
Nasceu com um menino num curral em Belém de Judá, cresceu numa oficina de carpinteiro e com um grupo de homens e mulheres do povo. A história de sua luta contra os poderosos começa nos tribunais de Anás e Caifás, atravessa os impérios, tem momentos fulgurantes na Idade Média, na Renascença e no Iluminismo. Conhece o martírio e a perseguição na Revolução Francesa e nas repúblicas marxistas.
Boff parece desconhecer toda esta história e mesmo o martírio atual de muitos cristãos, ainda vitimados pelos ídolos marxistas do “frei”.
Aqui mesmo, durante a monarquia, dois bispos vão para a cadeia, condenados a trabalhos forçados, por defenderem a liberdade de expressão. É um vilipêndio à memória desses bispos e uma injúria aos mais de 200 padres fuzilados nas revoluções nordestinas a acusação de que a igreja a que pertenciam estava a serviço do estabelecimento político ou econômico.
Parece que desconhece até mesmo a História do país que pretende “salvar” !
Foram, isso sim, mártires da liberdade e da justiça, na luta pela restauração da sociedade em Cristo, tarefa da igreja, ontem e hoje. Coisa muito diferente da insensatez de instaurar um clero de aiatolás e frades sindicais, que querem tomar o lugar do Vicentinho, do Medeiros e do Canindé.
“Jesus respondeu: “Meu reino não é deste mundo. Se fosse deste mundo, os meus ministros teriam lutado para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui”. Pilatos disse-lhe então: “Logo, tu és rei?” Jesus respondeu: “Tu o dizes: eu sou rei. Para isso nasci e para isso vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”. (Jo 18, 36-37)
“Era véspera da Páscoa, por volta do meio-dia. Pilatos disse aos judeus: “Aqui está o vosso rei”! Mas eles gritaram: “Fora com ele! Crucifica-o!” Pilatos perguntou: “Vou crucificar o vosso rei?” Os sumos sacerdotes responderam: “Nós não temos outro rei senão César”. 16 Então Pilatos o entregou a eles para que fosse crucificado.” (Jo 19, 14-16)
Pobres teólogos da libertação, que não possuem “outro rei senão César”.
Gerardo Mello Mourão, 75, poeta e escritor, é membro da Academia Brasileira de Filosofia e do Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério da Cultura. Foi professor de história e cultura da América na Universidade Católica do Chile (1964-67) e correspondente da Folha em Pequim (China) de 1980 a 82.