Quem se aproxima das diversas expressões culturais, religiosas, terapêuticas e artísticas que usam o símbolo “Nova Era” ou “Era de Aquário”, com o intento
de captar aquilo que as une, pode experimentar um sentido de desorientação como se entrasse num labirinto. Não existe uma estrutura unificada nem um
centro inspirador único daquilo que, contudo, apresenta um ar familiar e tem comuns expressões públicas de promoção, ligadas por umacomplexa
“network” de dimensões planetárias. Como ponto de partida, poderiamos definir “Nova Era” (em inglês “New Age”) como uma corrente cultural, enraizada no
esoterismo ocidental do século XIX e vulgarizada na segunda metade do século XX, que se apresentasob o sinal do mito astrológico doAquário. A ideia central, escreve Jean Vernette, é que, na vigilia do ano 2000, a humanidade está a entrar numa nova era, de tomada de consciência espiritual a nível planetário, de harmonia e de luz. Estaria para se realizar, assim é sustentado
por alguns, a segunda vinda de Cristo, cujas energias já estariam em ação entre nós, no seio das múltplas pesquisas espirituais e de numerosos grupos religiosos (J. Vernette, Le Nouvel Age, Téqui, Paris 1990, pág. 7).
Raízes
As expressões “Nova Era” e “Era de Aquário” provêm dos ambientes esotéricos europeus e americanos do final do séc. XIX e o início do séc. XX, onde as idéias do evolucionismo científico tinham sido aplicadas à história psicológica e espiritual da humanidade e se alimentava a expectativa de uma mudança radical.
Especulações astrológicas que contribuíam para corroborar esta expectativa. Um dos livros de referência é L’Ere du Verseau, publicado em 1937 pelo esotérico francês Paul Le Cour. Com base em antigas teorias astrológicas, segundo as quais o sol mudaria de signo zodiacal cada 2169 anos, Le Cour sustentou que está para terminar a Era de Peixes, iniciada a 21 de Março da era cristã, e o sol está para entrar no signo zodiacal de Aquário. E enquanto a era de Peixes foi caracterizada por grande estreiteza e por inumeráveis guerras, a era de Aquário será caracterizada pela abundância, simbolizada pela figura mítica do Aquário, o jovem Ganimedes que derrama um jorro de água de uma urna. Para entender o movimento cultural que se definiu mais tarde, entre os anos 1960 e 1980, é preciso então olhar para a sua matriz essencial, que encontramos na tradição esotérico-teosófica difundida no ambiente intelectual
europeu dos séculos XVIII-XIX, e especialmente nos círculos culturais da maçonaria, do espiritismo, do ocultismo e da teosofia. Estes circulos compartilhavam uma forma de cultura esotérica, definida (segundo o especialista francês Antoine Faivre [A. Faivre, Access to Western Esotericism, Sunny Press, Albany 1994, pp. 10-151) com estes elementos:
– o universo visivel e invisível está ligado por uma série de correspondências, analogias e influxos entre microcosmo e macrocosmo, entre os metais e os
planetas, entre estes e as diversas partes do corpo humano, entre o cosmo que vemos e os níveis invisíveis da realidade;
– a natureza é um ser vivo, percorrido por redes de simpatia e de antipatia, animado por uma luz e por um fogo oculto, que o homem procura controlar;
– através da imaginação, que é um órgão do espírito, o homem pode entrar em contacto com o mundo superior ou inferior, recorrendo aos mediadores (anjos, espíritos e demonios) ou a rituais;
– é proposto ao homem um itinerário espiritual de transformação, que o iniciará nos mistérios do cosmo, de Deus e do próprio ser, fazendo-o chegar à gnosis, o conhecimento mais alto, que coincide com a salvação;
– procura-se uma tradição filosófica (filosofia perene) e religiosa (teologia primordial) anterior e superior a todas as tradições filosóficas e religiosas
da humanidade, uma “doutrina secreta” chave de todas as tradições “esotéricas”, isto é, abertas a todos;
– a transmissão dos ensinamentos esotéricos é feita de mestre a discípulo, através duma iniciação progressiva.
Segundo o estudioso holandês Hanegraaff, o esoterismo do séc. XIX é “secularizado”: integrou o esoterismo tradicional (que se exprimia na alquimia, na magia e na astrologia), no qual era ressaltada a importância da experiência religiosa pessoal e se procurava uma visão unitária do universo, com aspectos da cultura moderna: a investigação científica das leis da causalidade, o evolucionismo, a nova psicologia, o estudo das religiões (W. J. Hanegraaff, New Age Religion and Western Culture. Esotericism in the Mirror of Secular Thought, Brill, Leida-Nova lorque-Colónia 1996, pp. 411-524).
Esta integração é particularmente clara nas obras da Senhora Blavatsky, uma “medium” russa que fundou, com o espírita americano Henry Olcott, a Sociedade Teosófica (Nova lorque 1875), na tentativa de fundir num espiritismo evolucionista as tradições do Oriente e do Ocidente. A Sociedade Teosófica tinha um tríplice objetivo: 1) formar o núcleo de uma fraternidade
humana, sem distinção de raça, credo, casta ou cor (rejeitando o cristianismo tradicional como sectário e intolerante);
2) encorajar o estudo comparado da religião, da filosofia e da ciência para chegar à “tradição primordial”; 3)investigar as leis derivadas da natureza e os poderes latentes no homem.
Nas suas obras a Senhora Blavatsky defende a emancipação da mulher, atacando a omnipotência do “Deus-homem” de Israel, dos cristãos e dos muçulmanos.
E propõe o retorno à religião hindu com o seu culto da deusa-mãe e a prática das virtudes femininas. A ação feminista será continuada pela Sociedade Teosófica sob a guia de Annie Besant, que está na vanguarda do movimento feminista. Alguns dos organismos derivados da Sociedade Teosófica reconciliaram esoterismo e cristianismo, seguindo a pista aberta já no séc. XVIII por Emmanuel Swedenborg. Entre esses a Igreja Católica Liberal de C. W. Leadbeater e J. I. Wedgwood, A Escola Arcana de Alic, oailey, a Antropossofia de Rudolf Steiner.
Constituicão como movimento cultural
Como movimento cultural de massa a Nova Era perdeu consistência e visibilidade por volta dos anos 1960-1980 noambiente de dois centros inspirados pela Sociedade Teosófica: a comunidade utópica de Findhorn, na Escócia, e o Instituto para o desenvolvimento do potencial humano de Esalen,
Califórnia.
Assumiu como insígnia, como dissemos, o mito astrológico de Aquário. Circunscrito inicialmente aos ambientes astrológicos, explica Massimo Introvigne (M. Introvigne, Mille e non più di mille. Millenarismo e nuove religioni ale soglie del Duemila. Gribaudi, Milão 1995, pág. 206), este mito tornou-se popular nos Estados Unidos nos anos 60, nos ambientes juvenis da contracultura e o seu conhecimento divulgou-se entre os jovens do mundo inteiro em 1968 pela comédia musical “Hair”, cujas canções louvavam a Era de
Aquário. Era o periodo das revoltas estudantis que prometiam um futuro radicalmente mudado. Depois das inevitáveis desilusões, muitos jovens se orientaram então para a redescoberta do misticismo oriental e do ocultismo, quando não para a droga, como atalho para um mundo totalmente diferente.
Em 1980 uma jornalista americana, Marilyn Ferguson, que fizera pesquisassobre o movimento do potencial humano, contribui para a difusão deste modo de pensar para além dos ambientes da contracultura juvenil, publicando o livro The Aquarian Conspiracy, Personal and Social Transformation in the 1980’s. A tese principal deste livro é que a humanidade se encontra no limiar de uma grande mudança, de uma revolução silenciosa, operada por um número crescente de indivíduos que – graças à transformacão pessoal – estão a contribuir para realizar uma nova civilização. A autora analisa diversos campos culturais – psicologia, religião, educação, trabalho, medicina e política – para
determinar os sinais precursores e atuais dessa mudanca. E procura suscitar a consciência de uma “conspiração” (no sentido etimológico de “respirar juntos”), à qual podem aderir todos aqueles que desejam levar avante, unindo-se, o novo “paradigma”, a nova visão da realidade. Sobre o termo “Aquário” não são
feitas particulares especulações: é só um símbolo, diz M. Ferguson, tomado da cultura popular americana, para exprimir a expectativa de uma nova era.
Difusão
A difusão destas ideias foi rapidíssma também a nível internacional. Segundo o especialista americano Gordon Melton (J. Gordon Melton, New Age Encyclopedia, Gale Research Inc., Detroit 1990, pág. XXVI), quando nos Estados Unidos foi proposta a ideia da Nova Era de Aquário, a comunidade
“ocultistametafísica” constituida por centenas de grupos mágico-esotéricos recebeu com entusiasmo esta perspectiva. O apoio dado pelos grupos espíritas, teosóficos, etc., explica a velocidade da difusão do novo paradigma. Não faltam depois os sinais do interesse do mundo maçônico, especialmente na sua versão ocultista, que aspira ao desenvolvimento das forças ocultas da mente humana ou do homem, para que este alcance a sua perfeição plena.
Outro factor essencial para a difusão, segundo o mesmo autor, foi a formação de “networks” a nível mundial entre os grupos interessados na “transformação global” (financiados por mecenas do mundo esotérico). Criou-se assim um sentido de comunidade entre “profetas” e pequenos grupos e desenvolveu-se a imagem de um movimento crescente, capaz de impregnar a sociedade para além dos círculos dos verdadeiros membros. Este modo de comunicaçãopermitiu o intercâmbio entre membros e outras pessoas e grupos que compartilhavam um ou mais ideais da Nova Era (paz, ecologia, feminismo, medicina natural, mística inter-religiosa, etc.) (Ibid., pág. 316). Além disso, em breve tempo, envolveram-se os circuitos comerciais e os mass media.
Comparando em linhas gerais a corrente cultural que se definiu nos anos 1960-1980 com o pensamento da Sociedade Teosófica, a estudiosa francesa Francoise Champion encontra as seguintes diferenças: a esperanca nos tempos novos, associados à Era de Aquário; a busca, não só dum aperfeicoamento pessoal, mas duma transfor-mação social; um sincretismo que não se limita à cultura oriental e ao esoterismo ocidental, mas que se refere a todas as tradições religiosas e esotéricas e às especulações no campo da psicologia, da ciência, da medicina alternativa, do paranormal; a
atenuação das fronteiras entre religioso e não-religioso; a aspiração “democrática” com a rejeição dos mestres” e a criação de formas mais fluidas de ligação como as “networks” (F. Champion, Le NouvelAge: recomposition ou décomposition de la tradifion “théo-spiritualiste”?, em Politica Hermetica n. 7, 1993, pp. 118).
Poderíamos dizer que o movimento da Nova Era continua vivo e em expansão nestes últimos anos do século XX?
Segundo alguns especialistas americanos, parece que nesse continente já tenha perdido parte do seu fascínio, enquanto noutras áreas ainda está em
expansão. Mas será mais justo considerar que perdeu algo como o mito, a utopia agregante, enquanto continua em expansão a corrente esotérica a que deu publicidade e vigor, e isto a nivel tanto cultural como comercial. Já existe quem procura remediar o desgaste da bandeira “New Age”, criando um novo termo, “The Next Age”…
Ideias centrais da “New Age” (N.A.)
Visto que a “New Age” é uma bandeira comum com uma grande diversidade de movimentos, não é fácil definir as suas doutrinas. Contudo, tendo uma matriz cultural comum, nela encontramos algumas ideias centrais, características do pensamento esotérico, como acabamos de o definir:
– o cosmo é visto como um todo orgânico;
– é animado pela Energia, que coincide com o Espírito divino;
– crê-se na mediação de diversas etidades espirituais;
– crê-se na ascensão dos seres humanos às altas esferas invisíveis e na capacidade de controlar a própria vida para além da morte;
– crê-se numa “sabedoria perene” anterior e superior a todas as religiões e culturas; seguem-se os mestres ilumi-nados…
Num modo mais detalhado, podemos descrever a N.A. sob o ponto de vista da ciência, da psicologia, da religião ou espiritualidade, do projeto sobre o homem
e sobre a sociedade.
Sob o ponto de vista da ciência
Como escreve Piersandro Vanzan (P. Vanzan, Contestualizzazione socioculturale e discernimento teologico-pastorale del “New Age”, em E. Fizzotti [ed.], La dolce seduzione dell’Acquario, Las, Roma 1996, pp. 87-88), a N.A. faz própria a mudanca de “paradigma” ocorrida na ciência moderna. Com efeito, na física passou-se do modelo “mecanicista” da fisica clássica de Newton – segundo o qual o universo é uma imensa máquina cujos elementos, interagindo uns com os outros, se conservam em equilíbrio e desse modo mantêm o universo em movimento – para o modelo próprio do “holismo” (global) da física moderna, atómica e subatómica, segundo o qual a matéria não consiste de particulas, mas de ondas e de energia. Então, para a N.A. o universo é um “oceano de energia”, que é considerado, não de maneira mecanicista, mas como um todo, uma totalidade, uma rede de ligacões. O universo (Deus-homem-cosmo) é um organismo unitário, vivo, com um corpo e uma alma (a energia coincide com o espírito). Quanto mais se escava em direção da raiz da realidade, tanto mais tudo se unifica e se simplifica. Deus e mundo, espírito e matéria, alma e corpo, inteligência e sentimento, céu e terra são uma imensa vibração energética, na qual tudo está conexo.
Sob o ponto de vista da psicologia
Como via de ampliação da consciência recorre-se às técnicas da psicologia transpessoal e procura-se provocar experiências “místicas”. Por exemplo, através da prática da ioga e do zen, da meditacão transcendental, ou dos exercícios derivados do budismo ligado ao tantrismo, procura-se chegar a
uma experiência de realização do Eu, ou de iluminação. Também através das experiências-limite (“peak experiences”): revivendo o processo do nascimento
(“rebirth”), viajando até às portas da morte, submetendo-se a estimulacões elétricas (“biofeedback”) ou ainda com a dança ou a droga. Tudo o que pode
provocar “estados alterados de consciência” é considerado útil para chegar a experiências espirituais de unidade ou de iluminacão.
Uma via particular é a do “channeling”: dado que todos os homens são parte da única Mente, eles podem agir como “canais” rumo aos outros seres superiores: cada parte do único Ser pode aceder ao resto de Si mesmo.
E sob o ponto de vista da religião?
Ainda que alguns expoentes da N.A., como Alice Bailey, o vejam como o início da nova religião mundial, outros evitam propo-lo como uma “religião”, termo que consideram muito ligado à instituição e aos dogmas. Para eles trata-se literalmente de uma “nova espiritualidade”. Nova, embora muitas das suas ideias sejam tomadas de antigas religiões e culturas: a novidade está antes na busca consciente de uma visão alternativa à da religião judaico-cristã e da cultura ocidental nela inspirada. Espiritualidade, concebida como experiência interior de harmonia e de unidade com todo o real, que cura o homem de qualquer sentido de imperfeição e de limite. O homem descobre que está intimamente ligado à Força ou Energia universal, que é sagrada e está na origem de toda a vida. Ao fazer esta descoberta, abre-se-lhe um caminho de aperfeiçoamento para ordenar a sua vida pessoal e as suas relações com
o mundo, encontrando o seu lugar no devir universal e contribuindo, como co-criador, para uma nova génese.
Chega-se então (como escreveu Mons. Carlo Maccari [C. Maccari, La “mistica cosmica” da New Age, em Religioni e Sètte nel mondo, 1996/2, pp. 16-361) a uma mística cósmica, baseada na consciência de um universo fremente de energias dinâmicas. Energia cósmica-vibração-luz-Deus amor – ou também o Eu superior – são expressões da própria realidade, ao mesmo tempo – fonte primigénia e presenca imanente a todo o ser. Para caracterizar esta espiritualida-de, poder-se-ia distinguir uma componente metafisica e uma
psicológica. A primeira provém das raízes esotérico-teosóficas e configura-se como uma nova forma de gnose. O acesso ao divino realiza-se mediante
o conhecimento de mistérios ocultos, numa busca – como diz Jean Vernette (J. Vernette, L’avventura spirituale dei figli dell’acquario, em Religioni e Sètte nel
mondo, 1996/2, pp.42-43)- “do Real atrás do aparente, da Origem atrás do tempo, do Transcendente atrás do fugaz, da Tradição primordial atrás da tradição efémera, do Outro para além do eu, da centelha, do Divino cósmico para além do individuo encarnado”. A espiritualidade esotérica, acrescenta este autor, “é uma pesquisa do Ser além-mundo da separação dos seres, como uma nostalgia da Unidade perdida”. A componente psicológica provém doencontro da cultura esotérica com asinvestigações psicológicas. Baseadanisto, a “New Age” tornar-se-á a expeiência de uma transformação
pessoal psicoespiritual (considerada análoga à experiência religiosa). Para alguns esta transformacão ocorre sob forma de umaprofunda experiência mística, depois deuma crise pessoal ou de uma longabusca espiritual. Para outros a transformação vem do uso de técnicas de meditação ou terapêuticas,
ou de experiências paranormais que fazem intuir aunidade do real.
Qual é o projeto sobre o homem?
Na base desta corrente cultural encontra-se, então, a busca do aperfeiçoamento e da exaltação do homem. É ocaso de pensar no super-homem anunciado por Nietzsche no final do séc.XIX. Para este filósofo, que acusava o cristianismo de ter impedido o manifestar-se da verdadeira dimensão do homem, a sua perfeição consiste no “eu” levado à plenitude, segundo uma ordemde valores que ele mesmo cria e realiza, graças à própria
vontade de poder: um “eu” autocriador. Em muitas expressões da N.A. encontra-se uma fé análoga. Segundo algunsvisionários – diz Claude Labrecque (C.Labrecque, Une religion améncaine.Pistes de discernement chrétien sur les courants populaires du “Nouvel-Age”,Médiaspaul, Montreal 1994, pág. 13) -,as
diferenças entre o homem atual e o homem que conseguirá realizar plenamente o seu potencial, como capacidades fisicas e psiquicas, serão maiores do que
as existentes entre o homem atual e os antropóides. É assim propostaa exploração de todas as vias que permitem ao homem autotranscender-se. Poderíamos aqui distinguir entre a via esotérica – da qual falamos – que é essencialmente uma busca de conhecimento, e a via mágica, ou ocultista, que é sobretudo uma busca de poder, no qual o homem se sente como umdemiurgo, capaz de controlar o mundo das forcas superiores e obter os
bens que deseja. Mas estas duas motivações, a busca do saber e do poder, encontram-se muitas vezes associadas, como da teoria à prática, razão por que muitos grupos são simultaneamenteesotéricos e ocultistas. No centro do ocultismo observamos uma vontade de poder guiada pelo sonho da divinização.
Muitas técnicasusadas para a expansão da consciência têm a finalidade, conhecida só depois de uma longa iniciação, de revelar ao homem que ele possui um poder divino, que deve ser exercido a fim de preparar a via para a Era da Iluminação.De que iluminação se trata? Sem querermos generalizar a inteira “New Age”, não podemos ignorar as especulações de expoentes desta
corrente (como Alice Bailey, David Spangler, Benjamin Creme) sobre a figura de Lúcifercomo o agente da iniciação na “novaera” (alguns textos destes autores
sãocitados no documento da ComissãoTeológica do Episcopado Irlandês ANew Age of the Spirit? A Catholic Response to the New Age Phenomenon, Veritas, Dublim 1994, pp. 33-37. No mesmodocumento é indicada “a Doutrina secreta” da Senhora Blavatsky como fonte dessas idéias). Quanto estas especulações servem de inspiração aos movimentos satânicos organizados ou a certas expressões da cultura moderna dirigida sobretudo aos jovens, é um campoue requer sérias pesquisas.
Que transformação social?
Ao refletirmos sobre os frutos sociais da cultura esotérica divulgada pela N.A., vemos que o mito do super-homem continua a inspirar movimentos políticos e
agregações alternativas dedireita ou de extrema direita. Mas está também presente de forma científica,por exemplo nas experiências da engenharia
genética, que às vezes parecemanimadas pelo sonho cultivado nos ambientes ocultistas, de poder recriar opróprio homem: descodificando-o, alterando as regras naturais da sexualidade, procurando superar as fronteiras da morte. Sob a mesma bandeira da N.A. encontram-se orientações de sinal oposto, como a
ecológico-feminista, que se difundem em geral nos ambientes de esquerda e são promovidas por “networks” internacionais para a educação “global” e o
desenvolvimento sustentável da Terra. Embora na enorme variedade de graduações, o motivo de fundo parece remontar à própria busca de vias alternativas, mesmo à custa deuma viragem global da sociedade, considerada
necessária para o nascimentoda nova era.
Partindo da fé cristã, quais são as principais diferenças a respeito da N.A.?
1. Antes de tudo nós cremos num Deus criador. Um Deus que cria livremente, por amor, e cria o homem livre. Deus não coincide com o mundo (panteísmo), nem o mundo saiu d’Ele poremanação. Na óptica cristã é de igualmodo falso dizer que Deus coincide com o homem. Certamente mora nele, mas é ao mesmo tempo o seu Criador, Senhor e Salvador. Por um desígnio de amor
fê-lo Seu interlocutor. A alteridade preserva a dignidade pessoal e a liberdade do homem.
2. Na oração entramos em diálogocom este Deus. A oração não é a simples redescoberta do eu mais profundo, mas pressupõe o encontro de duas pessoas: é um por-se livremente em adora-ção, em ação de graças, em súplica. É um sintonizar-se com a vontade de Deus.
3. Nós temos necessidade da redenção de Cristo porque somos pecadores. O cristão vê o homem como fundamentalmente bom, mas ferido pelo pecado original.
Nenhuma técnica de libertação, nenhum esforço de concentração pessoal, nenhuma sintonia de milhões deconsciências pode salvar o homem. A nossa única via de salvação é Cristo, o Filho de Deus feito homem, que “entrou” na história para nos salvar.
4. O sofrimento e a morte têm um significado. Os seguidores da N.A. nãoaceitam o sofrimento nem a morte. Aredenção para eles vem de técnicas de expansão da consciência, de renascimento, de viagens até às portas da morte, obtém-se também com qualquer método que ajude a relaxar-se para aumentar as energias vitais. Para os cristãos, ao contrário, o sofrimento
vivido em união com Jesus crucificado, que na cruz revelou o Seu amor pelos homens, é fonte de salvação. Também a morte é um acontecimento único: não é um acesso a una nova reencarnacao a que seguirão outras, mas a passagem obri gatória para entrar na vida eterna.
5. O mundo novo constrói-se com as obras do amor recíproco. A N.A. fala de mudar o mundo. Diz um boletim do movimento indiano Brahma Kumaris: “Está
para suceder alguma coisa… Vós podeis suscitá-la, associando-vos ao mesmo tempo a milhões de outros, reunidos numa espécie de nova comunhão dos santos que, pela sua força e criatividade intrínseca, dispõe de uma alavanca capaz de fazer virar a mundo do lado justo”. Mas bastará o pensamento para mudar o mundo? A via que nos foi proposta por Jesus Cristo é muito mais
exigente e fascinante, é a do amor recíproco que se traduz em obras concretas e cria comunidades vivas que constróem um mundo novo.
Muitos homens de hoje têm necessidade de esperar numa “nova era” da humanidade. Procuram uma visão mais ampla, que dê razão também da diveridade de religiões e de culturas; procuram uma espiritualidade global,
capaz de oferecer um caminho que responda à aspiração à união com Deus, com a humanidade inteira, com o cosmo; são sensíveis a um projeto cultural e político que renove inteiramente a sociedade. Evitando as veredas cegas para onde conduz o sonho da omnipotência, é preciso reconsiderar em termos novos o projeto cristão sobre o omem e a sociedade.
As Palavras do Papa
“As idéias do movimento Nova Era conseguem, às vezes, insinuar-se na pregação, na catequese, nas obras e nos retiros, e deste modo influenciam até mesmo católicos praticantes que, talvez, não tenham consciência da
incompatibilidade entre aquelas idéias e a fé da Igreja. Na sua visão sincretista e imanente, estes movimentos pára-religiosos dão pouca importância à
Revelação; pelo contrário, procuram chegar a Deus mediante a inteligência e a experiência, baseadas em elementos provenientes da espiritualidade oriental ou de técnicas psicológicas. Tendem a relativizar a doutrina religiosa, em benefício de uma vaga visão mundial, expressa como sistema de mitos e de símbolos mediante uma linguagem religiosa. Além disso, apresentam com freqüência um conceito panteísta de Deus, o que é incompatível com a Sagrada Escritura e com a Tradição Cristã. Eles substituem a responsabilidade pessoal das próprias ações perante Deus por um sentido de dever em relação ao cosmo, opondo-se, assim, ao verdadeiro conceito de pecado e a necessidade de redenção por meio de Cristo” (João Paulo II, aos Bispos dos EUA).