“Apareceu” mas não apareceu. Tal como em Guadalupe, no México, em Lourdes ou em qualquer das outras “aparições” que a autoridade eclesiástica tem declaradas como dignas de crédito.
Na realidade, Nossa Senhora não apareceu nem podia aparecer no modo como vulgarmente se costumam entender essas aparições.
Porquê? Simplesmente porque um corpo ressuscitado, já com os dotes dos corpos gloriosos, um corpo espiritualizado como o da SS.ma Virgem após a sua assunção ao céu, não pode ser visto por olhos humanos que não foram dotados dessa capacidade.
Assim como a natureza não tem capacidade para ver com os ouvidos e ouvir com os olhos, também não pode captar ou ver corporalmente as realidades espirituais. Daí que um espírito, ou um corpo glorioso como o da SS.MM. Virgem, nunca possa ser visto, isto é, aparecer.
Mas – perguntar-se-á – o Poder Infinito não poderá fazer tudo o que quiser?
Sim, Deus pode tudo, dentro da esfera do realmente possível. Mas não pode fazer absurdos: não pode fazer com que 2 mais 2 sejam 5, nem pode fazer um círculo quadrado.
Assim, uma vez que Deus criou a natureza humana com determinadas propriedades, pertence à Sua Sabedoria divina que essa natureza opere segundo essas propriedades e não com outras. E mesmo que pudesse, por hipótese, alterá-las por meio dum milagre, pertence igualmente à Sabedoria Infinita não fazer milagres desnecessários.
Ora, se Deus pode perfeitamente comunicar-se com o homem por meio duma simples visão, consentânea com a natureza humana, porque havia de comunicar-se (dentro da hipótese e só simples hipótese) por meio duma aparição que o obrigaria a alterar as leis físicas da natureza?
Já estamos a ver por onde vai a explicação das chamadas “aparições”, assim entre aspas para indicar que se trata apenas dum modo prático de falar e entender estas intervenções sobrenaturais de Deus.
O que sucedeu em Fátima, como em qualquer outra aparição de Cristo ou da Santíssima Virgem, foi uma simples visão. Isto não quer dizer que se tratasse duma mera alucinação espontânea dos videntes sem qualquer intervenção sobrenatural.
Ninguém se alucina com hora marcada, sobretudo coletivamente e repetidas vezes, sabendo-se que os fenômenos parapsicológicos, são sempre imprevisíveis, incontroláveis e involuntários. Portanto, partindo da saúde mental indiscutível dos pastorinhos e da não menos indiscutível ausência de qualquer fraude, temos que admitir que os fenômenos verificados na Cova da Iria, sempre com hora marcada e para mais na presença de numerosas testemunhas, têm que atribuir-se a uma intervenção dum poder sobrenatural.
E é isso o que realmente interessa. O modo como isso se produziu (corporalmente ou não), é secundário, como aliás já o havia afirmado um dos maiores especialistas de Fátima, o saudoso Pe. Dr. Sebastião dos Reis, no livro «SÍNTESE CRITICA DE FÁTIMA».
Não estamos a pôr em questão a origem sobrenatural das “aparições” de Fátima. Apresentamos como prova disso o indiscutível milagre do sol, (para mais predito com antecedência), dizendo ser totalmente impossível, à luz da parapsicologia, que 70.000 pessoas se alucinem simultaneamente.
Tratou-se pois dum fenômeno produzido por Deus, não no sol real (que esse continuou no seu lugar, caso contrário teria sido visto por todos em qualquer parte que se encontrassem) mas tão somente nos olhos ou na mente dos então presentes na Cova da Iria.
E se Deus operou este milagre para confirmar a realidade das “aparições”, é porque estas foram de origem sobrenatural. Mas foram-no, não por meio duma aparição corporal da SS.ma Virgem, mas simplesmente por meio duma atuação sua. A SS.MM. Virgem esteve presente e tornou-se visível aos videntes, do único modo possível, ou seja, por meio duma visão efetuada pelo poder divino.
Nem se pense que estamos perante uma linguagem nova. O próprio bispo de Leiria, D. José Correia Alves da Silva, ao declarar os acontecimentos de Fátima dignos de crédito, a 13 de Outubro de 1930, usou o mesmo termo: “…Invocando humildemente o Espírito Santo…havemos por bem declarar como dignas de crédito as visões das crianças na Cova da Iria”.
Ainda a propósito: Aquando do milagre do sol, os pastorinhos afirmaram, nas interrogações a que então foram submetidos, terem visto, ao lado do sol, Nª Senhora vestida doutra maneira – como Senhora das Dores – no dizer de Lúcia – depois ainda “em forma semelhante à Senhora do Carmo”, bem como S. José com o Menino Jesus ao colo: S. José vestido de branco e o Menino de vermelho.
E finalmente, desaparecidas estas imagens, Lúcia diz ter visto Nosso Senhor, da cintura para cima.
Tudo isto confirma não se tratar de aparições na sua realidade corporal, mas de simples visões. Caso contrário, teríamos de admitir que Jesus tinha dois corpos: um para aparecer como homem feito e outro como menino… Mais ainda: se se tratasse de aparições corporais, como podiam os olhos alcançá-las a tal distância, ao lado do sol? E os diversos vestidos com que Nossa Senhora se apresentou aos pastorinhos? Se no céu não há vestidos, pois os corpos gloriosos os não precisam, como explicá-los?
Seria racional admitir dois processos de visão simultânea: uma subjetiva para os vestidos e outra física para o corpo?
Mais ainda: será a SS.MM. Virgem de tão pequena estatura, para Lúcia nos primeiros interrogatórios a ter comparado a uma garotinha de 12 anos? «Era da altura da Virgínia». Uma vizinha que podia ter na altura 1 metro e dez (Sebastião Martins dos Reis – o.c., pág. 44).
E como explicar as aparições do anjo? Uma vez que os anjos não têm corpo, parece que o mais lógico e consentâneo com a Verdade Infinita, seria os videntes apenas o terem sentido por qualquer outro processo de ordem mística. E no entanto, apareceu-lhes em aparência corporal em forma de jovem que ajoelha e se prostra e lhes dá a comunhão.
O mesmo se terá passado com a SS.MM. Virgem, cujo corpo glorioso tal como os espíritos angélicos, não pode, de si, ser visto por olhos materiais, a não ser que Deus faça novos milagres escusados.
E é precisamente nisto que nos fundamentamos para estas afirmações: uma vez que é próprio da sabedoria infinita de Deus não fazer coisas inúteis e escusadas (aquilo que Deus pode fazer com os simples meios materiais, não o irá fazer pelo recurso a meios sobrenaturais – multiplicou os pães, mas não transformou as pedras em pão como lhe foi pedido, apelando precisamente para o seu poder divino), não se deve explicar pelo mais o que se pode explicar pelo menos.
A grande Santa Teresa de Jesus, doutora da Igreja, com mais autoridade na matéria do que nós, porque favorecida com “aparições” de toda a espécie, diz: «Em algumas coisas que me disse (Nosso Senhor), entendi que, depois que subiu aos céus, jamais desceu à terra (corporalmente) – a não ser no SS.mo Sacramento – a comunicar-se com ninguém» (obras Completas, ed. BAC nº 212, p.442).
E o mais curioso é que diz isto precisamente de contar a seguinte visão que, à primeira vista pareceria corporal:
«Depois de comungar, pareceu-me clarissimamente que se sentou junto de mim Nosso Senhor e começou a consolar-me com grandes regalos e disse-me entre outras coisas: – “Vês-me aqui minha filha, que sou Eu; mostra-me as tuas mãos”. E parecia-me que as tomava e as levava ao Seu peito, dizendo: – “Olha as minhas chagas; não estás sem Mim”». (ob. cit.).
Isto diz Santa Teresa, com conhecimento de causa, sem receio que lhe pudessem objetar que as aparições ou visões que teve eram falsas, só por não serem produzidas de modo corporal. Se houver alguém com mais autoridade moral para a contradizer, que o faça.
Eu por mim, não me atrevo e prefiro interpretar a realidade das aparições (das sancionadas pela Igreja como dignas de crédito), como as interpretava Santa Teresa.
Mais ainda: com expressões de rosto diversas, incluso a chorar, como sucedeu em La Salette, o que não poderia admitir-se no caso de se tratar do seu verdadeiro corpo glorioso.
Creio que depois desta exposição, terá ficado a compreender, tal como se disse no início, que Nossa Senhora “apareceu”, mas não apareceu em Fátima, tal como em Lourdes e em todas as chamadas aparições.