Congregação para a Doutrina da Fé
NOTIFICAÇÃO SOBRE ALGUMAS PUBLICAÇÕES DO PROFESSOR DR. REINHARD MESSNER
Como resulta da seguinte «Notificação», em conformidade com o seu Regulamento para o exame das doutrinas, a Congregação para a Doutrina da Fé examinou algumas obras do Professor Dr. Reinhard Meßner (Innsbruck, Áustria), que abordam os aspectos fundamentais da fé e da vida sacramental da Igreja. O procedimento de exame conclui-se oficialmente com a publicação desta «Notificação», que foi apresentada antes ao Professor Meßner e por ele aceite. Com a assinatura do texto, o autor comprometeu-se em conformar-se no futuro aos esclarecimentos contidos na «Notificação». Eles constituirão o critério vinculante para a sua actividade teológica e para as suas vindouras publicações teológicas.
INTRODUÇÃO
Nas suas publicações, sobretudo na dissertação «Die Meßreform Martin Luthers und die Eucharistie der Alten Kirche. Ein Beitrag zu einer systematischen Liturgiewissenschaft» (Innsbruck-Viena 1989), o Professor Dr. Reinhard Meßner aborda difíceis problemas de teologia fundamental, como por exemplo a relação entre interpretação da Escritura e método histórico-crítico, entre Escritura e Tradição, entre Magistério e o seu objecto, entre liturgia e dogma. Estas problemáticas, às quais na época da Reforma se tinham dado respostas contrastantes que foram uma das causas essenciais da divisão eclesial, devem hoje efectivamente ser revistas em consideração das novas e importantes aquisições de carácter tanto de metodologia como de conteúdo, mas não em último lugar à luz das opções do Concílio Vaticano II. O debate teológico, que comporta tanto possibilidades de melhor compreensão entre as várias confissões, como também perigos de novos mal-entendidos, está em pleno decurso e só pode ser encorajado pelo Magistério da Igreja católica. Muitas questões ainda estão abertas e precisam de um ulterior e atento exame para alcançar os esclarecimentos necessários. A este respeito, o supramencionado escrito de Meßner oferece estímulos válidos, que devem ser avaliados como uma contribuição positiva ao debate em acto.
Uma vez que as explicações do autor se referem aos fundamentos da fé e da vida sacramental da Igreja, em pontos essenciais emerge o interrogativo se estes fundamentos, que antecedem a teologia e a sustém, são deveras salvaguardados. Dado que o autor de maneira totalmente justificada propõe as suas reflexões com uma terminologia vinculada ao pensamento histórico moderno, é difícil o confronto com os ensinamentos da Igreja, expressos na linguagem clássica da Tradição. Todavia, tendo também em conta os problemas linguísticos e o necessário desenvolvimento do pensamento teológico, permanece o facto de que determinados ensinamentos de fé da Igreja são na realidade pelo menos obscurecidos e que se fazem opções que só aparentemente derivam de opiniões históricas, mas que na realidade se fundam em pressupostos que são problemáticos e nas suas consequências fazem desviar da fé católica.
Isto diz respeito em primeiro lugar à relação entre Escritura, Tradição, interpretação magisterial da «sola scriptura», como se formulou no período da Reforma. Ele reconhece que a «Tradição é mais antiga que a Escritura, e a Escritura é parte da Tradição» (as frases entre aspas são uma nossa tradução em português da obra original em alemão) (pág. 13). Mas ao mesmo tempo, ele está convencido de que toda a autêntica tradição apostólica se encontra reunida na Escritura e por conseguinte a Escritura é, enquanto «norma inquestionável… uma instância crítica de toda a Tradição ulterior» (pág. 14). «Assim, a Tradição constitui a realização expressa de maneira sempre nova do querigma, que se encontra de forma válida, de uma vez por todas, na Escritura» (pág. 16). A partir do pressuposto desta redução da Tradição à representação querigmática da Escritura «nos pressupostos culturais e nas condições de vida do momento» (pág. 14), é totalmente consequencial a afirmação de que: «O princípio da sola scriptura, como elemento constitutivo inalienável daquilo que caracteriza a Reforma, parece-me salvaguardado na concepção delineada» (pág. 14). De facto, ele parece ser garantido, embora não «pareça» tutelada a doutrina do Concílio de Trento e do Vaticano II (Dei Verbum) sobre a Escritura e a Tradição. O próprio Meßner está consciente do perigo de que a fé pode ser exposta «à situação da ciência teológica do momento» (pág. 15), e que isto deve ser evitado. Na realidade, porém, a sua concepção conduz de forma inevitável precisamente para este resultado, pois em última análise para a interpretação da Escritura não resta outra instância senão a exegese científica. A este propósito, ele mesmo afirma: «Em casos de conflito, é indubitavelmente sempre a Tradição, ou seja, a teologia que deve ser emendada a partir da Escritura, e não é a Escritura que há-de ser interpretada à luz de uma tradição sucessiva (ou de uma decisão magisterial); isto levaria a um dogmatismo prejudicial» (pág. 16). Surpreende aqui o facto de que, mediante a expressão «ou seja», Tradição e teologia são igualadas ou de qualquer maneira colocadas no mesmo plano; a Tradição é mencionada somente como «tradição posterior» e a «decisão magisterial», por sua vez, através de um «ou», é posta no mesmo nível das «tradições posteriores», de tal forma que tanto a obediência a estas como a escuta da Tradição conduziriam a um dogmatismo prejudicial. Nesta concepção da Tradição e do Magistério, não se compreende como a Escritura pode ser uma instância crítica senão mediante a exege científica, que deste modo é elevada à derradeira autoridade contra a declarada intenção do autor. Aparece a mesma problemática no que se refere à liturgia, quando Meßner apresenta como princípio metodológico fundamental: «Portanto, a Tradição dogmática (concernente à liturgia) deve ser interpretada à luz da tradição litúrgica, e não vice-versa» (pág. 12). O motivo desta afirmação aparece na fase precedente, quando a Tradição dogmática é designada como «tradição dogmática secundária». Aqui, liturgia e fé apresentam-se como dois mundos totalmente autónomos, que não se tangem, a Tradição litúrgica e a Tradição dogmática como duas tradições independentes uma da outra; por detrás da «tradição secundária» já não emerge qualquer tradição fundamental comum da fé, de tal modo que a Tradição só existe em «tradições» que como tais, pela sua essência, são secundárias.
As consequências deste modo de entender a Escritura, a Tradição e o Magistério tornam-se manifestas nas questões fundamentais da fé eucarística. Que a Tradição nada pode garantir sob o ponto de vista do conteúdo, e que portanto nos deixa às hipóteses históricas do momento, torna-se visível quando a propósito da origem da Eucaristia Meßner afirma: «Em última análise, o que é transmitido reflecte a praxe catequética das comunidades. Por conseguinte, não é possível deduzir daqui uma teologia da Eucaristia a partir de uma absoluta vontade institutiva de Jesus, que em seguida determina as normas de toda a tradição litúrgica» (pág. 17). Então, não sabemos o que o próprio Jesus verdadeiramente queria e, segundo esta reconstrução, não podemos referir-nos à instituição da Eucaristia por parte de Jesus. Portanto, no que diz respeito aos primórdios da Igreja Meßner refere-se, embora com pequenas modificações, à conhecida tese de H. Lietzmann (Messe und Herrenmahl, 1926) e julga poder estabelecer para esse período dois tipos diferentes de «Eucaristia»: por um lado, «refeições orientadas de forma prevalecente em sentido escatológico» (como em Didaqué 9-10) e «celebração litúrgica, que remonta essencialmente à última Ceia de Jesus» (pág. 27). Ele afirma de modo explícito que «da «fracção do pão» do cristianismo primitivo, nenhuma linha directa conduz até à nossa celebração eucarística» (pág. 32). Não obstante, identifica dois vínculos entre a «Ceia do Senhor» do cristianismo primitivo e a Eucaristia da Igreja católica: «A orientação escatológica… e a comunhão (koinonia)…» (pág. 33). Por conseguinte, somente isto poderia considerar-se como núcleo essencial da «Eucaristia» que remonta ao tempo primitivo.
A partir destes pressupostos hoje largamente difundidos aparece visível que a nova formulação do princípio da «sola scriptura» não garante o carácter normativo da Escritura que, nas quatro narrações transmitidas, fala de maneira explícita da instituição do facto que, na noite em que foi traído, o Senhor Se entregou aos seus corpo e sangue no pão e no vinho, e nestes dons fundou a nova aliança. As hipóteses acerca da origem dos textos paralisam a palavra bíblica como tal. Vice-versa, aparece evidente que no seu sentido definido pela Igreja, a Tradição não significa manipulação da Escritura por intermédio de ensinamentos e de usos sucessivos mas, ao contrário, representa a garantia a fim de que a palavra da Escritura possa conservar a sua pretensão.
Além disso, Meßner individualiza no século II uma «profunda cesura», a «passagem do cristianismo fundamentalmente carismático, profético, determinado de forma substancial pela expectativa escatológica iminente à «Igreja do catolicismo incipiente» (pág. 17). Segundo Meßner, neste momento verifica-se uma «mudança de paradigma, do paradigma Ceia do Senhor do cristianismo primitivo ao paradigma Missa do cristianismo amadurecido» (pág. 42). Com o ocaso da expectativa escatológica iminente, nos meados do século II nasce algo novo é assim que no-lo explica Meßner ou seja, a Igreja do catolicismo incipiente, cujos conteúdos essenciais são descritos do seguinte modo: «Forma-se lentamente o cânone do Novo Testamento, emerge um ministério eclesial, que desta maneira não caracterizava o cristianismo primitivo, para a conservação da tradição apostólica, e muda a compreensão da liturgia» (pág. 42). Estas teses não são novas, embora com o realce da «mudança de paradigma» litúrgica se diferenciem de modo caracterizador da descrição clássica dos elementos constitutivos do «Frühkatholizismus» feita por Harnack, que unia a regula fidei, o Cânone e o episcopado. De qualquer maneira, novo é o facto de que esta visão clássica do modo protestante de escrever a história dos dogmas é aqui apresentada como teologia católica e vinculada a uma profunda ruptura no coração sacramental da Igreja, que comporta não só a transformação da Ceia do Senhor em Missa mas – a ela ligada – também a formação do ofício sacerdotal (episcopal) como elemento fundamental da nova forma de «Eucaristia». Não obstante Meßner comece a partir de uma clarividente ruptura na história entre fé e liturgia, não deseja contudo considerar o novo como traição do testemunho bíblico (pp. 43 ss.), mas reconhece-lhe assim como aparece pela primeira vez em Hipólito um certo carácter normativo, ao qual sucessivamente compara os progressos da Idade Média, do Concílio de Trento e da Teologia de Lutero. Não deve surpreender o facto de que neste contexto ele pode julgar a Idade Média e Trento substancialmente apenas como mal-entendido e decadência. A tese da dúplice ruptura na história da fé, que é aqui proposta, tem um alcance muito mais profundo: em primeiro lugar, entre Jesus e a Igreja primitiva carismática e, depois, entre esta Igreja e a Igreja do catolicismo incipiente.
A tese de habilitação de Reinhard Meßner«Feiern der Umkehr und Versõhnung» (em: Gottesdienst der Kirche. Handbuch der Liturgiewissenschaft, Publicada por H.B. Meyer e outros, Vol. 7, 2: R. Meßner R. Kaczynski, Sakramentliche Feiern I/2, Ratisbona 1992, pp. 49-240) não volta a fazer parte do debate acerca dos problemas fundamentais, mas começa a partir dos mesmos pressupostos metodológicos. A obra, que sem dúvida oferece reflexões dignas de atenção sobre o desenvolvimento da história da penitência, levanta porém problemas graves de maneira análoga no que diz respeito à instituição do sacramento por parte de Cristo, do ministro do sacramento e da distinção das formas não sacramentais do perdão que se referem à Igreja como tal, para além do âmbito do debate teológico.
Em Janeiro de 1998, em virtude da seriedade dos problemas aqui presentes, a Congregação para a Doutrina da Fé analisou segundo a sua Agendi ratio in doctrinarum examine(1997) a problemática de ambas as mencionadas obras do autor e, em conformidade com a sua responsabilidade, no dia 26 de Setembro de 1998 apresentou ao Prof. Meßner, por intermédio do Bispo de Innsbruck, D. Alois Kothgasser, algumas observações críticas às suas dissertações. No dia 13 de Novembro desse mesmo ano, o Prof. Meßner respondeu a este escrito da Congregação e transmitiu uma série de amplos esclarecimentos, que todavia não resultavam suficientes para resolver os problemas na sua totalidade. Por conseguinte, em 12 de Agosto de 1999 a Congregação apresentou as interrogações que subsistiam, às quais o Prof. Meßner retorquiu a 3 de Novembro desse mesmo ano. Também a segunda resposta continha melhorias e esclarecimentos, sem contudo resolver integralmente as questões concernentes às opções fundamentais do seu livro em relação ao ensinamento de fé da Igreja. A este respeito, a Congregação para a Doutrina da Fé não considera sua tarefa entrar em discussão de carácter histórico e de teologia sistemática, que se encontram em ambos os livros. Portanto, ela não pretende sequer propor uma interpretação conclusiva destas obras. Deixando abertas de forma evidente as problemáticas puramente teológicas, ela considera todavia seu dever evocar de modo inequivocável as doutrinas de fé, que hão-de ser consolidadas nestes debates, se uma teologia deve julgar-se «católica». Em consideração dos problemas dos escritos, estas doutrinas de fé são aqui propostas à aceitação do autor. Elas constituem o critério vinculante para a melhoria e o esclarecimento de cada uma das afirmações dos seus livros e para as suas futuras publicações nesta matéria.
I. AS FONTES DA FÉ
A transmissão da pregação apostólica
1. O conjunto da transmissão da revelação recebida pelos apóstolos na Igreja pode ser designada como Tradição em sentido lato ou como diz o autor «o único evento de tradição».
2. Esta transmissão verifica-se de duas formas: uma, escrita, é a Sagrada Escritura; a outra, não escrita, é a Tradição em sentido restrito. Com efeito, a pregação apostólica conflui de maneira particular na Sagrada Escritura,1 mas não se esgota nela. Por isso, o conceito de Tradição apostólica, que sob a assistência do Espírito Santo é transmitida na Igreja, é mais amplo daquilo que se escreve explicitamente na Escritura.2 Pregação apostólica e tradição, que deriva dos apóstolos, não podem ser simplesmente igualadas.
A Sagrada Escritura e as suas afirmações
3. ASagrada Escritura é manancial de conhecimento para a fé católica, segundo o sentido e a intenção salvífica que, por meio do autor humano, foram escritos no texto contemporâneo pelo Espírito Santo.3
A Tradição e as tradições
4. Ao lado da Escritura encontra-se a Tradição em sentido restrito. Ela faz-nos conhecer a inspiração e o cânone da Escritura, e sem ela não é possível uma explicação completa e uma actualização da Escritura.4 A fé católica não está vinculada unicamente ao texto da Escritura; com efeito, a Igreja não haure somente da Escritura a sua certeza acerca de todas as coisas reveladas.5
5. A Tradição é a transmissão da revelação, que foi confiada por Cristo e pelo Espírito Santo aos apóstolos, na vida e no ensinamento da Igreja católica através de todas as gerações, até aos dias de hoje.6 Somente esta Tradição é norma de fé.
6. As «tradições», de que fala o Concílio Vaticano I7e inclusivamente a Dei Verbum(cf. n. 8), constituem elementos particulares da «Tradição».8 Ao lado destas, na Igreja católica sempre existiram costumes antigos («tradições», no sentido mais vasto), que não são vinculantes, mas mutáveis.
O Magistério
7. Na interpretação da Palavra de Deus, transmitida na Escritura e na Tradição, um papel importante compete à ciência teológica. Ultrapassa as possibilidades da teologia explicar a Palavra de Deus de maneira vinculante para a fé e a vida da Igreja. Esta tarefa é confiada ao Magistério vivo da Igreja.9 O Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas serve-a. Porém, ele encontra-se acima das explicações da Palavra de Deus, enquanto julga se uma determinada explanação corresponde ou não ao sentido transmitido pela Palavra de Deus.10
A Liturgia
8. Na Liturgia actua-se a obra da nossa redenção.11 Ela é «o ápice para o qual tende a acção da Igreja e, além disso, a fonte de que promana toda a sua virtude».12 Assim, ela torna presente o «mistério da fé» e, ao mesmo tempo, é o seu testemunho mais excelso. Consequentemente, os ritos litúrgicos reconhecidos pela Igreja são também formas expressivas normativas da fé, nas quais se manifesta a tradição apostólica da Igreja.
9. Portanto, não pode existir contradições entre as normas magisteriais da definição da fé (Regula fidei, Symbolum, Dogma) e a sua actualização na liturgia. A fé definitiva é vinculante para toda a liturgia, para a interpretação e para as novas formulações da liturgia.
II. SOBRE A DOUTRINA DA FÉ ACERCA DOS SACRAMENTOS
A instituição da Eucaristia
10. Segundo a fé da Igreja, Cristo instituiu os sete sacramentos. O conceito de instituição não significa que, na sua vida terrestre, Cristo tenha expressamente determinado nos pormenores cada um dos sacramentos como tal. Na sua memória orientada pelo Espírito Santo, que podia incluir o amadurecimento também de um certo tempo,13 a Igreja compreendeu quais de entre as suas acções simbólicas estão ancoradas na vontade do Senhor e portanto pertencem à essência da sua missão. Deste modo, no vasto âmbito dos sacramenta, ela aprendeu a distinguir os «sacramentos» em sentido restrito dos sacramentais: só os primeiros remontam ao próprio Senhor e portanto possuem aquela eficácia singular, que deriva da instituição.14
11. AIgreja está persuadida na fé, que o próprio Cristo – como narram os Evangelhos (cf. Mt 26, 26-29; Mc 14, 22-25; Lc 22, 15-20) e, por tradição apostólica, São Paulo (cf. 1 Cor 11, 23-25) entregou aos discípulos na Ceia antes da sua paixão sob as espécies do pão e do vinho o seu corpo e o seu sangue, instituindo desta forma a Eucaristia, que é genuinamente o seu próprio dom à Igreja de todos os tempos.15
12. Por conseguinte, não se deve supor que, no cenáculo, Cristo como continuação da sua comunhão à mesa realizou uma análoga acção convival simbólica, com perspectiva escatológica. Segundo a fé da Igreja, na última Ceia Cristo ofereceu o seu corpo e o seu sangue entregou-Se a Si mesmo ao seu Pai e deu-Se a Si próprio como alimento aos seus discípulos, sob as espécies do pão e do vinho.16
O ministério da Igreja
13. Em conformidade com a fé da Igreja, na vocação e missão dos doze apóstolos Cristo fundou ao mesmo tempo o ministério da sucessão apostólica, que na sua forma plena se realiza nos Bispos como sucessores dos apóstolos. No seu tríplice grau bispo, presbítero e diácono o sacerdócio ministerial constitui uma forma que se desenvolveu legitimamente na Igreja e portanto é vinculante para ela mesma, no que concerne ao cumprimento do ministério da sucessão apostólica.17 Este ministério, que se fundamenta na vontade institutiva do Senhor, é transmitido com a consagração sacramental.
14. O Concílio Vaticano II afirma: «Com a potestade sagrada de que é investido», o sacerdote ministerial leva a cabo o sacrifício eucarístico na pessoa de Cristo.18
A Eucaristia e a fé
15.O Espírito Santo, por intermédio do sacerdote consagrado, e as palavras de Cristo por ele pronunciadas tornam presentes o Senhor e o seu sacrifício.19
Não é pelo seu poder, nem por um ofício humano, por exemplo por parte da comunidade, mas unicamente em virtude da potestade outorgada pelo Senhor no sacramento, que a prece do sacerdote pode invocar de maneira eficaz o Espírito Santo e a sua força transformadora. A Igreja define esta actividade orante do sacerdote como uma acção «in persona Christi».20
O Sacramento da Penitência e a Escritura
16.Na fé, a Igreja sabe e por conseguinte ensina de maneira vinculante que Cristo, para além do sacramento do baptismo que anula os pecados, instituiu ainda o sacramento da Penitência como sacramento do perdão. Esta consciência fundamenta-se sobretudo no trecho de João 20, 22 ss. Também aqui o sacerdote pode falar «in persona Christi» e comunicar de maneira autorizada o perdão somente a partir do poder do sacramento, com o qual ele foi consagrado.21
Na Audiência de 27 de Outubro de 2000, concedida ao abaixo assinado Secretário, o Sumo Pontífice João Paulo II aprovou esta Notificação, decidida na Sessão Ordinária desta Congregação, e autorizou a sua publicação.
Roma, Sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 30 de Novembro de 2000.
+JOSEPH Card. RATZINGER
Prefeito
D. TARCÍSIO BERTONE
Secretário
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NOTAS:
1)«Itaque praedicatio apostolica, quae in inspiratis libris in speciali modo exprimitur…» (Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 8). * 2)«Haec quae est ab Apostolis Traditio sub assistentia Spiritus Sancti in Ecclesia proficit…» (Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 8). * 3) «Cum ergo omne id, quod auctores inspirati seu hagiographi asserunt, retineri debeat assertum a Spiritu Sancto, inde Scripturae libri veritatem, quam Deus nostrae salutis causa Litteris Sacris consignari voluti, firmiter, fideliter et sine errore docere profitendi sunt» (Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 11). * 4) «Per tandem Traditionem integre Sacrorum Librorum canon Ecclesiae innotescit, ipsaeque Sacrae Litterae in ea penitius intelliguntur et indesinenter actuosae redduntur» (Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 8). * 5) «
quo fit ut Ecclesia certitudinem suam de omnibus revelatis non per solam Sacram Scripturam hauriat» (Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 9). * 6) «…et sine scripto traditionibus, quae ab ipsius Christi ore ab Apostolis acceptae, aut ab ipsis Apostolis Spiritu Sancto dictante quasi per manus traditae ad nos usque pervenerunt…» (Concílio de Trento: DS 1501; cf. também Concílio Vaticano I: DS 3006). * 7) «Haec porro supernaturalis revelatio… continetur in libris scriptis et sine scripto traditionibus…» (Concílio Vaticano I, DS 3006; è assim que se devem entender as «traditiones» também em: Dei Verbum, 8). Os Padres do Concílio de Trento estavam bem conscientes da diferença entre a «Tradição apostólica» e as «tradições» da Igreja. Para eles era bastante claro também que, por exemplo no Decreto sobre o Sacramento da Penitência, ao lado dos conteúdos de fé revelada, haurida da Escritura e da Tradição, elas apresentavam ainda outras convicções e costumes, que não derivavam da revelação. Os Padres conciliares distinguiram inclusivamente entre «Tradição» e costumes de facto católico-romanos. Sob o ponto de vista histórico, tão-pouco é sustentável afirmar que Trento se orientou sempre e somente contra as presumíveis doutrinas falsas dos Reformadores. * 8)Cf. Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 7-10. * 9)«Munus autem authentice interpretandi verbum Dei scriptum vel traditum soli vivo Ecclesiae Magisterio concreditum est, cuius auctoritas in nomine lesu Christi exercetur» (Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 10). * 10) «Quod quidem Magisterium non supra verbum Dei est, sed eidem ministrai, docens nonnini quod traditum est, quatenus illud, ex divino mandato et Spiritu Sancto assistente, pie audit, sancte custodit et fideliter exponit, ac ea omnia ex hoc uno fidei deposito haurit, quae tamquam divinitus revelata credenda proponit…» (Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 10). * 11) Cf. Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, 2. * 12) Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, 10. * 13) Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 8. * 14) Cf. Concílio de Trento: DS 1601; Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, 60. * 15) Cf. Concílio de Trento: DS 1638 e 1642. * 16) Cf. Concílio de Trento: DS 1637-1638, 1640 e 1740-1741. * 17) «Christus, quem Pater sanctificavit et misit in mundum (cf. Io 10, 36), consecrationis missionisque suae per Apostolos suos, eorum successores, videlicet Episcopos participes effecit, qui munus ministerii sui, vario gradu, variis subiectis in Ecclesia legitime tradiderunt» (Concílio Vaticano II, Lumen gentium, 28). * 18)«Sacerdos quidem ministerialis, potestate sacra qua gaudet… sacrificium eucharisticum in persona Christi conficit» (Concílio Vaticano II, Lumen gentium, 10). * 19) «In institutionis narratione vis verborum et actionis Christi, et Spiritus Sancti potentia, sub panis et vini speciebus Eius et sanguinem sacramentaliter efficiunt praesentia, Eius sacrificium semel pro semper in cruce oblatum» (Catecismo da Igreja Católica, n. 1375). * 20) Cf. Concílio Vaticano II, Lumen gentium, 10. * 21) Cf. Concílio de Trento: DS 1601, 1670 e 1701.
- Fonte: Vaticano