Nova datação do Novo Testamento (Parte 9/11): o livro do Apocalipse

9. O LIVRO DO APOCALIPSE

  • “O livro do Apocalipse é o único, entre os escritos do Novo Testamento, que foi datado pela tradição primitiva” (p.221).

A data da composição do Apocalipse foi tratada de forma prevalente pela Tradição (dada como em torno do ano 95, no final do reinado de Domiciano): teve seu primeiro apoio em uma obra do ano 180 de Ireneu de Lião, nativo da Àsia Menor, que conheceu Policarpo, Bispo de Esmirna, o qual, por sua vez, conheceu o Apóstolo João.

  • “É difícil crer que uma obra tão vigorosa quanto o Apocalipse possa ser verdadeiramente produto de um nonagenário, como João filho de Zebedeu deveria ser então, inclusive se ele fosse cerca de dez anos mais jovem que Jesus” (p.222).

No século XIX, os exegetas em geral, inclusive os racionalistas, tendiam a atribuir ao Apocalipse uma data de redação não-tardia (entre os anos 68 e 70), contrária à data tardia tradicional. No século XX, essa situação se reverteu a tal ponto que Robinson só conhece dois defensores da datação não-tardia.

No tocante a evidência interna do Apocalipse, Robinson analisa em primeiro lugar os capítulos 1 a 3: as cartas dirigidas às sete igrejas da Ásia Menor. Esta primeira parte do Apocalipse corresponde a uma situação bastante similar à observada em 1Pedro:

  • “Ambos [os escritos] são dominados por uma situação política que exige o pseudônimo simbólico ‘Babilônia’ e por uma situação escatológica que obriga à esperança de que agora a consumação não pode tardar muito. Ambos também pressupõem que a perseguição ultrapassou Roma e chegou à Ásia” (p.226).

Também há importantes paralelos entre Apocalipse 1-3 e Judas e 2Pedro quanto à denúncia dos falsos mestres, que em Apocalipse 2,6.15 são identificados com os nicolaítas. Ao que parece, os nicolaítas pretendiam combinar a vida cristã com o culto aos ídolos. Por outro lado, o Apocalipse parece pressupor que a separação final entre cristãos e judeus ainda não tinha ocorrido (cf. Apocalipse 2,9; 3,9).

Robinson refuta duas objeções habituais contra a datação não-tardia:

1) Muitos autores repetem que Policarpo, em sua Epístola aos Filipenses, afirma que a sua própria igreja de Esmirna fora fundada após a morte de Paulo, motivo pelo qual Apocalipse 2,8-11 não poderia ter sido escrito em 68/70. No entanto, tudo o que Policarpo diz é que os filipenses se converteram ao Evangelho antes dos esmirnenses.

2) Também se objeta que Laodiceia foi destruída por um terremonto no ano 60 ou 61, razão pela qual sua igreja não podia ser rica em 68/70. “Porém, a cidade se orgulhava de ter se reconstruído sem esperar a ajuda de fundos imperiais, e até o final dessa década bem poderia estar se orgulhando: ‘sou rica, me enriqueci e não necessito de nada’ (Apocalipse 3,17)” (p.230).

Quanto à segunda parte do Apocalipse (capítulos 4 a 22), Robinson analisa dois dos seus principais temas: a perseguição e o culto imperial. Apocalipse 4-22 pressupõe claramente uma grande perseguição aos cristãos por parte do Império Romano. Da lista tradicional das dez grandes perseguições romanas à Igreja, somente as duas primeiras (a de Nero, por volta do ano 64, e a de Domiciano, por volta do ano 95) podem ser aludidas pelo Apocalipse. Robinson se inclia para a perseguição de Nero, entre outras razões porque foi bem maior e mais sangrenta que a de Domiciano. Ademais, de longe a solução mais aceita para a cifra de Apocalipse 13,18 é aquela que afirma que o 666 (“o número da besta”) representa o nome “Nero César”. Nero, que se suicidou com sua própria espada, pode muito bem ser a besta que tinha uma ferida mortal de espada e sobreviveu em seus sucessores tirânicos (cf. Apocalipse 13,3.12.14).

No tocante à objeção de que o decreto que ordenava adorar o imperador ou sua estátua não pode ter sido mencionado em 68/70 porque seria bem posterior, Robinson responde o seguinte:

  • “Tudo o que alguém pode dizer é que ainda que a evidência do culto imperial não exclua uma data domiciana, tampouco a estabelece. A linguagem de adoração obrigatória ao imperador por todo o mundo, sob pena de morte, em todo caso não deve ser tomada literamente. A tarefa do vidente é distinguir, não descrever. O que ele enxerga na visão não ocorreu mais na época de Domiciano do que na época de Nero: ele está projetando sobre o fim – a era do Nero redivivo – o resultado inevitável de uma tirania totalitária” (pp.237-238).

O autor analisa profundamente esta passagem-chave para a datação do livro:

  • “As sete cabeças são as sete colinas sobre as quais a mulher está sentada e também são sete reis: cinco caíram, um subsiste, outro não chegou, mas quando chegar permanecerá por pouco tempo. A besta que existia, mas já não existe, é o oitavo, ainda que ele seja também um dos sete, e permanecerá até a perdição” (Apocalipse 17,9-11).

Roma é a cidade das sete colinas. Os sete reis são evidentemente sete imperadores de Roma. Se se lê esta passagem sem a ideia preconcebida de que o sexto rei é Domiciano, a interpretação da passagem fica bem simples e natural: os cinco primeiros reis, que já caíram, são: Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio e Nero. O sexto rei, que subsiste, é Galba, que reinou de 8 de junho de 68 a 15 de janeiro de 69. O sétimo rei, que ainda não chegou e quando chegar permanecerá por pouco tempo, é Otão, que reinou de 15 de janeiro a 16 de abril de 69. A besta, o oitavo rei, simbolicamente também é Nero (um dos sete) redivivo. Portanto, o próprio Apocalipse diz que foi escrito em 68/69.

Robinson pensa que o autor do Apocalipse compartilhou dos sofrimentos dos cristãos de Roma durante e depois da perseguição de Nero e reergue uma tese de Edmundson que reconcilia genialmente o dado da Tradição (de que João foi exilado por Domiciano e liberado por Nerva) com a datação não-tardia do Apocalipse: Domiciano teria enviado João para o exílio no ano 70, sendo ainda cônsul imperial em Roma, e Nerva, seu colega de consulado, teria anulado a ordem de Domiciano no ano seguinte.

Por fim, tampouco o Apocalipse contém alguma referência explícita à destruição de Jerusalém e seu Templo pelos romanos, o que seria muito estranho se tivesse sido escrito depois do ano 70.

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