Nova datação do Novo Testamento (Parte 11/11): conclusões

11. CONCLUSÕES

No Capítulo 10 (“Uma Pós-Data Pós-Apostólica”), Robinson examina este problema: se todos os livros canônicos do Novo Testamento (NT) devem ser datados como anteriores ao ano 70 (como ele sustentou nos nove capítulos anteriores), o período de 70 a 100 (que antes se imaginava ocupado por grande parte do NT) deveria ser considerado agora um espaço vazio ou quase-vazio da literatuca cristã? Não se geraria assim uma distância temporal excessiva entre o NT e as primeira produções literárias da Era Subapostólica?

Robinson analisa detidamente quatro dessas produções: a Epístola de Barnabé, o Pastor de Hermas, a Didaqué e a Primeira Epístola de Clemente. Como me resta impossível resumir os seus argumentos, limito-me a apresentar os seus resultados:

    • “Para concluir, pareceria haver bem pouco em conta da seguinte sequência:
    • a Didaque: de 40 a 60
    • 1Clemente: inícios do ano 70
    • Epístola de Barnabé: por volta de 75
    • O Pastor de Hermas: pouco antes de 85″ (pp.334-335).

Geralmente se considera que 1Clemente é do ano 95 ou 96, porque se entende que foi escrita enquanto Clemente era Bispo de Roma; porém, Robinson pensa que, ao escrever esta Epístola, Clemente não era ainda o Bispo, mas algo como que o Secretário de Relações Exteriores da Igreja de Roma, como parece sugerir também o Pastor de Hermas.

O autor começa o Capítulo XI (“Conclusões e Corolários”) apresentando 10 observações gerais (cf. pp.336-348):

1) Há pouca evidência interna para a datação de qualquer dos livros do NT.

2) Em relação à evidência externa, segundo o testemunho da Igreja primitiva, a situação é bem diferente.

3) A pequena quantidade de literatura cristã primitiva e seu caráter ocasional fazem com que o argumento do silêncio (de que tal ou qual livro do NT não existia ou não era ainda conhecido para ser citado ou atestado) seja extremamente precário.

4) Em relação ao uso corrente, convém apelar para um rigor e reserva muito maiores no uso do argumento das citações como um indicador para a datação.

5) Parece apropriada uma crítica similar da segurança com que muitos acadêmicos se pronunciaram sobre as supostas profecias após o evento [de 70].

6) Também é desanimador descobrir quão pouca base existe para muitas das datas atribuídas confiantemente por especialistas modernos aos documentos do NT.

7) Há uma cegueira aparentemente voluntária por parte dos investigadores para coisas que parecem óbvias (p.ex., o porquê de Atos terminar onde termina).

8) Muitas datações de livros do NT foram determinadas mais por um processo de eliminação do que por indicações positivas.

9) Observa-se subjetividade na avaliação dos intervalos requeridos para o desenvolvimento, a distribuição e a difusão [dos escritos do NT].

10) Finalmente, cabe apontar a multiforme tirania das suposições não examinadas, muitas vezes devidas a modismos ou à preguiça acadêmica.

Passando para as conclusões, Robinson enumera os livros do NT na ordem cronológica aproximada em que ele crê que receberam sua composição final. No entanto, indica que se deve considerar que alguns livros (principalmente os Evangelhos) devem ser vistos como produtos de um período de gestação bem mais longo. Simplesmente não é possível dizer que Marcos foi escrito no ano X da mesma forma que, com bastante precisão, se pode afirmar que 1Coríntios foi escrito no ano Y.

A seguir, reproduzo a lista de livros do NT e suas datas. As estações do ano correspondem ao hemisfério norte. O símbolo “~” significa “aproximadamente”. O símbolo “+” colocado no fim de um ano significa “ou um pouco depois”. O símbolo “-” colocado no início de um ano significa “ou um pouco antes”.

  • Tiago: ~47-48
  • 1Tessalonicenses: inícios de 50
  • 2Tessalonicenses: 50-51
  • 1Coríntios: primavera de 55
  • 1Timóteo: outono de 55
  • 2Coríntios: inícios de 56
  • Gálatas: fins de 56
  • Romanos: inícios de 57
  • Tito: fins da primavera de 57
  • Filipenses: primavera de 58
  • Filemon: verão de 58
  • Colossenses: verão de 58
  • Efésios: depois do verão de 58
  • 2Timóteo: outono de 58
  • Marcos: ~45-60
  • Mateus: ~40-60+
  • Lucas: –57-60+
  • Judas: 61-62
  • 2Pedro: 61-62
  • Atos: –57-62+
  • 2-3-1João: ~60-65
  • 1Pedro: primavera de 65
  • João: ~–40-65+
  • Hebreus: ~67
  • Apocalipse: fins de 68 (-70)

Destas conclusões, Robinson extrai 3 corolários:

1) Todos os vários tipos de literatura da Igreja primitiva estavam nascendo mais ou menos concorrentemente no período entre 40 e 70. É o que naturalmente se poderia esperar.

2) O padrão da História da Igreja primitiva sugerido pelos documentos do NT agora reforça o que se deduz independentemente dos Atos dos Apóstolos.

3) Assim como a redução da duração de 50-150+ para 50-100+ desacreditou algumas das formas mais extremas de ceticismo sobre a tradição cristã, assim também uma ulterior redução das datações finais para mais da metade, de -50 até -70, deve tender a reforçar um maior conservadorismo. O autor, que não deixou de ser um teólgo ultra-liberal, insiste que suas conclusões não tornam inútil o estudo crítico do NT dos últimos 200 anos e que ele não quer apoiar uma aproximação obscurantista ou literalista do NT; entretanto, admite que as datações menos tardias tornam menos prováveis as distorções entre os eventos da vida, morte e ressurreição de Jesus e dos escritos eclesiásticos.

Terminarei esta resenha reproduzindo “um comentário um pouco travesso” de A. H. N. Green-Armytage, que Robinson inclui na p.356:

  • “Há um mundo – não digo “um mundo” no qual todos os acadêmicos vivem, mas de todo modo um em que todos eles às vezes se extraviam, e que alguns deles parecem permanentemente habitar – que não é o mundo no qual eu vivo. No meu mundo, se “The Time” e “The Telegraph” contam uma mesma história com palavras um pouco diferentes, ninguém conclui que um deles copiou o outro, nem que as variáveis da história têm algum significado esotérico; porém, nesse [outro] mundo do qual estou falando, isto certamente ocorreria. Ali, nenhuma história deriva jamais dos fatos, mas sempre da versão da mesma história de outra pessoa (…) No meu mundo, quase cada livro, exceto alguns produzidos pelos departamentos de governo, é escrito por um autor; nesse [outro] mundo, quase cada livro é produzido por um comitê e, alguns deles, por uma série completa de comitês. No meu mundo, se eu leio o que o sr. Churchill, em 1935, disse, de que a Europa estava se dirigindo para uma guerra desastrosa, eu aplaudo a sua previsão; nesse [outro] mundo, nenhuma profecia, por mais que esteja enunciada de forma vaga, é jamais feita senão depois do evento. No meu mundo, dizemos: ‘A Primeira Guerra Mundial ocorreu entre 1914 e 1918’; nesse [outro] mundo, eles dizem: ‘A narrativa da guerra mundial tomou forma na terceira década do século XX’. No meu mundo, os homens e as mulheres vivem durante um tempo considerável – 70, 80, inclusive 100 anos – e são equipados com uma coisa chamada ‘memória’; nesse [outro] mundo (ao que parece), eles vêm à existência, escrevem um livro e perecem no ato, tudo como um relâmpago; e se nota neles, com assombro, que ‘preservam traças da tradição primitiva’ sobre as coisas que ocorreram bem dentro do tempo de sua própria vida adulta”.
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