Nova datação do Novo Testamento (Parte 4/11): as Epístolas Paulinas

4. AS EPÍSTOLAS PAULINAS

No início do Capítulo 3 (“As Epístolas Paulinas”, Robinson afirma o seguinte:

  • “Se ignoramos as soluções excêntricas e a sombra das epístolas controversas, podemos dizer que há um consenso bastante geral sobre a datação da parte central do ministério e da carreira literária de São Paulo, com uma margem de diferença de pouco mais de dois anos para cima ou para baixo. Isto está longe de ser o caso de qualquer outra parte do Novo Testamento: os Evangelhos, os Atos, as demais Epístolas e o Apocalipse. As Epístolas Paulinas constituem, portanto, um importante ponto fixo e um marco, não apenas de cronologia absoluta como também de extensão relativa contra a qual é possível medir outros desenvolvimentos” (p.30).

Não obstante, por diversas razões que o autor explica, é impossível determinar com certeza absoluta as datas exatas dos atos da vida de São Paulo (cf. pp.30-32).

Robinson sustenta que se deve dar prioridade aos dados cronológicos trazidos pelos escritos de Paulo, preferindo-os aos [dados cronológicos] dos Atos dos Apóstolos; no entanto, afirma que ambos os testemunhos podem ser reconciliados muito bem.

Após estas e outras observações preliminares, o autor dedica quase 18 páginas (pp.33-50) a uma tentativa de esboço da cronologia da vida de Paulo, como marco de trabalho para o estudo da cronologia das suas cartas. Robinson parte do dado que considera mais confiável: uma inscrição descoberta em Delfos e publicada em 1905, que permite datar com grande exatidão o proconsulado de Galião na Acaia (cf. Atos 18,12):

  • “Com maior certeza podemos dizer que Galião assumiu o seu cargo no início do verão do ano 51 e que Paulo compareceu perante ele pouquíssimo tempo depois, provavelmente em maio ou junho” (p.33).

Pulando muitas páginas de argumentação erudita, que seria impossível resumir brevemente aqui, indicarei o resultado a que chegou o autor:

  • “Neste ponto, podemos resumir as nossas conclusões sobre o esboço da carreira de Paulo, recordando que as datas absolutas abaixo não podem ser mais do que aproximadas:
    * 33 – Conversão
    * 35 – 1ª visita a Jerusalém
    * 46 – 2ª visita a Jerusalém (para alívio da fome)
    * 47/48 – 1ª viagem missionária
    * 48 – Concílio de Jerusalém
    * 49/51 – 2ª viagem missionária
    * 52/57 – 3ª viagem missionária
    * 57 – Chegada a Jerusalém
    * 57/59 – Prisão em Cesareia
    * 60/62 – Prisão em Roma” (pp.49-50).

Na terceira e última parte do capítulo, Robinson tenta inserir cada uma das cartas de São Paulo dentro do marco geral anteriormente traçado. Após muitas páginas de argumentação erudita (pp.50-78), o autor resume assim as suas conclusões:

  • “Se as nossas conclusões estiverem corretas, a totalidade da literatura existente de Paulo (sem esquecer que logo em 2Tessalonicenses 3,17 ele fala de “todas as minhas cartas”) parece cair dentro de um período de 9 anos; na verdade, quanto às suas [duas] cartas primeiras cartas (aos Tessalonicenses), encontram-se dentro de um espaço assombrosamente pequeno de 4 anos e meio. Para esclarecer isto, podemos encerrar com um resumo de datas:
    * 50 (início) – 1Tessalonicenses
    * 50 (ou início de 51) –2Tessalonicenses
    * 55 (primavera) – 1Coríntios
    * 55 (outono) – 1Timóteo
    * 56 (início) – 2Coríntios
    * 56 (final) – Gálatas
    * 57 (início) – Romanos
    * 57 (final da primavera) – Tito
    * 58 (primavera) – Filipenses
    * 58 (verão) – Filemon, Colossenses e Efésios
    * 58 (outono) – 2Timóteo
    Deve-se enfatizar novamente que as datações absolutas poderiam se mover mais ou menos em 1 ano para cima ou para baixo e que o esquema é mais uma tentativa do que uma certeza. Porém, a importância destas conclusões, para as que não são particularmente polêmicas (exceto para as Epístolas Pastorais), é tripla:
    a) Elas fornecem um critério (ou escala de tempo) razoavelmente fixo para se comparar outras evidências;
    b) Se de fato a totalidade da carreira literária extremamente diversa de Paulo ocupou um lapso tão breve, isto nos oferece um critério objetivo sobre quanto tempo é necessário dar aos desenvolvimentos na teologia e na prática. Ainda que possa parecer, à primeira vista, extremamente curto, não deveríamos esquecer outras duas regras de medida: todo o ensinamento e ministério de Jesus (…) levou de três a quatro anos. E todo o desenvolvimento do pensamento e da prática do Cristianismo primitivo até a morte de Estêvão e a conversão de Paulo, incluindo a primeira exposição helenística do Evangelho, se deu dentro de um período de duração semelhante. Na verdade Hengel, em seu importante artigo “Christologie und neuetestamentliche Chronologie”, bem argumenta que a etapa crucial do entendimento básico da Igreja sobre Cristo e seu significado esteve representada por 4 ou 5 anos “explosivos”, entre 30 e 35 (…) Os argumentos a priori da Cristologia à cronologia e, na verdade, de qualquer “desenvolvimento” ao tempo por ele requerido são quase que totalmente não-confiáveis.
    c) A hipótese de trabalho que fizemos, de confiar em Atos até que se provasse o contrário, foi muito reinvindicada substancialmente. Não há praticamente nada no relato de Lucas que choque com a evidência paulina e, na última parte de Atos, as correspondências são notavelmente próximas. Inclusive, nos discursos atribuídos a Paulo e especialmente naqueles em que se pode presumir que Lucas esteve presente (Atos 20 e 22-25), há paralelos que sugerem que estão longe de serem composições puramente livres” (pp.78-79).

Como amostra, indicarei apenas alguns dos argumentos expostos por Robinson para chegar a estas conclusões:

  • “Agora não há quase ninguém que negue a autenticidade de Filemon. Há alguns, especialmente na Alemanha, que questionam Colossenses por razões estilísticas e teológicas. Porém, a interrelação próxima e complexa de nomes como Filemon aponta fortemente para o fato de que essas duas epístolas foram ditadas pela mesma pessoa, ao mesmo tempo, e enviadas para Colossos por Tíquico, na companhia de Onésimo (Colossenses 4,7-9; Filemon 12)” (p.57).

A autenticidade de Efésios é bem mais discutida do que a de Colossenses. As duas teses principais sobre esta questão são a tradicional (que atribui a autoria a Paulo) e a de que um discípulo da 2ª geração, que imita Paulo e expõe sua teologia após sua morte. Robinson pensa que é muito mais provável que o próprio Paulo tenha escrito uma carta como Efésios, que coincide em 90 a 95% com seu estilo habitual. A tese contrária enfrenta graves dificuldades: o autor deveria ter combinado uma imitação servil do estilo de Paulo com uma profunda originalidade teológica. Acrescento que seu gênio teológico se mostra, por exemplo, na profunda doutrina sobre o matrimônio (Efésios 5,21-23); os gênios desta magnitude não costumam passar pela história sem deixar outros rastros. Ademais, seria inexplicável o porquê de o imitador ter reproduzido somente a nota pessoal de Efésios 6,21-22 (cf. Colossenses 4,7-9) para acrescentar verossimilitude.

Robinson confessa que durante seu estudo sobre o tema mudou de opinião sobre as Cartas Pastorais (1Timóteo, 2Timóteo e Tito). Inicialmente ele, como a maioria dos críticos protestantes, pensava que estas três cartas tinham sido escritas no século II, porque manifestam sinais daquilo que esses críticos costumam denominar “protocatolicismo” (ênfase na sã doutrina, na hierarquia da Igreja etc.). No entanto, após analisar com cuidado o assunto, convenceu-se de que nessas três cartas não há nada que não possa ter sido escrito pelo próprio Paulo e que as numerosas referências pessoais que estas contêm permitem colocá-las, com muita segurança, dentro do marco cronológico da vida de Paulo.

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