Nova datação do Novo Testamento (Parte 8/11): a Epístola aos Hebreus

8. A EPÍSTOLA AOS HEBREUS

Apresentarei agora o Capítulo 8 (“A Epístola aos Hebreus”):

  • “Fora as profecias da queda de Jerusalém nos Evangelhos Sinóticos, não há nenhuma outra peça da literatura do Novo Testamento que relvele tão agudamente sua relação com os eventos do ano 70 quanto a Epístola aos Hebreus (…) Todo a temática de Hebreus é a superação final, por Cristo, do sistema levítico, seu sacerdócio e seus sacrifícios. A destruição do Santuário, que levou este sistema fisicamente ao seu fim, deveria seguramente – se tivesse ocorrido – ter deixado a sua marca em algum lugar. É geralmente aceito que não há tal referência ou alusão e, no entanto, a Epístola aos Hebreus está entre aqueles livros do Novo Testamento regularmente redigidos (…) ‘sob Domiciano'” (p.200).

Robinson aponta ironicamente que muitos exegetas apontam a composição dos Evangelhos Sinóticos para depois do ano 70, explicando assim suas profecias sobre a queda de Jerusalém, enquanto que, no caso de Hebreus, fazem o mesmo ao explicar seu silêncio sobre essa queda. “Se der cara, eu ganho; se der coroa, você perde”

Em relação a este ponto, consideremos apenas um texto de Hebreus:

  • “Com efeito, a Lei – ao não ser nada mais que a sombra dos bens futuros, não a própria realidade das coisas – com os sacrifícios repetidos ano após ano, de forma ininterrupta, é incapaz de tornar perfeitos aqueles que se aproximam de Deus; do contrário, não teriam mais oferecido esses sacrifícios, porque os que participam deles, ao ficarem purificados de uma vez para sempre, já não teriam consciência de nenhum pecado. Pelo contrário, estes sacrifícios renovam a cada ano a recordação do pecado, porque é impossível que o sangue de touros e bodes apague os pecados” (Hebreus 10,1-4).

Se os sacrifícios do Templo de Jerusalém tivessem cessado antes destas palavras terem sido escritas, elas mui dificilmente teriam ficado assim como estão, sem modificação ou comentário, porque o fim do antigo culto teria evidenciado tudo aquilo que o autor de Hebreus tenta provar. Ao contrário, a Epístola de Barnabé (16,4), também focada no tema da relação entre o Cristianismo e os ritos judeus, afirma explicitamente que o Templo foi destruído pelos romanos como consequência da rebelião judaica.

Diferentemente de outros estudiosos, Robinson se pronuncia a favor da integridade da Epístola aos Hebreus:

  • “No caso de Hebreus 13, não há o mínimo sinal na tradição manuscrita de que originalmente não pertencesse ao resto. E ainda que o nível do escrito seja, naturalmente, diferente ao se mover de um sermão para uma correspondência, não há evidência de mudança de estilo. Kümmel disse sumariamente: ‘Nada sugere a adição de uma conclusão por outra mão'” (pp.205-206).

Hebreus 13,24 oferece a chave da localização dos destinatários da epístola: “Os da Itália vos saúdam”. Alguns interpretam isto como uma saudação feita a partir da Itália, mas Robinson rejeita esta interpretação:

  • “Em uma carta, digamos, de Londres para uma congregação no exterior, dificilmente seria natural escrevermos ‘os da Inglaterra’ (isto é, todos os ingleses) enviam suas saudações. Seria mais natural que, em uma carta dirigida a Londres, os ingleses que estão com o escritor se unissem para expressar o seu amor àqueles que permanecem na pátria” (p.206).

Esta é uma das razões que fazem Robinson pensar que a epístola foi dirigida a um grupo de judeus-cristãos dentro da Igreja de Roma, no final dos anos 60. Seriam pessoas ricas (cf. Hebreus 10,34) e com forte sentido empresarial. Provavelmente por isso, Hebreus emprega amplamente metáforas extraídas da linguagem comercial.

A grande severidade de certas passagens (como 6,4-6; 10,26-31; 12,15-29) é somente explicável em circunstâncias de perseguição, que envolviam traição ou apostasia dos cristãos. Segundo Robinson, a única situação anterior ao ano 70 que se encaixa com esta evidência é a perseguição de Nero aos cristãos de Roma. Hebreus 13,7 (“Lembrai-vos daqueles que vos dirigiam, porque eles vos anunciaram a Palavra de Deus; considerai como terminaram sua vida e imitai sua fé”) pode ser uma referência aos martírios de São Pedro e São Paulo sob o reinado de Nero.

Hebreus 12,4 (“Depois de tudo, na luta contra o pecado, não resististes ainda a ponto de derramar sangue”) leva a pensar que o grupo a quem se dirige a carta ainda não gerou mártires. Provavelmente esse grupo se manteve à margem enquanto outros cristãos eram perseguidos. Por isso, o autor de Hebreus lhes recorda o dever de solidariedade: “Recordai-vos daqueles que estão presos, como se vós estivésseis com eles; e dos que são maltratados, como se vós estivésseis num mesmo corpo” (13,3).

Quanto a Hebreus 10,32-34 (“Recordai dos primeiros tempos: mal tinham sido iluminados e já precisaram suportar um rude e doloroso combate, algumas vezes expostos publicamente a injúrias e abusos, e outros, solidarizando-se com os que eram assim tratados. Vós compartilhastes então dos sofrimentos dos que estavam no cárcere e aceitaram com alegria que lhes despojassem dos bens, sabendo que possuíam uma riqueza melhor e permanente”), Robinson pensa que poderia muito bem descrever a expulsão dos judeus de Roma no ano 49.

Por outro lado, Robinson pensa que Hebreus 6,6 (“e apesar de tudo recaíram, sendo impossível renová-los novamente, elevando-os à conversão, já que eles deliberadamente voltam a crucificar o Filho de Deus e o expõem à ironia de todos”), da mesma forma que João 13,36 e 21,18, poderia refletir a conhecida tradição do “Quo Vadis?”

Como, segundo Robinson, Hebreus reflete as mortes de Pedro e Paulo, mas não o alívio trazido pelo suicídio de Nero, em junho do ano 68, ele tenta fixar a data de composição de Hebreus no ano 67.

Sobre a questão da autoria, Robinson se inclina a dar crédito a Tertuliano, que atribuiu a Barnabé a Epístola aos Hebreus. Esta hipótese tem muitos pontos a favor: Barnabé pertenceu ao círculo paulino; era um Apóstolo suficientemente conhecido pelos judeus-cristãos de Roma, a ponto de não precisar de uma apresentação pessoal; não era um dos Doze Apóstolos, mas pertencia à mesma geração, tendo convivido com eles e deles recebido seus ensinamentos; e se destacou no gênero da exortação moral, a que corresponde a Epístola aos Hebreus: em 13,22, o hagiógrafo se refere à sua Epístola como “estas palavras de exortação”, enquanto que em Atos 4,36 nos diz que “Barnabé” (que significa “filho da exortação”) foi o sobrenome dado pelos Apóstolos a José, um levita nascido no Chipre. Como quer que seja, a data e a ocasião da Epístola aos Hebreus são independentes das hipóteses sobre a sua autoria.

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