Novamente sobre d. Williamson, o levantamento das excomunhões e o papa Bento XVI

[AGRADECIMENTO/CRITICA] Nome do leitor: Marcelo
Cidade/UF: Friburgo, Alemanha/SP
Religião: Cristã
Confissão: Católica

Mensagem
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Caros senhores

diante dos últimos acontecimentos ligados ao Papa com relação à suspensão da excomunhão dos três bispos da SSPX e da tomada de posição dos senhores, gostaria de fazer um pequeno comentário.

É claro que o papa não apóia em nenhum momento as posições anti-semitas do bispo Williamson e é claro também que ele (o papa) é, no final das contas, a única pessoa que pode tomar a decisão de suspender as excomunhões, podendo fazê-lo sem consultar mais ninguém. No entanto é de responsabilidade do Papa zelar para que não haja escândalo dos fiéis. Era parte de sua responsabilidade como portador do poder de decisão informar-se e consultar outras pessoas que, de forma direta ou indireta, estão envolvidas no problema. Por exemplo as conferências nacionais dos bispos da Franca, da Suíça e da Alemanha – países com numerosas comunidades da SSPX.

Além disso se dá a impressão, com a suspensão de excomunhões de pessoas contrárias ao Vaticano II, de que o Papa põe em dúvida a autoridade do Concílio. E essa impressão (errônea) não é partilhada apenas por ultra-conservadores mas também por expoentes da “esquerda” como Hans Küng, que têm grande influência sobre a opinião pública. A impressão veiculada é de que em breve o Vaticano será dominado por Ultraconservadores que anularão o concílio Vaticano II – e aí cada um pode completar o cenário caótico e apocalíptico com bem quiser.

Além disso o Papa é cidadão alemão e sabe o quanto tanto alemães quanto judeus e israelenses são sensíveis ao assunto holocausto. É sua responsabilidade não escandalizar os fiéis alemães com uma ação que parece – mesmo que não o faca – apoiar idéias revisionistas a respeito do genocídio cometido contra os judeus. Os católicos alemães estão escandalizados.

É possível criticar a ação do Papa sem perder a fidelidade católica. O Papa, em sua ânsia de unidade, agiu de maneira temerária. Sim, ele é a única pessoa que podia tomar a decisão. Tomou-a sem consultar outras pessoas, como era seu direito. Sua ação desencadeou – com alguma razão – reações escandalizadas de católicos e não católicos em várias partes do mundo, sobretudo na Alemanha e em Israel. Essas reações eram previsíveis e absolutamente evitáveis.

A altíssima Autoridade do Papa faz que sua responsabilidade seja tanto maior e por isso ele não pode se dar ao luxo de tomar decisões, mesmo que em princípio acertadas ou com um fim louvável, de maneira tão canhestra. Não se exige que o Papa deixe de dizer a verdade ou de defender a fé em nome da diplomacia. Mas  escandalizar os fiéis, permitir que um “odor” de anti-semitismo paire sobre a Igreja e se indispor com a opinião pública internacional é realmente desnecessário.

Rezemos para que o sucessor de Pedro continue defendendo a fé como sempre tem feito, para o bem da Igreja e edificação dos fiéis. E que suas ações, que hoje tanta revolta e crítica provocam, possam, apesar de tudo, dar frutos de Paz e Unidade para a Igreja e para o mundo.
Aproveito para agradecer pelo site, que várias vezes já me ajudou com valiosas informações sobre

a Fé e a Igreja.

Cordialmente em Cristo,

Marcelo

Caríssimo Marcelo,

Pax et Bonum!

Obrigado por nos ter contatado.

Creio que o texto a que se refira seja meu último artigo, “Insignes pérolas em matéria jornalista ‘imparcial’ sobre Dom Richard Williamson e o Papa Bento XVI”, comentando matéria de Reuters veiculada por O Estadão.

Efetivamente, neste texto defendo apenas a minha opinião pessoal a respeito, e por isto ele figura na sessão “Opinião” do site. Contudo, creio que todos no Veritatis Splendor compartilham a mesma opinião sobre o caso de Dom Williamson, pois recebi vivos elogios ao meu comentário e em nossa lista interna há um consenso: apoiamos o Santo Padre, entendemos perfeitamente o levantamento da excomunhão de Dom Williamson, e colocamos cada coisa em seu devido lugar – a opinião pessoal de Dom Williamson e o ensinamento do Papa e da Igreja, que, no que se refere ao Holocausto, são bem distintas.

Acredito que a questão maior de sua carta se deve ao levantamento da excomunhão de Dom Williamson, especificamente: porque levantar a excomunhão de um Bispo negacionista?

De início, deve-se salientar que o levantamento da excomunhão não se deu por causa do negacionismo de Dom Williamson, mas apesar deste negacionismo. O Papa, que foi testemunha ocular dos fatos, sabe quão graves e horrendos foram os crimes nazistas, e vivamente os condenou, antes e durante seu Pontificado. O que nos importa neste caso é o que ele realmente diz: e o que o Santo Padre reiteradamente expressa é o seu pesar pelas vítimas do Shoah e sua viva condenação a tais atrocidades.

Mas por que reabilitar Dom Williamson? Por que simplesmente não reabilitar os outros três Bispos, que não defendem tais teses polêmicas, e deixar Dom Williamson de fora?

Para evitar um mal maior.

É sabido que, dos Bispos da FSSPX, Dom Williamson é o mais radical. E a FSSPX possui parcelas definidas entre seus fiéis, e uma destas parcelas, a mais radical, é seguidora de Dom Williamson. Era importante, pois, para Roma que fossem reabilitados os quatro Bispos conjuntamente: assim não se correria o risco de, deixado um Bispo de fora, uma parcela de fiéis insatisfeitos com a Santa Igreja passassem a seguir este Bispo, gerando um novo movimento cismático. Gerar-se-ia, então, um novo problema.

E se, no fim das contas, as conversações com a FSSPX não lograssem êxito (apenas estamos tratando a nível de suposição, pois, é claro, temos viva esperança e desejo de que logrem muito êxito) ter-se-ia dois movimentos separados: a FSSPX em si, e o movimento daquele Bispo que foi deixado de fora anteriormente.

É preciso considerar tais questões e pesá-las.

Uma polêmica como a gerada pelas palavras de Dom Williamson resolve-se facilmente com o tempo, até porque a opinião pessoal de Dom Williamson (pela qual ele já pediu desculpas ao Santo Padre) não representa, em absoluto, a opinião do Santo Padre nem o ensinamento da Igreja. Ao passo que, se Dom Williamson tivesse sido deixado de fora e um grupo de fiéis passasse a segui-lo, seria muito mais difícil resolver esse novo cisma – principalmente porque Roma, anteriormente, não teria confiado em Dom Williamson. Assim se teria um novo problema, bem maior, uma nova ferida na unidade da Igreja, um novo cisma. O Papa, que é o guardião da unidade da Igreja, tem de pensar antes nesta unidade, dom com o qual Cristo dotou a Igreja, do que na polêmica imbecilizada que a Mídia poderia causar baseando-se em tolices que certo dia certo Bispo defendeu.

Era preciso pesar estas questões. E resulta muito mais grave um novo cisma.

Era, portanto, importante para Roma que os quatro Bispos fossem reabilitados juntos, para evitar novas separações.

Creio que, diante disto, é perfeitamente compreensível o motivo pelo qual o Santo Padre levantou a excomunhão de Dom Williamson, apesar do seu negacionismo e de outras opiniões errôneas do mesmo, como o seu machismo. Estes erros de Dom Williamson podem ser resolvidos com o tempo, mas um novo cisma seria muito mais difícil.

A Mídia, obviamente, alheia aos valores da religião, não sabe o que representa o dom da unidade, e como é grave a responsabilidade do Santo Padre de mantê-lo e buscar trazer de volta todos os cristãos à unidade da Igreja Católica. Antes disto, ela se apega a polêmicas inúteis, infrutíferas e imbecilizadas, tratando como se fosse culpa do Papa as tolices que Dom Williamson ora defendeu.

Devemos nos afastar destas polêmicas inúteis geradas pela Mídia laicista e secularizada e, ao invés, olhar como católicos a real intenção do Santo Padre, em prol da unidade, que é bem maior do que esta polêmica imbecilizada provocada por jornalistas ansiosos por um fato sensacional.

Sobre o caso de Dom Williamson, no dia 4 de Fevereiro a Secretaria de Estado do Vaticano publicou uma Nota sobre a Remissão das Excomunhões, que esclarece muito bem a questão:

“Na seqüência das reações suscitadas pelo recente decreto da Congregação para os Bispos, que remite a excomunhão dos quatro Prelados da Fraternidade São Pio X, e em relação às declarações negacionistas ou reducionistas da Shoah por parte do Bispo Williamson da mesma Fraternidade, se considera oportuno esclarecer alguns aspectos do episódio. […] As posições de Mons. Williamson sobre a Shoah são absolutamente inaceitáveis e fortemente repudiadas pelo Santo Padre, como ele próprio afirmou em 28 janeiro passado, quando, referindo-se àquele brutal genocídio, reiterou a sua plena e indiscutível solidariedade com nossos irmãos destinatários da Primeira Aliança, e afirmou que a memória daquele terrível genocídio deve conduzir ‘a humanidade a refletir sobre o imprevisível poder do mal quando conquista o coração do homem’, acrescentando que a Shoah permanece ‘para todos a advertência contra o esquecimento, contra o a negação ou o reducionismo, porque a violência feita contra um único ser humano é violência contra todos’. O Bispo Williamson, para uma admissão à função episcopal na Igreja, deverá também manter de modo absolutamente inequívoco e público a distância de sua posição a respeito da Shoah, não conhecida pelo Santo Padre no momento da remissão da excomunhão”.

E a respeito do medo de que o vaticano seja dominado por Ultra-radicais que em breve anularão o Concílio Vaticano II, como você bem salientou, é errôneo. E, diríamos mais, completamente infundado: os Bispos da FSSPX cujas excomunhões foram levantadas sequer possuem ainda uma Sé, quanto mais dominarem o Vaticano!

Deve-se salientar que o objetivo de Roma ao levantar estas excomunhões não é admitir as idéias contrárias ao Vaticano II propagadas pela Fraternidade, mas justamente abrir caminho ao diálogo – como aconteceu com os Padres de Campos e com o Instituto Bom Pastor, bem como o Mosteiro de Barroux, o Instituo Cristo Rei, os Redentoristas Transalpinos… – que visa a mostrar como o Concílio Vaticano II, entendido à luz da Tradição, segundo a hermenêutica da continuidade, é perfeitamente ortodoxo e católico. Roma não está abrindo mão de suas convicções em prol do Ecumenismo com a FSSPX: isto seria irenismo, condenado no nº 11 do Decreto sobre o Ecumenismo do Concílio Vaticano II. Ao contrário, a Santa Sé mantém em todo vigor suas convicções e procura mostrar a este grupo, por meio do diálogo, como elas são acertadas e corretas.

A propósito, esclarece a mesma Nota da Secretaria de Estado:

“Para um futuro reconhecimento da Fraternidade São Pio X é condição indispensável o pleno reconhecimento do Concílio Vaticano II e do Magistério dos Papas João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e do próprio Bento XVI. Tal como já foi afirmado no Decreto de 21 de Janeiro de 2009, a Santa Sé não deixará, no modo julgado oportuno, de aprofundar com os interessados as questões ainda abertas, para que possamos alcançar uma plena e satisfatória solução dos problemas que deram origem a esta dolorosa fratura”.

E o próprio Santo Padre já esclarecera isso em Audiência Geral[1]. Não há, portanto, o  que temer com respeito ao Vaticano II: a Igreja não abrirá mão deste Concílio Ecumênico legitimamente convocado, presidido, encerrado e aprovado pelo Santo Padre em sua autoridade, e cujos ensinamentos estão em perfeita concordância com a perene Doutrina Católica.

Diante disto tudo, não considero – nem eu nem ninguém neste Apostolado – que a decisão do papa tenha sido temerária: ao contrário, foi a mais acertada, a mais fiel a seu múnus de Pastor e guardião da unidade católica, e também a mais inspirada naquele desejo de unidade e de sadio diálogo prodigalizado pelo Concílio Vaticano II.

O Papa Bento XVI agiu da forma mais correta que julgou dever agir – e, observando os fatos, chegamos também nós a esta conclusão.

Não cabe a nós, meros fiéis, julgar o Santo Padre.

Devemos, antes de tudo, fazer o que a mesma Nota da Secretaria de Estado nos pede:

“O Santo Padre pede o acompanhamento das orações de todos os fiéis a fim de que o Senhor ilumine o caminho da Igreja. Cresça o empenho dos Pastores e de todos os fiéis no sustento da delicada e difícil tarefa do Sucessor do Apóstolo Pedro como o ‘guardião da unidade’ na Igreja.”

Rezar pelo Santo Padre, tê-lo sempre em nossas orações, apóia-lo contra estas polêmicas inúteis fomentadas por seus inimigos ferrenhos – ateus, esquerdistas e hereges modernistas – e olhar o momento com os olhos da Fé: o Papa é o guardião da unidade, Cristo assim o instituiu; e como guardião desta unidade, deve pensar antes neste grandioso dom da Igreja do que em polêmicas midiáticas e sensacionalistas.

Espero ter explicado satisfatoriamente a minha opinião, também compartilhada pelos meus irmãos de Apostolado.

Meu mais cordial abraço!

Atenciosamente,

Taiguara Fernandes de Sousa.


[1] Cf. RAVAZZANO, Pedro. A FSSPX E BENTO XVI: DIÁLOGO PELO TRIUNFO DO VATICANO II, in: https://www.veritatis.com.br/article/5593/a-fsspx-e-bento-xvi-dialogo-pelo-triunfo-do-vaticano-ii

Cf. SOUSA, T.F. “QUEM CONTA UM CONTO, AUMENTA O PONTO…” – TAMBÉM COM O LEVANTAMENTO DAS EXCOMUNHÕES, in: https://www.veritatis.com.br/article/5594/quem-conta-um-conto-aumenta-o-ponto-tambem-com-o-levantamento-das-excomunhoes

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