Por Alessandro Lima
Introdução
Judas Iscariotes, segundo o testemunho das Sagradas Escrituras e Tradição, foi um dos 12 apóstolos escolhidos por Nosso Senhor Jesus Cristo para dar início à Sua Igreja. Ele foi aquele que traiu Nosso Senhor por 30 moedas de prata, traição prevista e anunciada pelo próprio Cristo. Por esta razão tornou-se uma pessoa de má fama e uma referência sempre que as pessoas se referem a um traidor, nomeando-o por Judas (Ex: essa pessoa é um Judas, um traidor etc).
Devido ao crescente número de maus bispos católicos, estes têm sido comparados a Judas. As motivações desta constatação são evidentes. No entanto, em uma postagem no Facebook questionei esta comparação. Essas foram as minhas exatas palavras na rede social:
“Não está correto comparar os maus Bispos da Igreja Católica com Judas Iscariotes. Este pelo menos não chegou a receber o Episcopado. Logo, aqueles são muito piores”.
Esta postagem gerou críticas e questionamentos variados, onde a esmagadora maioria se concentrava na seguinte objeção: Judas foi bispo da Igreja Católica assim como foram os demais apóstolos.
A fim de esclarecer o assunto que se provou ignorado por vários católicos procuraremos demonstrar a seguir o seguinte: o apóstolo Judas Iscariotes não foi bispo da Igreja Católica.
Primeira objeção: O episcopado de Judas Iscariotes se deduz pelo fato de que seu lugar vago foi ocupado por São Matias, sendo a primeira prova da sucessão dos apóstolos.
Os adeptos desta objeção se referem ao texto da Escritura em Atos 1,15-26:
“15. Naqueles dias, levantando-se Pedro no meio dos irmãos (o número das pessoas ali reunidas era de cerca de cento e vinte), disse: 16. Meus irmãos, é necessário que se cumpra o que o Espírito Santo predisse nas Escrituras pela boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia daqueles que prenderam Jesus; 17. Ele, que estava alistado entre nós, e que teve parte neste ministério. 18. […] 20. Porque está escrito no livro dos Salmos: Fique deserta a sua habitação, e não haja quem habite nela; e receba outro o seu cargo. 21. É necessário, pois, que destes varões que têm estado juntos conosco durante todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu entre nós, 22 começando desde o batismo de João até ao dia em que foi arrebatado (ao céu) dentre nós, (convém que) um destes seja constituído testemunha conosco da sua ressurreição.
23. E apresentaram dois, José, que era chamado Barsabás, o qual tinha por sobrenome o Justo, e Matias. 24. E, orando, disseram: Tu, Senhor, que conheces os corações de todos, mostra-nos destes dois o que escolheste 25 para ocupar o lugar deste ministério e apostolado, do qual se transviou Judas para ir ao seu lugar. 26. E tiraram os seus nomes à sorte, e caiu a sorte em Matias, e foi associado aos onze apóstolos.”
Nos versículos acima, temos prova da profecia feita sobre Judas: que receberia o salário maldito do seu trabalho de traição e que outro deveria ocupar o seu lugar, como apóstolo, ou seja, como testemunha da ressurreição do Senhor ajudando a propagar a Igreja no mundo. No entanto, aí não está implicado que Judas e os demais apóstolos no dia da Última Ceia já eram bispos. Lembremos que Judas Iscariotes se suicidou momentos depois da prisão do Senhor que se deu logo após a Última Ceia. Porém, na Última Ceia, Nosso Senhor institui do Santo Sacrifício da Missa e confere aos apóstolos o poder sacerdotal de celebrá-la. É o que nos ensina o Catecismo de São Pio X.
Depois de ensinar que são três os graus do Sacramento da Ordem (1º. Grau: Episcopado, 2º. Grau: Presbiterado ou Sacerdócio e 3º. Grau: o Diaconato, diz o Catecismo:
814. Quando Jesus Cristo Instituiu a Ordem Sacerdotal?
Jesus Cristo instituiu a Ordem Sacerdotal na Última Ceia, quando conferiu aos Apóstolos e aos seus sucessores o poder de consagrar a Santíssima Eucaristia. E no dia da ressurreição conferiu aos mesmos Apóstolos e seus sucessores o poder de perdoar e reter os pecados, constituindo-os assim os primeiros Sacerdotes da Nova Lei em toda a plenitude do seu poder.
O ensinamento acima é claríssimo sobre a questão que ora nos ocupamos. Na Última Ceia, Nosso Senhor Jesus Cristo conferiu APENAS a Ordem Sacerdotal aos Apóstolos (2º. Grau). O poder de perdoar os pecados ou reter os pecados que é próprio do Episcopado (1º. Grau), só foi conferido na Ressurreição. Daí segue que a plenitude do poder da Ordem, o Episcopado, só foi conferido por Jesus aos Apóstolos após a Sua ressurreição, por conseguinte, Judas Iscariotes não o recebeu.
Em complemento, seis as provadas da Sagradas Escritura de quando Nosso Senhor confere o Episcopado aos Apóstolos:
- O poder de jurisdição é a licença necessária que um Bispo recebe para poder governar (utilizar aos poderes das chaves) uma parcela dos fiéis confiada aos seus cuidados. Os Apóstolos possuíam jurisdição universal, isto é, seu Ministério Episcopal não estava limitado a determina região geográfica, pois deveriam evangelizar todo o mundo conhecido. A sua jurisdição universal foi recebida diretamente de Cristo: “Ide pois e ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que vos tenho mandado, e estai certos de que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28,19-20);
- O poder de perdoar e reter os pecados. Este poder está associado à jurisdição episcopal. É o Bispo que tem propriamente este poder, podendo-o delegar a um sacerdote: “’Assim como o Pai me enviou a mim, também eu vos envio a vós’. Tendo dito estas palavras, assoprou sobre eles, e disse-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo. Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos” (Jo 20,22-23).
Estas duas passagens da Escritura vêm corroborar com o que ensinou o Catecismo de São Pio X, isto é, que após a Sua Gloriosa Ressurreição, Nosso Senhor confere a plenitude do poder Sacerdotal aos Apóstolos, isto é, a Ordem Episcopal. Como Judas Iscariotes, desviou-se de sua missão antes da Ressurreição do Senhor, por óbvio, este não recebeu o Episcopado.
Segunda objeção: Em Atos 1,20, ao citar um Salmo, São Pedro ao falar da sucessão de Judas Iscariotes menciona que “outro receba o seu cargo”. No original grego cargo é epíscopos, logo ele refere-se ao episcopado de Judas.
O substantivo grego Epískopos (ἐπισκοπὴν) significa originalmente cargo, trabalho, ofício, missão ou ministério. Com o tempo o termo foi usado para referir-se ao Ministério do Bispo, daí deriva o termo Episcopado. O mesmo se deu com o termo Ekklésia (ἐκκλησίαν), cujo sentido primário era assembléia ou reunião, e depois ganhou o sentido de uma instituição fundada por Cristo.
E como já fora explicitado no tópico anterior, Nosso Senhor só conferiu aos Apóstolos a plenitude do Sacramento da Ordem após a Sua Ressureição.
Conclusão
Embora Judas Iscariotes tenha participado do grupo dos 12 Apóstolos, sendo testemunha do ministério público de Nosso Senhor, não deve ser considerado Apóstolo no sentido estrito (específico, próprio) do termo, mas apenas em sentido lato (mais largo ou geral). Pois como afirmou São Pedro em Atos 1,22 ser Apóstolo é ser testemunha da ressurreição de Cristo, coisa que fora impossível para Judas.
Judas Iscariotes desviou-se de sua missão, deixando para outro o cargo que lhe foi confiado por Cristo (cf. At 1,15-22). Jesus na Última Ceia instituiu o Santo Sacrifício da Missa e conferiu aos Apóstolos presentes o poder de celebrá-la, isto é, conferiu a eles o poder Sacerdotal (2o. Grau da Ordem). Este mesmo poder eles só recebem em plenitude (1o. Grau da Ordem) após a Sua ressurreição, quando aí se tornam Bispos da Igreja (cf. Mt 28,19-20; Jo 20,22-23).
Judas tirou a própria vida antes da Ressurreição do Senhor (cf. Mt 27,3), logo não recebeu ele o Episcopado e tão pouco tornou-se um Bispo da Igreja.