O dano dos Sínodos já foi feito (e o bem também)

  • Autor: Bruno M.
  • Fonte: http://www.infocatolica.com/blog/espadadedoblefilo.php/
  • Tradução: Carlos Martins Nabeto

Como os leitores já sabem, o cardeal Burke e o mons. Schneider pediram aos fiéis que orassem e jejuassem para evitar que se aprovem medidas e afirmações contrárias à fé católica no Sínodo para a Amazônia. Sem dúvida, é uma iniciativa louvável, boa e, se Deus quiser, frutífera. Não posso, no entanto, evitar a sensação de que o dano essencial que esse Sínodo pode causar já foi feito .

Consideremos por um momento o que ocorreu: um sínodo de bispos católicos, que será realizado em Roma, possui um documento de trabalho frontalmente contrário à fé. Sei que esta afirmação parece ser bastante drástica, mas na minha opinião resta evidente para quem quer que leia o documento: é permeado de declarações irreconciliáveis ​​com a fé católica, coloca o Catolicismo no mesmo nível das (falsas) religiões pagãs e, portanto, põe Jesus Cristo no mesmo nível das superstições e dos ídolos; promove uma visão panteísta da natureza e do mundo alheia à fé católica sobre a Criação; relativiza a Revelação de Deus em seu Filho, igualando-a às conclusões (muitas vezes disparatadas) das diferentes culturas amazônicas; e estabelece as bases para a abolição do celibato, a introdução do sacerdócio feminino e o desaparecimento da distinção entre leigos e sacerdotes.

Isto é, obviamente, um grande problema, mas não o mais importante. Clérigos e até Sínodos locais que proclamam barbáries e heresias sempre existiram, mas se Deus não remediar, eles continuarão a surgir até a segunda vinda de Cristo. O problema, o real problema, é que esse texto [do Instrumentum Laboris] cheio de barbáries e heresias não foi repudiado ou condenado pela Igreja. Pelo contrário, apesar dessas barbáries e heresias, será usado como instrumento de trabalho, com a aquiescência da Santa Sé e da grande maioria dos bispos do mundo, seja por ação seja por omissão.

Isso é terrível porque, de fato, sem que necessariamente se aprovem declarações errôneas desse calibre no final do sínodo (que é o que o cardeal Burke e mons. Schneider querem evitar), as mais altas hierarquias não manifestaram nenhum problema no fato de a fé ser assim negada em documentos eclesiais. Em outras palavras: ainda que nenhum erro venha a ser aprovado no Sínodo, está sendo declarado que na Igreja as verdades fundamentais da fé podem ser negadas, que é permitido afirmar que essas verdades não o são e que é concebível que essas verdades sejam mudadas se assim for decidido por um sínodo, um número suficiente de bispos ou um Papa. Ou seja, a fé é considerada de fato na Igreja comoo mais uma opinião: é a opinião que a Igreja defende agora, mas amanhã isso poderia mudar e a fé podera ser outra completamente diferente. Pode-se discutir e suscitar sua mudança. Uma vez aceito isto, a batalha já estará perdida e se abandonou a fé católica. Não importa se o Sínodo é materialmente aprovado ou não, porque algo muito pior foi tacitamente aprovado: o fato de não haver uma fé católica, apenas opiniões mutáves com o passar do tempo.

Infelizmente, não é a primeira vez que isto acontece. A verdade é que esse grande dano à fé é resultado de outro [sínodo] anterior no mesmo sentido: quando o Sínodo da Família foi celebrado, a primeira coisa que foi dita é que todas as opiniões seriam admitidas, qualquer coisa poderia ser proposta; e assim foi feito: foram defendidas inúmeras barbáries sobre relações pré-conjugais, contraceptivos, casais do mesmo sexo, matrimônio e divórcio, sem que a Santa Sé condenasse essas alegações, cujos defensores, longe de serem repreendidos, foram promovidos e chamados a ensinar em nome da Igreja. No final, foi aprovado confusamente, em um par de frases e uma nota de rodapé, uma bomba que destrói totalmente a moral católica: a ideia de que o fim justifica os meios e, portanto, às vezes Deus quer que adulteremos e se pode conceder a comunhão a alguém que persiste em pecado grave. Algo gravíssimo, mas essa era apenas a consequência necessária de uma abordagem contrária à própria essência da fé.

Se a fé é tão somente mais uma opinião, mais cedo ou mais tarde prevalecerão as opiniões confortáveis, aquelas que não exigem que tudo siga a Cristo, aquelas que permitem que alguém fique de bem com o mundo. Como em economia, onde “dinheiro ruim expulsa do mercado o dinheiro bom”, como diz a lei de Gresham, se não existe a fé as opiniões mundanas e confortáveis substituirão as “opiniões” cristãs e difíceis. No fim, como se fosse um protestantismo “católico”, a única fé verdadeira é alterada para “quot capita, tot sententiae – tantas opiniões quanto cabeças”.

Dessa maneira, o Sínodo da Família tornou possível o Sínodo da Amazônia: no primeiro, se estabeleceram os fundamentos que tornaram possível o segundo e que permitem que se neguem agora com clareza os fundamentos da fé, assim como já se negavam confusamente os fundamentos da moral. Também dessa lama é o lodo da aparente (e novamente confusa) negação da doutrina imemorial da Igreja sobre a pena de morte ou a negação por altos funcionários do Vaticano da doutrina católica da guerra justa. Se os fundamentos da moral e da fé podem ser alterados, por que não as doutrinas “menos importantes” que mais incomodam os bons pensadores do mundo de hoje?

O mesmo poderíamos dizer do Sínodo alemão: se a maioria dos bispos alemães se atreve a dizer publicamente que irão discutir várias doutrinas e preceitos morais da Igreja para decidir se devem mudá-las, se a maioria dos que participam desse “caminho sinodal” são leigos, teólogos e clérigos que já negaram publicamente esses preceitos e doutrinas morais, se Roma reclama de tanta independência mas não corta esse absurdo pela raiz, é porque os pressupostos já se encontravam ali. O Sínodo da Família fez o mesmo, mas menos abertamente; e, como nada aconteceu, como os bispos ficaram em silêncio, como praticamente ninguém protestou, é normal que aqueles que desejam destruir a fé percam [agora] o medo e mostre abertamente esse desejo, confiante em sua impunidade. O mal desses sínodos, infelizmente, já foi feito.

Eu disse no título, no entanto, que o bem desses sínodos também já foi feito. Para alguns, pode parecer muito pouco, mas a verdade é que há uma coisa muito importante escondida nessas tristes constatações de que a maioria dos bispos ficam calados. Se dizemos que a maioria está calada, é porque existem alguns bispos que se levantaram para dizer publicamente que não aceitam as deformações da fé e moral que estão ocorrendo nesses sínodos.

Todo mundo conhece o caso dos quatro cardeais que se atreveram a apresentar suas “dubia” ao Papa sobre os novos costumes subjacentes à “Amoris Laetitia”: mesmo que não tenham sido bem-sucedidos e metade deles tenham morrido sem receber resposta, outros bispos, aqui e ali no mundo, e milhares de teólogos, padres e simples leigos juntaram-se publicamente a essas dúvidas através de diferentes declarações e pedidos. Em relação ao Sínodo da Amazônia, vários bispos e cardeais (Brandmüller, Burke, Müller, Pell, Urosa, Azcona, Schneider etc.) disseram publicamente que o documento de trabalho é errôneo ou herético ou até mesmo uma “apostasia”. O cardeal Sarah apontou destemidamente que a crise do clero é, na verdade, uma “crise de fé” porque “toleramos todas as causas colocadas em questão. A doutrina católica é posta em dúvida. Em nome de posturas chamadas ‘intelectuais’, os teólogos se divertem desconstruindo dogmas, esvaziando a moral do seu significado profundo”.

Na própria Alemanha, onde tudo parece ir tão mal (e não só parece), doze bispos votaram contra a própria organização do sínodo e um bispo, dom Voderholzer, a quem Deus recompensará abundantemente, disse algo que eu já me desesperava ouvir nos lábios episcopais durante a minha vida: que, como bispo e teólogo, ele jurou proclamar e defender a fé católica (infelizmente, o contrário é o que ele já tinha ouvido da boca de um bispo). Neste sentido, o bispo Voderholzer se reserva o direito de abandonar o sínodo se a fidelidade à doutrina da Igreja for violada. É bom ouvir os bispos falarem assim, mesmo que sejam poucos. Quase se diria que estamos ouvindo ecos de Ambrósio, Atanásio, Agostinho ou Jerônimo.

Entendo perfeitamente que esse bem pareça ser muito pequeno comparado ao mal: que um punhado de bispos fiéis acabe sendo pouco comparado à grande massa episcopal que silencia ou colabora entusiasticamente com a descatolização, mas é assim que Deus faz as coisas. Deus age com meios pobres, bem frágeis e humanamente inúteis, de modo a manifestar que uma força tão extraordinária vem mesmo de Deus e não de nós. Quanto mais humanamente fracos os que defendem a fé, mais podemos confiar na força de Deus, afinal “o Reino de Deus é como uma semente de mostarda: quando semeada no solo, é a menor das sementes, mas depois ela brota, cresce, vira o maior dos vegetais e lança galhos tão grandes que os pássaros podem neles se abrigar e fazer ninhos”.

Deus está sempre procurando um resto fiel que não esteja disposto a dobrar os joelhos diante de Baal, que não quer renunciar à fé, embora promoções, confortos, elogios e tapinhas nas costas vão embora em razão dessa renúncia. Essa é a fé que move montanhas, que fez a Igreja se espalhar por todo o mundo, pela qual nossos Pais morreram e é a única que pode nos salvar. Talvez seja contra ela a maioria dos que se chamam “católicos”, mas há muito deixaram de acreditar? Até uma multidão de clérigos e bispos é contra? O mundo odeia essa fé e só quer sua destruição? Que assim seja. Se Deus está conosco, quem será contra nós?

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NOTA DE ESCLARECIMENTO DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

O Sínodo dos Bispos é uma assembleia de Bispos que, escolhidos das diversas regiões do mundo, reúnem-se em determinados tempos para promover a estreita união entre o Romano Pontífice e o Episcopado, para auxiliar o Romano Pontífice com seu conselho, na preservação e crescimento da fé e dos costumes, na observância e consolidação da disciplina eclesiástica e, ainda, para examinar questões que se referem à ação da Igreja no mundo (CDC 342).

A Constituição Dogmática “Episcopalis Comunio”, do Santo Padre, o Papa Francisco, no art. 1º define os tipos de assembleia possíveis. Mais precisamente no parágrado 2º, o item 3º diz que o Sínodo pode consistir “em Assembleia Especial, se se tratam de assuntos concernentes principalmente a uma ou mais áreas geográficas concretas (CDC 345): este é exatamente o caso do Sínodo dos Bispos para a Amazônia.

O Sínodo é antecedido, porém, por um documento preparatório e um Instrumento de Trabalho (Instrumentum Laboris), ambos preparados pela Secretaria do Sínodo dos Bispos, um órgão da Santa Sé. Embora sejam documentos oriundos dos órgãos vaticanos, não fazem parte do Magistério Eclesial, seja Ordinário ou Extratordinário; são apenas documentos que pretendem orientar as Sessões do Sínodo e podem até mesmo ser desprezados total ou parcialmente pelo Romando Pontífice, como ocorreu por ocasião da realização do Concílio Vaticano II.

Desta forma, quando criticamos respeitosamente o conteúdo desses documentos anteriores à realização do Sínodo, não estamos agindo como juízes do Sagrado Magistério e, muito menos, do Santo Padre o Papa; estamos apenas exercendo o nosso DEVER de fiéis em zelar pela Fé Católica, exortando-nos mutualmente para o Bem de toda a Santa Igreja (cf. Hebreus 3,13-15).

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