O Papa João Paulo II tem-se pronunciado a respeito, apelando para cientistas e juristas, a fim de que levem em conta a dignidade singular da reprodução humana, a qual é fruto de uma doação amorosa e total de duas pessoas portadoras de traços transcendentais.
No mês de julho[/96] a opinião pública mundial foi interpelada pelo casos de milhares de embriões humanos condenados a morrer na Inglaterra, pois ninguém se interessou por eles. Podiam parecer cabecinhas de alfinete insignificantes, sem importância e sem valor humano. – Nas páginas que se seguem, o caso será passado em revista; ao quê acrescentaremos as conclusões de um estudo feito por cientistas italianos que afirmam: “O embrião é um de nós”.
1. Os embriões sacrificados na Inglaterra
A fecundação artificial em proveta tem sido praticada com freqüência na Inglaterra por dois motivos:
- há casais estéreis, que por uma razão qualquer não podem procriar, embora desejem ter um filho; daí o recurso a alguma das modalidades da fecundação artificial;
- esta também é praticada para produzir criancinhas cujos tecidos e órgãos serão aproveitados no tratamento de adultos carentes de algum enxerto ou transplante.
Os jornais nos deram notícia de que, na quarta-feira 31 de julho [de 1996], à meia-noite, terminava o prazo para pedidos de clemência em favor de embriões fadados à destruição na Inglaterra.
2. “O embrião é um de nós”
O Comitê Nacional de Bioética da Itália publicou recentemente um documento intitulado “Identià e Statuto dell’Embrione Umano” (Identidade e Estatuto do Embrião Humano). Apresentou-o à imprensa o Dr. Francesco D’Agostinho, Presidente do mencionado Comitê. A tese conclusiva desse texto, resultante de estudos protraídos por mais de um ano e meio, soa: “O Embrião é um de nós”, é uma pessoa, é gente. Mais explicitamente aí se lê: “O Comitê chegou unanimemente a reconhecer o dever moral de tratar o embrião humano, desde a fecundação, segundo os critérios de respeito e tutela que se devem adotar em relação aos indivíduos humanos aos quais se atribui comumente a característica de pessoa”.
Em conseqüência, o Comitê proclamou “moralmente ilícitas”:
- a produção de embriões para fins de experimentação médica ou para fins comerciais ou industriais;
- a produção múltipla de seres humanos geneticamente idênticos mediante a fissão geminada ou clonagem;
- a criação de “quimeras” ou de indivíduos constituídos de células de origem genética diversa;
- a produção de híbridos “homem-animal-irracional”;
- a transferência de embriões humanos para útero de animal irracional e vice-versa.
Alguns membros do Comitê estenderam a iliceidade a:
- a supressão ou manipulação nociva de embriões;
- o diagnóstico anterior ao implante, destinado a suprimir os embriões, caso sejam tidos como ineptos para a vida;
- a formação, em proveta, de embriões que não sejam destinados ao implante no útero materno.
- “O Comitê afirma que o respeito pela vida do embrião deve merecer prioridade sobre outros valores e que, portanto, devem ser definidas normas jurídicas aptas a garantir aos embriões não aproveitados a possibilidade de vida e desenvolvimento”.
- “O nosso trabalho tem caráter consultivo, na expectativa de que o Parlamento regulamente a matéria com suas leis. Indicamos princípios normativos,… sugeridos numa perspectiva ética destinada a orientar; toca aos legisladores continuar o trabalho. O importante é que o Parlamento não se perca em questões filosóficas, mas considere algumas linhas de ação concreta, como, por exemplo, a proibição de se produzirem embriões além do necessário. O que espero, é que o problema não seja ulteriormente adiado; está suficientemente amadurecido para que os nossos políticos o levem a sério. Além disto, a questão está madura também no plano internacional; faço votos para que a Itália seja reconhecida como pioneira nesta área de pesquisas”.
- “O Comitê rejeita a experimentação indiscriminada feita em embriões. No fundo, tem-se aqui uma questão de controle público sobre a atividade dos pesquisadores. A sociedade tem o direito de saber o que fazem os cientistas; não podemos continuar a dar carta branca aos cientistas; eles devem tornar-se conscientes dos valores e dos problemas éticos ligados às suas pesquisas”.
A propósito tem-se manifestado o Papa João Paulo II, do qual vão citadas algumas reflexões sob o título abaixo:
3. A palavra de João Paulo II
Aos 24 de maio[/96] o Santo Padre dirigiu aos participantes do Simpósio sobre a encíclica Evangelium Vitae (Evangelho da Vida) as seguintes palavras:
- “Diante do humanismo ateu, que desconhece ou até mesmo nega a dimensão essencial do ser humano, ligada à sua origem divina e com o seu destino eterno, é tarefa do cristão e, sobretudo, dos Pastores e Teólogos, anunciar o Evangelho da vida, segundo o ensinamento do Concílio Vaticano II, que, atingindo com uma frase lapidária as profundezas do problema, afirmou: Na realidade, o mistério do homem só se esclarece verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado (Gaudium et Spes, 22).
Este urgente empenho interpela de maneira singular os juristas cristãos, levando-os a fazer com que se manifeste, nos setores da sua competência, o caráter intrinsecamente frágil de um Direito fechado à dimensão transcendente da pessoa. O fundamento mais sólido de todas as leis que tutelam a inviolabilidade, a integridade e a liberdade da pessoa, reside, com efeito, no fato de esta ter sido criada à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27).
A este propósito, um problema que investe diretamente o debate entre biólogos, moralistas e juristas é constituído pelos direitos fundamentais da pessoa, que devem ser reconhecidos a todos os sujeitos humanos, durante o inteiro arco da sua vida e, de modo particular, desde o seu surgir.
O ser humano – como evocou a instrução `Donum vitae’ e como reconfirmou a Encíclica `Evangelium vitae’ – `deve ser respeitado e tratado como uma pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse mesmo momento, devem-lhe ser reconhecidos os direitos da pessoa e, primeiro de todos, o direito inviolável de cada ser inocente à vida’ (Carta Encíclica `Evangelium vitae’, n0 60: AAS 87 [1985], 469; cf. Instrução `Donum vitae’, 1: AAS 80 [1988], 79).
Esta afirmação encontra plena correspondência nos direitos essenciais, próprios do indivíduo, reconhecidos e salvaguardados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 3).
Apesar da distinção entre as ciências envolvidas e, reconhecendo que a atribuição do conceito de pessoa pertence a uma competência filosófica, não podemos deixar de reconhecer como ponto de partida o estatuto biológico do embrião, que é um indivíduo humano, com a qualidade e a dignidade próprias da pessoa.
O embrião humano tem direitos fundamentais, ou seja, é titular de elementos constitutivos indispensáveis para que a atividade conatural a um ser possa desenvolver-se em conformidade com um princípio vital que lhe é próprio…
Pelo mesmo motivo, considero dever fazer-me novamente intérprete destes direitos inalienáveis do ser humano desde a sua concepção, para todos os embriões que, não raro, são expostos a técnicas de congelamento (crioconservação), tornando-se em muitos casos objetos de pura experimentação ou, pior ainda, destinados a uma programada destruição com o consentimento legislativo.
De igual modo, confirmo como gravemente ilícito para a dignidade do ser humano e da sua vocação à vida, o recurso aos métodos da procriação que a Instrução “Donum vitae” definiu como inaceitáveis para a doutrina moral.
A iliceidade de tais intervenções no princípio da vida e sobre embriões humanos já foi afirmada (cf. Instrução `Donum vitae’, 1,5; II.), mas é necessário que os princípios sobre os quais se fundamenta a própria reflexão moral sejam reconhecidos também a nível legal.
Portanto, faço apelo à consciência dos responsáveis do mundo científico e, de maneira particular, aos médicos, para que seja posto termo à produção de embriões humanos, tendo em conta o fato de que não se entrevê uma saída moralmente lícita para o destino humano dos milhares de milhares de embriões congelados, que, contudo, são e permanecem sempre titulares dos direitos essenciais e, por conseguinte, devem ser tutelados sob o ponto de vista jurídico como pessoas humanas.
A minha voz dirige-se também a todos os juristas a fim de que se prodigalizem para que os Estados e as Instituições internacionais reconheçam juridicamente os direitos naturais a partir da aparição mesma da vida humana e, além disso, se façam defensores dos direitos inalienáveis que os milhares de embriões `congelados’ intrinsecamente conquistaram no momento mesmo da fecundação.
Os próprios Governantes não podem subtrair-se a este empenhamento, para que o valor da democracia, que afunda as suas raízes nos direito invioláveis reconhecidos a cada indivíduo humano, seja salvaguardado desde as suas origens”.