Em 31/10/1517, Lutero lançou seu brado de protesto contra a doutrina e a disciplina da Igreja Católica, afixando à porta da igreja de Wittenberg, conforme o costume das disputas acadêmicas, uma lista de 95 teses, em latim, a respeito do primado do Papa e de temas conexos.
O brado de revolta de Lutero se espalhou rapidamente pela Alemanha e o estrangeiro.
O conjunto de denominações protestantes tem sua origem no século XVI, e conta entre os seus principais mentores a figura de Martinho Lutero.
Martinho Lutero nasceu em 10/11/1948, em Eisleben, Alemanha. Teve infância dura, sujeita, em casa e na escola, a disciplina severa. A partir de 1501, na Universidade de Erfurt, estudou a filosofia nominalista de Occam, com tendência antimetafísica e relativista. Tal sistema dissolvia a harmonia entre a ciência e a fé, pois tinha as verdades da fé como irracionais ou impenetráveis à razão; a moral se fundaria unicamente na vontade de Deus.
Certa vez, a caminho da universidade (2/7/1505), foi quase fulminado por um raio; em conseqüência, fez o voto de entrar no convento (“Hilf. St. Anna, icb will ein Monch Werden!” – “Ajuda, Santa Ana, quero tornar-me um monge”). Esta decisão era fruto do temperamento escrupuloso e pessimista de Lutero, que receava o juízo de Deus sobre os seus pecados (Lutero muito preocupava com a sua fraqueza e os seus pecados, que o deixavam inquieto).
Em julho de 1505, à revelia do pai e dos amigos, Lutero entrou no convento dos Agostinianos, em Erfurt. Em 1507 foi ordenado presbítero (padre). Em 1510 ou 1511 passou quatro semanas em Roma, onde conheceu a vida da Cúria e a exuberância das devoções populares. Isso tudo, porém, no momento não o impressionou muito, nem abalou a sua fidelidade à Igreja. Foi nomeado professor da Sagrada Escritura, em Wittenberg. Vivia, no entanto, inquieto a pensar na sua fragilidade moral e nos insondáveis juízos de Deus; jejuava, praticava vigílias de oração, mas sem conseguir paz.
O contato com as epístolas de São Paulo (especialmente aos Romanos e aos Gálatas) foi-lhe oferecendo uma solução: viu que não devia se importar tanto com aquilo que fazia ou deixava de fazer; precisava era ficar firme na fé-confiança em Jesus Salvador – afinal, dizia ele, é a fé e não as obras boas que salvam o homem. Este foi totalmente corrompido pelo pecado original, e não pode senão pecar. O livre arbítrio está vendido ao pecado; não se pode apelar para ele. De resto, a cobiça desregrada, que é o próprio pecado (segundo Lutero), é inextinguível no homem. Só lhe resta confiar (ter fé) nos méritos de Cristo, porque ninguém tem mérito próprio. Quando Deus declara o homem justo ou reto, não lhe está apagando os pecados, mas apenas resolve não os levar em conta, cobrindo-os com o manto da justiça ou da santidade de Cristo.
Lutero se baseava especialmente em Rm 1,17 e Gl 3,12.22…, textos lidos à luz dos escritos de Santo Agostinho, que se revelara pessimista em relação à natureza humana. Há quem atribua a Lutero os dizeres: “Podes pecar fortemente; mas, se creres mais fortemente, serás salvo!”. O pecado seria inextinguível, mas a fé sozinha bastaria para salvar o crente. A fórmula, porém, não é de Lutero, embora contenha, em seu cerne, o seu autêntico pensamento.
A doutrina da fé sem as obras se tornou o “Evangelho” de Lutero. Implicava radical revolução dentro do cristianismo. Lutero havia de lhe associar outras teses, a saber:
- somente a Bíblia é a fonte de fé, ficando rejeitada a Tradição oral que sempre acompanhou a Bíblia, contribuindo para indicar o genuíno sentido da mesma. Também o magistério da Igreja era rejeitado, cabendo a cada crente exercer “livre exame” do texto sagrado. Tal princípio explica a multidão de denominações protestantes hoje existentes: cada qual se deve à maneira subjetiva e pessoal como o seu fundador (Knox, Schmidt, Wesley…) interpreta o texto sagrado;
- não há sacerdócio ministerial transmitido através do sacramento da Ordem. Todos os crentes participam de um único e universal sacerdócio derivado do batismo. Este princípio abre o caminho para que as mulheres possam ser consideradas pastoras nas denominações protestantes;
- por conseguinte, Lutero não reconhecia o Santo Sacrifício da Missa, nem os sufrágios pelas almas do purgatório. A remissão dos pecados se obteria pela confissão diretamente feita a Deus!
Em 31/10/1517, Lutero lançou seu brado de pretexto contra a doutrina e a disciplina da Igreja Católica, afixando à porta da Igreja de Wittenberg, conforme o costume das disputas acadêmicas, uma lista de 95 teses, em latim, a respeito do primado do Papa e de temas conexos.
O brado de revolta de Lutero se espalhou rapidamente pela Alemanha e para o estrangeiro. Encontrou ressonância fácil entre os príncipes da Alemanha, que tinham antigos ressentimentos contra a Santa Sé por questões políticas. Também a pequena nobreza apoiava Lutero, porque da revolução religiosa esperava uma revolução social que satisfizesse aos seus anseios. Entre os protestantes de Lutero, começou a se destacar o príncipe Frederico, o Sábio, da Saxônia.
Vê-se, assim, que o problema religioso de Lutero se tornou problema da nação alemã. Esta se sentiu fortemente dilacerada e agitada pelas discussões oriundas da posição assumida por Lutero e seus amigos.
Em 1521, houve um reunião do Parlamento em Worms, na qual Lutero não aceitou se retratar das suas teses revolucionárias. Foi condenado à morte pela assembléia. Mas Frederico, o Sábio, escondeu-o no Castela de Wartburg, onde ficou durante dez meses (maio 1521 a março de 1522) sob o pseudônimo de “Cavaleiro Jorge”. Começou então a tradução da Bíblia para o alemão, obra de linguagem magistral, que só foi completada em 1534. No castelo, Lutero sofreu crises nervosas muito violentas, que se considerava como assaltos diabólicos.
Enquanto Lutero se conservava em Warburg, a agitação crescia na Alemanha… Apareceu a corrente dos anabatistas, que interpretavam ousadamente o pensamento de Lutero, negando o batismo às crianças (já que, como diziam, o sacramento só é eficaz em que tem fé) e batizando de novo os adultos; preconizavam uma “Igreja de Santos”. Posto a par da confusão, Lutero deixou seu esconderijo e voltou a Wittenberg. Conseguiu, com o apoio do braço secular, restabelecer a ordem em Wittenberg. Mas teve que enfrentar a revolta dos camponeses (1524-1525) que, esmagados por tributos, valiam-se da proclamação da liberdade frente aos senhores civis e eclesiásticos. Thomas Münzer, chefe dos anabatistas, incitava os camponeses à revolta. Lutero hesitou diante dessa insurreição, mas acabou optando pela sufocação violenta dos revoltosos; Thomas Münzer foi decapitado. Essa atitude fez com que Lutero perdesse parte de sua popularidade; a sua nova “Igreja” não seria do povo, mas dos príncipes e regiões. Os anabatistas mereceriam a adesão das classes mais humildes (são os batistas de nossos tempos).
Os últimos anos de vida de Lutero foram angustiosos para o reformador, por diversos motivos: os aborrecimentos e as decepções se somavam aos ataques corporais; via que se alastravam a indisciplina e a procura de interesses particulares nos territórios reformados; os príncipes dominavam as questões religiosas. Lutero depositava suas esperanças num próximo fim do mundo. Em 1543 escreveu, ansioso: “Vem, Senhor Jesus, vem… Os males ultrapassaram a medida. É preciso que tudo estoure. Amém”. Finalmente morreu em 18/02/1546 na sua cidade de natal, Eisleben.
Lutero foi certamente um homem de religiosidade profunda, dotado de firme confiança em Deus, diligente no trabalho e desinteressado de si. A esses dons, porém, associava-se um temperamento apaixonado, que podia chegar às raias do doentio; uma convicção cega de que tinha recebido uma missão de profeta; uma propensão à discussão, ao exagero trágico e até ao cinismo. Infelizmente, suas boas intenções não lograram o efeito desejado, pois dividiram os cristãos e geraram um princípio de divisão ainda hoje fecundo. O protestantismo se esfacela em novas e novas comunidades, segundo o princípio subjetivo estabelecido por Lutero. Existe, porém, um bom diálogo católico-luterano.
Fonte: Livro Crenças, religiões, igrejas e seitas: Quem são? – Editora: O mensageiro de Santo Antônio – 3ª Edição – Outubro de 1997 – SP.