CONGREGAÇÃO PARA AS CAUSAS DOS SANTOS
CONFERÊNCIA DO CARDEAL JOSÉ SARAIVA MARTINS
NA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
1 de Março de 2004
O mistério da santidade na experiência cristã
Saúdo cordialmente todos os presentes e agradeço ao Prof. Dr. Jorge Teixeira da Cunha, digníssimo Director da Faculdade de Teologia do Porto, o convite para participar nestas importantes Jornadas Teológicas e para nelas falar do tema: “O mistério da santidade na experiência cristã”.
Na minha exposição, abordarei os seguintes tópicos:
A santidade, elemento constitutivo da Igreja e da Comunidade cristã;
Os Santos, testemunhas visíveis da santidade da Igreja;
A santidade não é um luxo de poucos, mas um dever que a todos empenha;
Santidade e Baptismo;
Santidade e cultura;
O mundo de hoje precisa de Santos.
1. A santidade, elemento constitutivo da Igreja e da Comunidade cristã
1) A santidade pertence à própria natureza da Igreja, como Corpo terreno do Senhor Ressuscitado. É um dos seus elementos constitutivos. Pertence ao seu ADN. Uma Igreja, portanto, que em si mesma não fosse santa, não seria a verdadeira Igreja de Cristo, ou seja, aquela que Jesus fundou para que, uma vez regressado ao Pai, continuasse através dos tempos, em nome d’Ele e com a sua autoridade, a sua perene missão de salvação.
Como Corpo místico de Cristo, a Igreja é, de facto, chamada a espelhar no seu rosto, ou seja, no seu ser e agir “in essendo et in agendo” o mesmo rosto de Cristo, a sua transparência entre os homens. Estes têm o direito de poder ver no rosto da Igreja o rosto de Cristo. Pedem-lhe, muitas vezes mesmo sem se aperceberem, que não só lhes fale de Cristo, mas também lho mostre. Pois bem, a Igreja conseguirá mostrá-lo na medida em que for, na sua vida e multíplice actividade, o reflexo da santidade d’Aquele que é a própria santidade do Pai, tornada tempo e história.
A linguagem da santidade, por conseguinte, como repetidas vezes foi dito na última Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, é a linguagem própria da Igreja, a que não pode renunciar sem se tornar infiel Àquele que é a mesma santidade de Deus “três vezes santo”; sem deixar de ser, contradizendo-se a si própria, a esposa “sem mancha e sem ruga” do seu Senhor; sem deixar de ser entre os homens o reflexo da “luz dos povos”, que é Cristo (cf. LG, n. 1).
A Igreja é chamada a ser a “Igreja do avental”, para usar uma expressão cara a Mons. Antonio Bello, falecido Bispo de Molfeta (Apúlia) e figura eminente do apostolado social, ou seja, uma Igreja da acção, do serviço pastoral aos irmãos. Mas é chamada a ser, antes de mais, a Igreja da santidade, da oração, do silêncio, da vida interior, da contemplação do rosto de Cristo antes de anunciá-lo.
Não existe nenhuma contradição entre estes dois aspectos ou dimensões da Igreja. É o próprio Santo Padre que o afirma numa alocução a um grupo de Padres Rogacionistas: “Não tenhais receio que o tempo dedicado à oração possa, de alguma forma, diminuir o dinamismo apostólico e o benemérito serviço aos irmãos, que constituem a vossa fadiga quotidiana. Pelo contrário, amar e pôr no centro de cada projecto de vida e de apostolado a oração, é a verdadeira escola dos Santos” (Discurso, 6 de Dezembro de 2001).
2) Toda a multíplice actividade da Igreja tem por finalidade suscitar nos fiéis a santidade. Existe apenas para isso, e não tem outro fim além desse: conseguir que a santidade possa plasmar o homem e fazê-lo assim participar na mesma santidade de Deus (cf. LG, n. 48). Esta é, em absoluto, a prioridade da acção pastoral da Igreja. “Em primeiro lugar, não hesito em dizer que o projecto, para que deve tender todo o caminho pastoral, é a santidade… Na verdade, colocar a programação pastoral sob o signo da santidade é uma opção carregada de consequências… É hora de propor de novo a todos, com convicção, esta “medida alta” da vida cristã ordinária: toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nesta direcção” (NMI, nn. 30-31).
O que acabo de dizer vale também para qualquer outra actividade eclesial. É ainda o Papa quem o diz: “A Igreja foi instituída para o homem… E a vida interna da Igreja tem como primeira finalidade a santidade do homem, querida pelo Amor eterno de Deus Trindade… A missão que lhe foi confiada continua o Santo Padre é apenas esta: santificar-se e santificar, viver e fazer viver o plano divino da salvação, compreender e fazer compreender o mistério da Igreja”, que é essencialmente um mistério de santidade (Alocução à Cúria Romana, n. 2, 28 de Junho de 1982, em: Insegnamenti V/2, pág. 2429).
3) Da santidade da Igreja depende, enfim, a eficácia da missão. “A santidade da Igreja observa o Papa na Christifideles laici é a fonte secreta e a medida infalível da sua operosidade apostólica” (CL, n. 17). De facto, “a santidade é um pressuposto fundamental e uma condição absolutamente insubstituível para realizar a sua missão de salvação” (Ibidem). É a santidade que dá credibilidade, e portanto eficácia, à palavra da Igreja. Só uma Igreja santa, profundamente enamorada de Cristo, pode pretender que os homens a escutem. Pois, estes são mais sensíveis aos factos que às palavras.
Portanto, para responder aos novos e tremendos desafios do terceiro milénio, a Igreja nada mais tem a fazer que realizar o programa pastoral “centrado” na santidade, que consiste essencialmente em conhecer, amar e imitar Cristo, “para nele viver a vida trinitária e com Ele transformar a história até à sua plenitude na Jerusalém celeste” (NMI, n. 29).
2. Os Santos, testemunhas visíveis da santidade da Igreja
A santidade objectiva da Igreja subjectiva-se, exprime-se e manifesta-se nos Santos, que ela, como Mãe, gerou. Por Santos, entendem-se aqui, como é óbvio, não apenas os nossos irmãos elevados às honras dos altares, mas também os que, mesmo sem serem beatificados ou canonizados, seguiram, em toda a sua radicalidade, Cristo e o seu Evangelho; fizeram de Cristo, sem hesitações nem compromissos, a razão da própria existência; fizeram da santidade o seu programa de vida. São aqueles que, com íntima e profunda alegria, a Igreja recorda na festa litúrgica de “Todos os Santos”. Na Tertio Millennio Adveniente, o Santo Padre menciona-os como um exército de “soldados desconhecidos” (TMA, n. 37).
São eles as testemunhas visíveis e autênticas da santidade da Igreja. “Os Santos diz João Paulo II em todas as épocas da história fizeram resplandecer no mundo um reflexo da luz de Deus; são testemunhas visíveis da santidade misteriosa da Igreja … Para conhecer em profundidade a Igreja, é para eles que deveis olhar. Não só para os Santos canonizados, mas também para todos os escondidos e anónimos que procuraram instilar o Evangelho na normalidade dos seus deveres quotidianos. Manifestam a Igreja na sua verdade mais íntima e, ao mesmo tempo, preservam a Igreja da mediocridade, reformam-na por dentro, estimulam-na a ser a esposa sem mancha e sem ruga (cf. Ef 5, 27)” (Alocução aos jovens de Lucca, n. 4, 23 de Setembro de 1989, em: Insegnamenti XII, 2, pp. 623-624).
Neste texto-chave, o Santo Padre realça fortemente o papel vital que os Santos, enquanto testemunhas e expressão da santidade de Deus, têm na vida da Igreja.
Eles sublinha, antes de mais, o Papa iluminaram, com a sua profunda espiritualidade, o mundo, as pessoas do seu tempo, com um “reflexo da luz de Deus”, da luz de Cristo, que é a “luz verdadeira”, como diz São João no Prólogo do seu Evangelho; aquela luz que deve constantemente brilhar no rosto da Igreja (cf. LG, n. 1). Os Santos foram, de facto, através dos séculos, verdadeiros faróis para a humanidade, indicando-lhe novos rumos, contribuindo para o surgir de novos modelos culturais, dando adequadas respostas aos novos desafios dos povos, promovendo assim o progresso da humanidade na sua caminhada histórica. Os Santos tiveram sempre um enorme impacto cultural e social. É o caso, por exemplo, de um São Bento e de um São Francisco de Assis.
Os Santos são, além disso, porta-vozes de Deus. Este fala aos homens de muitos modos, também por meio dos Santos. “Deus manifesta de forma visível aos homens a sua presença e o seu rosto na vida daqueles que, embora possuindo uma natureza igual à nossa, se transformaram mais perfeitamente na imagem de Cristo (cf. 2 Cor 3, 18). Neles, é Deus que nos fala e nos mostra um sinal do seu Reino” (LG, n. 50). Os Santos são, portanto, outras tantas palavras que Deus pronuncia, através dos tempos, a bem da humanidade. Em cada época, o Espírito Santo mandou os seus Santos que, como profetas da nova humanidade, revelam o rosto de Deus com a santidade das suas vidas, e a todos indicam o caminho da verdade e da salvação. Falam-nos de Deus com a santidade das suas vidas e das suas obras. A sua voz é a mesma voz de Deus. Por isso, o seu testemunho e a sua intercessão reforçam a fé e a esperança do Povo de Deus.
Mais, os Santos observa o Papa “preservam a Igreja da mediocridade”. A tentação e os convites à mediocridade nunca faltaram, nem mesmo nos nossos dias. Antes, num contexto de crescente indiferença religiosa, de uma certa desorientação de valores, mesmo em campo ético, e de invasão de tantos ídolos, os crentes podem ser levados, na sua vida de fé, a fáceis compromissos, a opções nem sempre em perfeita sintonia com o Evangelho; a ajoelhar-se, de certo modo, perante os novos ídolos, e a viver assim uma vida cristã medíocre. Contra um tal perigo da mediocridade, sempre ameaçador, o testemunho dos Santos é, sem dúvida, o antídoto mais eficaz. A orientação da sua vida segundo a férrea lógica do Evangelho é, de facto, um forte convite a viver a “medida alta da vida cristã ordinária”, de que fala o Papa na Novo millenmio ineunte (NMI, n. 31); a não inclinar-se perante os diversos ídolos do nosso tempo, como recusaram eles, sem hesitações.
Enfim, quais testemunhas autênticas da santidade da Igreja, os Santos, estimulam a “reformá-la por dentro”. Como qualquer outra comunidade viva, a Igreja, na absoluta fidelidade aos seus princípios, sente uma constante necessidade de reforma, de renovação, para se purificar de eventuais incrustações históricas, que tornariam menos eficaz a sua acção pastoral no mundo de hoje. Este foi um dos principais objectivos que o Vaticano II se propôs.
Pois bem, os Santos foram sempre os protagonistas dessa reforma ou renovação. É um facto que, na origem das grandes retomadas de consciência da cristandade, houve sempre um regresso às fontes, ou seja, à santidade do Evangelho, suscitado e promovido pelos Santos. É o caso, mais uma vez, de um São Francisco de Assis que, com humildade mas também com determinação, deu início a um movimento de profunda renovação eclesial, com fortes implicações sociais.
3. A santidade não é um luxo de poucos, mas um dever que a todos empenha
1) A santidade não é um luxo de poucos, um privilégio de uns tantos, mas uma meta que Deus “três vezes santo” e “fonte de toda a santidade” (Liturgia), propõe ao homem, feito à sua imagem e semelhança. Tal proposta, intimamente ligada ao próprio acto criativo de Deus, torna-se mandamento: “Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo” (Lv 19, 2). De atributo divino, a santidade passa, assim, a ser vocação de todo o homem.
Deus criou o homem para que atinja a sua plenitude, não de forma passiva, mas participando na acção divina. O alcance dessa plenitude é, portanto, o fim último e o princípio unificador de toda a existência humana. Santo Agostinho não podia ser mais categórico a propósito: “Fizestes-nos para vós, Senhor, e o nosso coração não encontra a paz, enquanto não repousa em Vós” (Santo Agostinho, Confissões, I, 1).
Esta aspiração ao bem absoluto, que investe o ser e o agir do homem, “é teorizada e vivida pelo cristão como aspiração à santidade, entendida como filiação divina que se actua no seguimento e imitação de Cristo” (E. Colom A. Rodriguez Luño, Scelti in Cristo per essere santi. Elementi di Teologia morale, Roma 1999, pp. 66-67). Compreende-se assim a profundidade da passagem da Gaudium et spes, que diz que “só Cristo manifesta perfeitamente o homem ao próprio homem” (GS, n. 22).
Num tal contexto compreendem-se perfeitamente as palavras de São Paulo aos Efésios: “Nele (em Cristo) nos escolheu antes da criação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis, em caridade, na sua presença. Ele nos predestinou, conforme a benevolência da sua vontade, a fim de sermos seus filhos adoptivos, por Jesus Cristo” (1, 4-5).
2) Mas se todos os homens são chamados à santidade, esta é para os cristãos uma verdadeira e própria exigência. A todos se dirige o convite de Cristo: “Sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48; cf. 12, 30; Jo 13, 43; 15, 12). Valem para todos as palavras de São Paulo: “É esta a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Ts 4, 3; cf. Ef 1, 4; 5, 3; Cl 3, 12; Gl 5, 22; Rm 6, 22).
A vocação à santidade é, portanto, universal. Ninguém está excluído. “Todos na Igreja, quer pertençam à hierarquia, quer façam parte da grei, são chamados à santidade segundo a palavra do Apóstolo: “Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação” (1 Ts 4, 3)” (LG, n. 39). “É, pois, bem claro que todos os fiéis, seja qual for o seu estado ou classe, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (Ibid., n. 40).
A santidade de que fala o Concílio e a que todos são chamados, não se deve conceber como um ideal meramente teórico, lindo sim, mas fora do alcance. A sua procura não deve ser algo de abstracto, de genérico, mas um verdadeiro programa de vida. “Procurai a santidade diz o Santo Padre na existência quotidiana” (Homilia em Maribor, 19 de Maio de 1996, em: Insegnamenti, XIX/1, 1996, pp. 1288-2293), no quotidiano da vida. A santidade não consiste certamente em fazer coisas extraordinárias, mas em fazer de maneira extraordinária as coisas de todos os dias. “O ideal da perfeição observa ainda o Papa não deve ser objecto de equívoco, vendo nele um caminho extraordinário percorrido apenas por algum “génio” da santidade. Os caminhos da santidade são variados e apropriados à vocação de cada um” (NMI, n. 31).
Por outro lado, a santidade cristã não deve ser vista como uma espécie de alienação do homem, mas antes como a sua realização plena, segundo o plano de Deus criador. É um dom da graça que aperfeiçoa a natureza humana. A santidade é, de facto, não a anulação, mas a plenitude da humanidade. Cristo é o homem perfeito, precisamente porque é a própria santidade encarnada.
A obrigação de tender à santidade é inseparavelmente unida à vocação baptismal. É uma verdadeira e própria exigência, directa e imediata, do primeiro sacramento da iniciação cristã. E por diversas razões.
Antes de mais, porque é no Baptismo que o catecúmeno recebe a santidade, tornando-se nova criatura com a graça santificante. “É um dom que se torna também conquista. A santidade ontológica torna-se, assim, santidade moral, graças ao empenho de pôr constantemente em prática os sentimentos que havia em Cristo Jesus (Fl 2, 5)” (Angelus de 20 de Março de 1987).
Em segundo lugar, a santidade é uma exigência do Baptismo, enquanto este é um verdadeiro ingresso na santidade de Deus. Desta afirmação o Papa tira uma conclusão extremamente importante: “Se o Baptismo é um verdadeiro ingresso na santidade de Deus, … seria um contra-senso contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma ética minimalista e uma religiosidade superficial. Perguntar a um catecúmeno: “Queres receber o Baptismo?” significa, ao mesmo tempo, pedir-lhe: “Queres fazer-te santo?”. Significa colocar na sua estrada o radicalismo do Sermão da Montanha” (NMI, n. 31). A vocação baptismal é, portanto, em si mesma, uma verdadeira vocação à santidade.
Por fim, a santidade é uma exigência do Baptismo, enquanto, incorporando-nos em Cristo, incorpora-nos também na Igreja, que é, em si mesma, mistério de santidade. O dever de tender à santidade afirma o Papa nasce de “uma exigência do mistério da Igreja que não se pode suprimir: esta é a vinha escolhida, por meio da qual os ramos vivem e crescem com a mesma linfa santa e santificadora de Cristo; é o corpo místico, cujos membros participam da mesma vida de santidade da cabeça que é Cristo; é a esposa santa do Senhor Jesus, que Se ofereceu a Si mesmo para santificá-la” (cf. Ef 5, 22 ss.; CL, n. 16).
Eis por que a santidade não é algo de facultativo; não é um luxo ou privilégio de uns tantos, um património de poucos, mas um dever que empenha todos os baptizados. O “duc in altum” (Lc 5, 4; NMI, 1) faz-te ao largo, aspira à “medida alta da vida cristã”, ou seja, à santidade é dirigido a todos os baptizados e a cada um deles.
Gostaria de fazer algumas considerações também sobre o contributo que os Santos e o seu culto deram à cultura.
Os Santos “saíram da sacristia” para serem estudados e apresentados também como personagens, histórica e culturalmente significativas, na vida da Igreja e da sociedade do seu tempo. Assim, não dizem respeito apenas à Igreja e aos crentes, mas a quantos se ocupam de história, cultura, vida civil, política, pedagogia, etc. Assim, a missão desses extraordinários homens de Deus continua, de maneira diferente, mas em todo o caso eficaz, a servir o bem da sociedade inteira. É significativo a esse respeito o facto de o Arquivo da Congregação das Causas dos Santos ser frequentado não só por “eclesiásticos adidos ao trabalho”, mas também por estudiosos leigos, que dele se servem para teses de doutoramento, estudos de história, de pedagogia, sociologia, etc., porque nele encontram material abundante e historicamente sério.
1) A santidade incide, portanto, e com uma particular valência, também na cultura. Os Santos favoreceram o aparecimento de novos modelos culturais; ajudaram a dar novas respostas aos problemas e grandes desafios dos povos, a criar novos progressos de humanidade no caminho da história. É uma realidade, que João Paulo II fortemente sublinhou. “É uma herança (a dos Santos) diz ele que não se deve perder, mas fazer frutificar num perene dever de gratidão e num renovado propósito de imitação” (NMI, n. 7).
Os Santos são como faróis; indicaram aos homens as possibilidades de que o ser humano dispõe. Por isso, são extremamente significativos, mesmo culturalmente, independentemente da abordagem cultural, religiosa ou de estudo, com que deles se abeira. Um grande filósofo francês do século XX, Henry Bergson, observava que “as maiores personagens da história não foram os conquistadores, mas os Santos”. Por sua vez, Jean Delumeau, um historiador do Catolicismo de Quinhentos, convidava a ver como as grandes retomadas de consciência na história da cristandade fossem caracterizadas por um regresso às fontes, ou seja, à santidade do Evangelho, provocada pelos Santos e pelos movimentos de santidade na Igreja.
Em tempos mais recentes, o Cardeal Joseph Ratzinger justamente afirmava que não são as maiorias ocasionais, formadas aqui e além na Igreja, que decidem sobre o seu e o nosso caminho. Os Santos são a verdadeira e determinante maioria, pela qual nos orientamos, com a qual nos adequamos. Traduzem o divino no humano, o eterno no tempo.
2) Num mundo em mudança, os Santos não só não são marginalizados histórica e culturalmente, mas acho dever deduzi-lo estão a tornar-se um tema cada vez mais interessante e credível. Numa época em que se assiste ao ruir das utopias colectivas, numa época de desconfiança e de apatia por tudo o que seja teórico e ideológico, está a surgir uma nova atenção para com os Santos, figuras singulares onde se encontra, não uma teoria e nem sequer uma simples moral, mas um plano de vida que deve ser narrado, descoberto com o estudo, amado com a devoção e praticado com a imitação.
Perante este despertar de atenção para com os Santos não nos resta que alegrar-nos, porque os Santos são de todos; são um património da humanidade que a leva a superar-se num progresso que, dignificando o homem, dá também glória a Deus, pois “a glória de Deus é o homem que vive” – “Gloria enim Dei vivens homo” (S. Ireneu, Adv. Haer., IV, 20, 7).
6. O mundo de hoje precisa de Santos
“A santidade não como ideal teórico, mas como caminho a percorrer no fiel seguimento de Cristo, é uma exigência extremamente urgente no nosso tempo” (João Paulo II, Alocução de 5 de Fevereiro de 1992, em: Insegnamenti, XIV/1, 1992, pp. 304-305).
A Igreja e o mundo, portanto, têm uma grande necessidade de Santos. Hoje, porém, diz Simone Weil, “não basta ser santo: é necessária a santidade que o momento presente exige, uma santidade nova, também ela sem precedentes… O mundo precisa de Santos que tenham genialidade, como uma cidade onde grassa a peste tem necessidade de médicos” (Simone Weil, Attesa di Dio, 2ª ed., Milão 1984, 69-70).
Em concreto, o homem contemporâneo precisa de “Santos capazes de traduzirem no hoje da Igreja e do mundo a vida e as palavras de Cristo, “o Santo de Deus” (Mc 1, 24); de Santos, cujo rosto se torne epifania de Deus, dos tantos raios de luz e graça as bem-aventuranças que irradiam do rosto de Cristo morto e ressuscitado; de Santos, em que o Espírito Santo sopra e “fala” com doçura e, ao mesmo tempo, com tenacidade; de Santos, em quem os homens possam entrever o tesouro da graça que é Cristo (cf. NMI, n. 29)”. (A. Cazzago, Santi e santità nel magistero di Giovanni Paolo II, em: Communio, n. 186, 2002, pp. 38-39); de Santos que sejam verdadeiras testemunhas de Cristo e do seu Evangelho, porque “o homem contemporâneo como diz Paulo VI na Evangelii nuntiandi escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres… ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas” (EN, n. 41).
Particularmente significativas são, a propósito, as palavras do Beato Cardeal Schuster, Arcebispo de Milão: “As pessoas já não se deixam convencer com a nossa pregação. Mas, diante da santidade, ainda crêem, ainda se ajoelham, ainda rezam. Se passa um Santo, seja vivo ou morto, todos lhe correm atrás. Foi assim com Don Orione, e assim com Dom Calábria: o demónio não teme os nossos campos de desporto, os nossos cinemas; teme a nossa santidade. Abençoo-vos. Sede santos” (Citado por Bernardo Citterio, em: I miei sette Cardinali, Centro Ambrosiano, 2002, pág. 61).
Gostaria de concluir com o convite que o actual Sumo Pontífice fez aos jovens na sua Mensagem por ocasião do XV Dia Mundial da Juventude: “Jovens de todos os Continentes, não tenhais medo de ser os Santos do novo milénio” (João Paulo II, Mensagem, n. 3). Convite que vale para todos os que têm coração jovem, independentemente da idade cronológica e, portanto, para todos os que, no Baptismo, foram renovados na eterna juventude do Espírito.