“No primeiro dia da semana, estando nós reunidos para partir o pão, Paulo, que havia de viajar no dia seguinte, conversava com os discípulos e prolongou a palestra até a meia-noite” (At 20,7).
Introdução
Os adventistas que se pautam nos escritos da Sra. Ellen White, dizem que foi o Papa que alterou a observância do Dia do Senhor do Sábado para o Domingo. Neste trabalho confrontaremos os argumentos adventistas, com a história da Igreja e a Sagrada Escritura mostrando se realmente tais acusações procedem.
As afirmações de Ellen White sobre o Domingo
Relatando uma de suas visões assim Ellen White se expressa:
“Eu vi que Deus não mudou o Sábado, pois Ele nunca muda. Mas o Papa o mudou, do sétimo para o primeiro dia da semana, pois ele mudaria os tempos e as leis” (1).
“Numa visão dada em Junho 27, 1850, O anjo que me acompanhava disse, O tempo está quase no fim. […] O papa mudou o dia de descanso do sétimo para o primeiro dia da semana (2).
Diz ela que quem adorar a Deus no Domingo receberá a Marca da Besta:
Eu vi que todos os que não receberam a marca da Besta, e sua imagem, nas suas testas ou em suas mãos não poderiam comprar nem vender nada.[ Ap. 13: 15–17.] Eu vi que o número (666) da Besta tinha se completado; [Ap. 13: 18.] e que foi a Besta que mudou o Sábado, e que os que tinham a imagem da besta a seguiram, e obedeceram o sábado do Papa, e não o de Deus. E tudo o que nos foi requerido é que deixássemos o Sábado de Deus, para guardar o do Papa, e, então, NÒS teríamos a marca da Besta e de sua imagem (3).
Que Papa mudou o Sábado para o Domingo? É claro que a Sra. Ellen White não disse, pois aí seria muito fácil desmascarar a sua mentira.
Quem foi o Papa que alterou a Lei de Deus?
Como a pseudoprofetisa do Adventismo não revelou que Papa foi esse (e por razões óbvias), deixou aos seus seguidores o encargo de descobrir… Claro! O diabo gosta de brincar com as almas de boa fé, distraindo-as enquanto as encaminha para o inferno.
Em 1977, Robert L. Odom declara numa importante revista adventista (4) que foi o Papa Silvestre quem efetuou a mudança do Sábado para o Domingo. Para isto se baseia em trechos da obra de Rubano Mauro (776-856), antigo abade de Fulda, depois Bispo de Mainz (Alemanha), onde lemos:
O Papa Silvestre instruiu os clérigos a guardar as feriae [feriados]. E, de fato, baseando-se numa antiga tradição, ele chamou o primeiro dia (da semana) de “Dia do Senhor!”, no qual a luz foi feita no princípio e no qual se celebra a Ressurreuição de Cristo.
“Mas ele [Papa Silvestre] os ordenou a chamar o Sábado de acordo com o antigo nome da Lei, e a chamar o primeiro feriae de Dia do Senhor, pois nele o Senhor ressurgiu dos mortos, Além disto, o mesmo papa decretou que o descanso do Sábado deveria ser transferido para o Dia do Senhor, para que, neste dia, nós descansemos dos trabalhos da semana para o lovor ao Senhor.
Algumas considerações valem serem feitas aqui. Infelizmente muitas das informações que se tem sobre o pontificado do Papa Silvestre são lendárias. Tais lendas foram introduzidas com o “Vita beati Sylvestri” (Vida do beato Silvestre) documento surgido no leste europeu e que foi preservado em grego, siriáco. Em latim, no “Constitutum Sylvestri”, narrativa lendária acerda de um Concílio Romano nunca realizado que pertence às farsas symachiannas e aparecerem entre 501 e 508. A mesma lenda consta no “Donatio Constantini” (Doação de Constantino), narrando a perseguição do Papa Silvestre, a cura e o batismo do Imperador Constantino e sua doação ao Papa, e dos direitos dados a este, num Concílio em Roma, tudo não passando de lendas (5). Logo, as informações de Rubano Mauro, sobre as ações do Papa, vem de fonte não confiável.
Depois o próprio Rubano Mauro diz que o Papa baseando-se em antiga tradição manda chamar o primeiro dia da semana de Dia do Senhor e o sétimo de Sábado, bem como observar este em detrimento daquele. Ora, isso mostra que não foi o Papa que inventou isso.
Com efeito, antes do tempo do Papa Silvestre, o Concílio Regional de Elvira realizado no ano 300 de nossa era já confirmava a observância cristã do Domingo como Dia do Senhor. Alguns adventistas dizem que foi aí que realmente se deu a mudança. Deveriam saber que um Concílio Regional não tem força de obrigar toda a Igreja, logo a tese deles vai por água abaixo.
Antes mesmo do Concílio Regional de Elvira, Tertuliano em sua fase católica deu testemunho de que no século II os cristãos já observavam o Domingo:
“Outros, de novo, certamente com mais informação e maior veracidade, acreditam que o sol é nosso deus. Somos confundidos com os persas, talvez, embora não adoremos o astro do dia pintado numa peça de linho, tendo-o sempre em sua própria órbita. A idéia, não há dúvidas, originou-se de nosso conhecido costume de nos virarmos para o nascente em nossas preces. Mas, vós, muitos de vós, no propósito às vezes de adorar os corpos celestes moveis vossos lábios em direção ao oriente. Da mesma maneira, se dedicamos o dia do sol para nossas celebrações, é por uma razão muito diferente da dos adoradores do sol. Temos alguma semelhança convosco que dedicais o dia de Saturno (Sábado) para repouso e prazer, embora também estejais muito distantes dos costumes judeus, os quais certamente ignorais” (Tertuliano 197 d.C. Apologia part.IV cap. 16) (grifos meus).
Antes mesmo de Tertuliano, S. Justino de Roma já dava testemunho do culto a Deus aos domingos:
“67. Depois dessa primeira iniciação, recordamos constantemente entre nós essas coisas e aqueles de nós que possuem alguma coisa socorrem todos os necessitados e sempre nos ajudamos mutuamente. Por tudo o que comemos, bendizemos sempre ao Criador de todas as coisas, por meio de seu Filho Jesus Cristo e do Espírito Santo. No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se lêem, enquanto o tempo o permite, as Memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas. Quando o leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos esses belos exemplos. Em seguida, levantamo-nos todos juntos e elevamos nossas preces. Depois de terminadas, como já dissemos, oferece-se pão, vinho e água, e o presidente, conforme suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças e todo o povo exclama, dizendo: Amém. Vem depois a distribuição e participação feita a cada um dos alimentos consagrados pela ação de graças e seu envio aos ausentes pelos diáconos. Os que possuem alguma coisa e queiram, cada um conforme sua livre vontade, dá o que bem lhe parece, e o que foi recolhido se entrega ao presidente. Ele o distribui a órfãos e viúvas, aos que por necessidade ou outra causa estão necessitados, aos que estão nas prisões, aos forasteiros de passagem, numa palavra, ele se torna o provedor de todos os que se encontram em necessidade. Celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus, transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que o crucificaram um dia antes do dia de Saturno e no dia seguinte ao de Saturno, que é o dia do Sol, ele apareceu a seus apóstolos e discípulos, e nos ensinou essas mesmas doutrinas que estamos expondo para vosso exame” (Justino de Roma 155 d.C, I Apologia cap 67) (grifos meus).
Antes mesmo de S. Justino, S. Inácio de Antioquia também confirmava o antigo costume entre os cristãos:
“9. Aqueles que viviam na antiga ordem de coisas chegaram à nova esperança, e não observam mais o sábado, mas o dia do Senhor, em que a nossa vida se levantou por meio dele e da sua morte. Alguns negam isso, mas é por meio desse mistério que recebemos a fé e no qual perseveramos para ser discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre. Como podemos viver sem aquele que até os profetas, seus discípulos no espírito, esperavam como Mestre? Foi precisamente aquele que justamente esperavam, que ao chegar, os ressuscitou dos mortos. 10. Portanto, não sejamos insensíveis à sua bondade. Se ele nos imitasse na maneira como agimos, já não existiríamos. Contudo, tornando-nos seus discípulos, abraçamos a vida segundo o cristianismo. Quem é chamado com o nome diferente desse, não é de Deus. Jogai fora o mau fermento, velho e ácido, e transformai-vos no fermento novo, que é Jesus Cristo. Deixai-vos salgar por ele, a fim de que nenhum de vós se corrompa, pois é pelo odor que sereis julgados. É absurdo falar de Jesus Cristo e, ao mesmo tempo judaizar. Não foi o cristianismo que acreditou no judaísmo, e sim o judaísmo no cristianismo, pois nele se reuniu toda língua que acredita em Deus ” (Santo Inácio de Antioquia, aos Magnésios. 101 d.C.) (grifos meus).
Antes mesmo de S. Inácio, o primeiro Catecismo Cristão testifica a antiga guarda do domingo:
“Reúnam-se no dia do Senhor [= dominica dies = domingo] para partir o pão e agradecer, depois de ter confessado os pecados, para que o sacrifício de vocês seja puro” (Didaqué 14,1. 96 dC) (grifos meus).
Logo provamos que a guarda do Domingo é doutrina perene na Igreja primitiva.
Conclusão
A acusação da Sra. Ellen White contra a Igreja Católica é duplamente falsa. Primeiro porque segundo ela os cristãos que observam o domingo o fazem por ordem de um Papa, sendo que mesmo no NT já encontramos indícios de tal observância e os testemunhos primitivos o confirmam. Segundo porque nenhum Papa efetuou esta mudança. Até hoje os seguidores de Ellen White tentam em vão descobrir o Papa que supostamente a tenha feito.
Ainda que um Papa a tivesse feito, isso seria prova do Primado de Pedro, doutrina negada pelos protestantes. Com isto, se apóiam em artigos de fé que eles mesmos negam. Quanta incoerência!
Por último não adianta os adventistas guardarem o Sábado ou outros protestantes o Domingo, se ambos não tem a Missa. Só se adora a Deus na Missa. A Missa é a plenitude dos antigos sacrifícios oferecidos pelos sacerdotes levitas. Afinal, Cristo prometeu levar a Lei à perfeição, não aboli-la (cf. Mt 5,17).
Notas
(1) WHITE, Ellen. A Visão de 7 de Abril de 1847, parágrafo 3. Word to the Little Flock, P. 18. Trecho traduzido por Alexandre Semedo.
(2) WHITE, Ellen. Marca da Besta. Early Writings, p. 65. Trecho traduzido por Alexandre Semedo.
(3) WHITE, Ellen. A Word to the Little Flock, page 19, paragraph 1 .April 7, 1847. Trecho traduzido por Alexandre Semedo.
(4) ODOM, Robert L. Sabbath and Sunday in Early Christianity, .The Review and Herald Publishing Association (An Adventist publishing house), 1977. Pgs. 247-248.
(5) From the Catholic Encyclopedia article on Pope Sylvester. Disponível em http://www.newadvent.org/cathen/14370a.htm.