Hermas de Roma: O Pastor (Índice Geral)

Esta obra foi escrita em meados do segundo século por Hermas.

No Cânon de Muratori1 se lê: “E muito recentemente, em nossa época na cidade de Roma, Hermas escreveu o Pastor, quando seu irmão Pio, o bispo, ocupava a cátedra de Roma”. Ora, o governo do papa Pio data de 142 a 155 mais ou menos. O Pastor teria sido escrito por esta data, por volta de 150, e o Cânon de Muratori por volta do ano 200. Na Visão II,4:3, a mulher idosa que aparece a Hermas (alegoria da Igreja) pede que ele entregue “uma cópia do livro a Clemente e outra a Grapta. Clemente o enviará a outras cidades: é sua missão”. Trata-se de Clemente de Roma? Seria um artifício literário, pré-datando a obra para colocá-la sob o patrocínio do grande bispo de Roma, garantido-lhe, assim, autoridade e importância? Ou o texto das quatro primeiras visões seria obra da juventude de Hermas, datando, portanto, do tempo de Clemente, isto é, por volta de 96? Ou, de fato, só começa na quinta Visão, datando esse novo texto do tempo do Papa Pio? A antiga versão latina intitula a quinta Visão: Visio quinta, initium Pastoris (Visão quinta, início do Pastor). Mas, até o momento, predomina, entre os estudiosos, a opinião que se considera o Pastor obra surgida por volta do ano 150 d.C

Foi um dos escritos mais considerados da antiguidade cristã. Estranha enquanto vazada do gênero apocalíptico, cuja essência decorre dos diálogos obtidos através de visões de seres celestes.

Esta obra foi, por muito tempo, tida como inspirada, inclusive alguns a colocavam no Cânon do NT. As frequentes referências que se encontram dela em várias obras do período patrístico, demonstram a alta estima em que era tida.

Eusébio de Cesaréia afirma que Ireneu não só conheceu esta obra, mas que a tinha como Escritura inspirada, apontando para Contra as Heresias 4:20,2 de Ireneu.

Clemente de Alexandria retoma em sua obra Stromates 1:29; 2:10, a passagem da parábola 9:16. Orígenes supera Clemente em apreço e estima pelo Pastor, cujas citações se multiplicam por várias de suas obras.

Orígenes era um dos defensores da inspiração divina desta obra: “[…]escritura que a mim se parece muito útil e, ao que creio, divinamente inspirada[…]” (In Rom 10:31). Porém, Orígenes também reconhece que muitos não compartilhavam de seu pensamento: “Se se nos permite, para suavisar este ponto, , alegar o testemunho da Escritura que corre na Igreja, porém não é por todos unanimente reconhecida por divina […]” (Comment. in Mat 14:21).

A obra era muito usada no cristianismo primitivo para instruir aqueles que acabavam de entrar na Igreja e queriam ser instruídos na piedade, como podemos comprovar no início do século IV no testemunho de Eusébio “que este livro é contestado por alguns que não o põem entre os livros recebidos unanimente, mas que outros julgam muito necessário, sobretudo, para os que necessitam de uma instrução elementar. Por isso sabemos que se lê publicamente nas Igrejas e constatei que alguns dos mais antigos escritores se serviram dele”. (HE, III,3:6)

São Jerônimo, em seu De vir. ill. 10 escreve que: “Hermas, de quem faz menção, o apóstolo Paulo escreveu aos romanos […], assegura que é autor do livro intitulado o Pastor, e que se lê publicamente em algumas igrejas da Grécia. Na realidade, é livro útil, e dele testemunham muitos escritores antigos, porém, entre os latinos é quase desconhecido”.

Após larga difusão, especialmente, no Oriente, nas Igrejas gregas, inspirado para uns, apenas útil todos e até mesmo recusado por outros, o Pastor foi, definitivamente, colocado entre os apócrifos após o Concílio Ecumênico de Hipona em 393, onde a Igreja definiu o catálogo bíblico.

Conteúdo da Obra

Trata-se de uma obra longa, com 114 capítulos dispostos em 3 partes:

5 visões – capítulos 1 ao 25
12 mandamentos – capítulos 26 ao 49
10 Parábolas – capítulos 50 ao 114


A preocupação central de Hermas não é doutrinário-dogmática, mas moral. Seu argumento principal é a necessidade de penitência indo ao encontro da misericórida divina.

Confiante na misericórdia de Deus, Hermas crê numa nova possibilidade de perdão além do batismo. É esta, propriamente, a grande mensagem da obra. Dessa maneira, ele se posiciona contra os rigoristas, corrente que se firmava em Roma, sustentando que não havia outra penitência além daquela do batismo.

O leitor notará que o conceito de penitência, isto é, meios de santificação do homem, corresponde aos Sacramentos da Igreja.

O batismo é a primeira grande penitência que apaga os pecados. Antes de ser batizado, o homem está morto. A Parábola 9:16 elenca todos os efeitos do batismo. Só após receber o selo batismal, o homem leva o nome do Filho de Deus.

No setor das ações, Hermas chama a atenção para o grande valor do jejum, do celibato e do martírio.

A Eclesiologia em Hermas, domina a idéia de que a Igreja é uma instituição necessária para a salvação. A Igreja é a primeira de todas as coisas criadas (Visão 2,8:1), realidade que preexiste ao mundo criado. Por isso ela lhe aparece sob a forma de uma mulher idosa. Mas a figura mais significativa sob a qual a Igreja se apresenta a Hermas, é na alegoria de uma torre (Visão 3,3-5). Este símbolo representa a Igreja dos vencedores, a Igreja Triunfante. Este edifício feito de pedras, tem o Filho de Deus como rocha, e como fundamento os patriarcas e profetas do AT, depois os apóstolos, os bispos, doutores e os servidores humildes.

Quanto a Cristo, Hermas não emprega nenhuma vez, ao longo de sua obra, os termos Jesus Cristo, ou Logos. Chama-o de Salvador, Filho de Deus e Senhor.

A Cristologia de Hermas suscitou dificuldades, pois segundo sua obra, há duas pessoas em Deus: Deus Pai e Deus-Espírito-Filho. Para Hermas o Filho de Deus é o Espírito Santo encarnado (Parábola 5,6:5-7; 9:1).

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