5. O COMUNISMO, O CAPITALISMO E A LIBERDADE
A maior parte dos projetos legislativos, dos slogans políticos e dos chamarizes radicais de nossos dias dizem respeito à satisfação das necessidades materiais. O refrão comunista é “empregos”; o slogan do homem político é “trabalho”; a promessa do legislador é “segurança material”. Acrescenta-se a isso o triste fato de milhões de cidadãos, com o corpo e alma devastados por uma civilização materialista, terem chegado ao ponto de se mostrarem desejosos de sacrificar a última migalha de liberdade pelo banquete da segurança. O grito deles não foi compreendido pelos reformadores. Por clamarem os homens por segurança, descuidaram-se os nossos reformadores de indagar daquilo de que realmente necessitam. O homem faminto pede pão, quando na verdade o que lhe falta é vida.
“O corpo é mais que a roupa, e a vida mais que o pão.” Os desempregados, os deserdados da sociedade, este pobre barro que é a humanidade, todos pedem “trabalho”, mas o que realmente lhes falta é independência. O homem normal não quer ser alimentado nem por intervenção social nem pelo Estado; quer ter os meios de se alimentar por si mesmo. Por outras palavras, quer liberdade. Mas, como dissemos no ultimo capítulo, só há uma base econômica sólida para a liberdade individual; é a mais larga distribuição da propriedade.
Propriedade é aqui tomada principalmente no sentido de propriedade produtiva, tal como a terra, a participação nos lucros, a administração ou propriedade da indústria. Propriedade não significa, distribuição da riqueza criada, tal como o pão, os circos e os empregos, mas uma redistribuição da riqueza criadora; não rações distribuídas por uma repartição ou um empregador, mas uma participação na posse dos bens produtivos. A liberdade para ser real, concreta e exeqüível tem de ser fundada na ordem econômica, isto é, na independência. Como Roas Hoffman tão bem formulou:
- “Na verdade, quando os partidários da Esquerda empregam a palavra liberdade, tomam-na num sentido tão largo que não significa a condição em que os indivíduos podem agir por livre escolha e em assuntos da mais alta importância humana, mas antes um aumento das horas de lazer e dos artigos de consumo para as massas. Com o verdadeiro crime que o capitalismo industrial tem perpetrado contra a liberdade, isto é, a destruição de sua base econômica na propriedade privada difundida, não parecem mostrar-se de modo algum ofendidos. Falam em aumentar os salários e reduzir as horas de trabalho, em nacionalizar este ou aquele instrumento de produção, em diversas formas de segurança social, em melhorar a habitação fornecida pelo Estado, em serviços sociais mais amplos – sim, em mais abundante vida – mas não falam muito em liberdade, a não ser para empregarem essa nobre palavra no sentido do direito político de reivindicarem publicamente esses fins servis. Pois a verdade é que o objetivo de quase todo este esforço coletivista não é a liberdade própria do homem que goza de livre arbítrio, mas um mecanismo econômico que engendre de modo suave a satisfação de apetites materiais ilimitados”.
?A essa situação chegou o grande movimento pela liberdade Humana começado século e meio atrás. O esforço para restaurar a República (essa coisa pública que se distingue da coisa privada e também da coisa real) tornou-se gradativamente um esforço para criar o Soviet, que se pode definir como o resultado da absorção de todas as coisas privadas pela coisa pública; do esbulho que sofrem os homens em tudo exceto sua cidadania, que é depois degradada; da estandardização e isolamento dos homens, indefesos diante do poder público; da transformação de uma federação hierárquica de autonomias da pessoa, da família e do grupo numa simples comunidade da massa. Quanto decaímos do velho idealismo republicano!
Os liberais dos velhos tempos, que combateram e derramaram seu sangue pela liberdade, que sabiam o que ela vale e por que devem os homens possuí-la, que professavam um credo de direitos naturais contra o qual nenhum poder podia legalmente investir – esses liberais não mais existem. E em sua esteira vieram os seus epígonos, homens de um credo diferente ou sem credo, homens que comumente equiparam o liberalismo a uma aventura sociológica do mais arbitrário tipo.? [1]
Sem propriedade, pode o santo conseguir a liberdade espiritual, mas nos quadros da ordem social atual torna-se impossível a quem está longe de ser santo conseguila sem propriedade. De lamentar é que poucos hoje em dia em nosso pais se mostrem interessados na restauração da liberdade, a não ser na liberdade compreendida como licença ou lazer. Não se pode impor aos homens a verdadeira independência, como tampouco podemos impor-lhes a independência bolchevista.
Precisam amar a liberdade para então lutar por ela; de outro modo o Estado e os patrões continuarão atirando-lhes cada vez mais promessas de segurança para conservá-los calados, assim como quem atira postas de carne a um leão enjaulado.
As grandes massas deste pais devem uma vez mais fazer acordar em si o espírito de independência que deu nascimento aos Estados Unidos , ou terão de agir, pensar e viver da maneira que lhes é imposta pelos homens que as alimentam. Desgraçadamente, o instinto da propriedade, a liberdade e a independência não se mostram fortes em nossa vida nacional simplesmente porque os homens perderam o senso da responsabilidade, e liberdade e responsabilidade são coisas inseparáveis. É intento destes capítulos reacender o amor da liberdade na coração dos deserdados, animando-os a pedir mais do que pão, não como homens insaciáveis, mas como pessoas humanas, isto é, a restauração da propriedade como base econômica da integridade da família, como garantia da independência econômica, como fundamento para a liberdade de consciência e como legítima expressão de um cidadão dos Estados Unidos da América.
Suponhamos, porém, que chegamos a convencer as massas a pleitearem a liberdade de preferência à segurança; qual seria a objeção da parte daqueles que concentram em suas mãos a propriedade produtiva do país? Que diria o capitalismo? Sabemos a resposta: ?Meu direito à propriedade é absoluto. Sendo um direito tanto natural quanto civil, não admito que ninguém venha me dizer como usá-lo. Do direito que tenho a ela decorre o direito de usá-la como eu quiser.? Será isso verdade? Terá o homem direito a possuir a propriedade? Sim. A propriedade privada é direito natural do homem, e exercer esse direito, especialmente como membro da sociedade, é não somente legal, mas absolutamente necessário. (Rerum Novarum.) ?A abolição da propriedade privada não daria resultados benéficos, mas gravemente prejudiciais.? (Quadragesimo Anno.) [2]
Mas conquanto tenha o homem um direito natural à propriedade privada, não é absoluto esse direito. Só Deus tem direitos absolutos. O princípio de uma limitada e incondicional propriedade do dinheiro, dos bens materiais e econômicos é falso e inadmissível. O homem é apenas o administrador da riqueza – não o seu Criador. Logo desde o início da discussão a respeito da propriedade, estabeleceu a Igreja uma distinção extremamente importante entre o ?direito? à propriedade e o seu ?uso?. ?Deve-se distinguir entre o direito à propriedade e o seu uso… É ocioso discutir que o direito da propriedade e seu justo uso estão restringidos pelos mesmos limites.? [3] A propriedade tem um duplo aspecto: individual e social; [4] o direito à propriedade é pessoal, mas o uso ou a função da propriedade é social. Não é muito acertado imaginar a propriedade como divina somente entre o ?meu? e o ?teu?. Lembra-nos a Igreja que também existe o que se chama ?nossa propriedade?, porque em dadas circunstâncias o ?direito dos outros? pesa sobre o meu direito; em caso de miséria extrema pode tornar-se um ?direito individual?. Por exemplo, o direito à vida está acima do direito à propriedade; por isso, se o rico recusar o pão a um homem que morre de fome, e se este não tiver outro meio de obter pão, terá direito de se apoderar do que for necessário à preservação de sua vida, não sendo isso roubo. Não poderia ele fazer isso se o direito à propriedade fosse absoluto e não condicionado pelo seu uso. Comumente, entretanto, a ?função social? da propriedade é determinada por aqueles que se ocupam da sociedade.
?Demonstra a história que os direitos de propriedade, tais como outros elementos da vida social, não são absolutamente rígidos, e nós mesmos numa ocasião anterior já expressávamos essa doutrina nos seguintes termos: ?Que variadas formas tem assumido o direito de propriedade! Primeiro, a forma primitiva usada entre os povos rudes e selvagens, forma que ainda existe em certas localidades mesmo em nossos dias; depois, a da era patriarcal; mais tarde, surgiram vários tipos tirânicos (empregamos a palavra em sua significação clássica) ; finalmente o sistema feudal e monárquico até as variedades de épocas mais recentes.? (Congresso de Ação Católica, 1926.) ?É claro, entre tanto, que o Estado não pode desobrigar-se desse dever de uma maneira arbitrária. O direito natural de o homem possuir e transmitir a propriedade pela herança deve permanecer intacto e o Estado não lho pode tirar.? (R. N.) ?Pois o homem precede o Estado e o lar doméstico é anterior, tanto em idéia como de fato, ao agrupamento de homens numa comunidade.?? (Rerum Novarum.)
Portanto, o prudente Pontífice já havia declarado ilegal, da parte do Estado, exaurir os recursos dos indivíduos esmagando -os com imposto s e tributos, ?O direito de possuir a propriedade privada promana da natureza, não do homem; e o Estado não tem de modo algum o direito de aboli-lo, mas apenas o de controlar o seu uso e o de colocá-lo em harmonia com os interesses do bem comum.? (R. N.) – Quadragesimo Anno. Quão salutar e fundamental é essa distinção entre o direito e o uso, pode-se ver focalizando-a num caso concreto. Por exemplo, podemos possuir como propriedade privada tapetes em nossa casa, mas uma postura municipal proíbe sacudi-los à janela de nosso apartamento, porque o nosso direito à propriedade está socialmente condicionado, isto é, condicionado pelo uso que dele fizermos em relação ao próximo. Podemos ter o direito de possuir um carro como propriedade privada, mas não podemos usá-lo para transitar pelas calçadas. Podemos possuir uma adega, mas não podemos usá-la a ponto de nos entregarmos à embriaguez; podemos possuir um terreno, mas não podemos construir nele um botequim contíguo a uma escola. A questão de saber como deve alguém usar de seus bens não é inseparável nem impertinente ao direito desse alguém a eles. O direito de possuir pode ser pessoal, mas o direito é até certo ponto condicionado pelo uso. A idéia fundamental é que não podemos exercer os nossos direitos de modo a prejudicar ou interferir no bem comum, e se somos cristãos devemos sempre fazer uso de nossos direitos de modo a ajudar nosso irmão em Cristo a atingir seu pleno desenvolvimento espiritual como membro do Corpo Místico do Cristo.
Suponhamos que se abuse do direito à propriedade; será o direito imediatamente destruído pelo abuso? Suponhamos que um patrão não está pagando um salário vital; quer isso dizer que os operários podem apoderar-se de sua fábrica? Não! ?O abuso ou mesmo o não-uso da propriedade não destrói ou prescreve o direito a ela.? (Rerum Novarum.) Tal princípio concorre para a solução das greves pacíficas.
Porque um homem passa com seu carro por cima dos canteiros de um jardim, não perde direito ao carro, mas suscita condições a esse direito. Dá -se o mesmo com a propriedade; se a indústria abusa de seus direitos de propriedade, é justo que o Estado os limite ou neles interfira no interesse do bem comum. ?O direito à propriedade não é absolutamente rígido… Definir pormenorizadamente os deveres (para com o bem comum), quando se tornar necessário e quando a lei natural não o fizer, é função do governo. Contanto que se observem a lei natural e a lei divina, a autoridade pública pode, visando o bem comum, especificar com mais exatidão o que é lícito e o que é ilícito aos proprietários no uso de seus bens.? Além disso, ensinou sabiamente Leão XIII que ?a definição da propriedade privada foi deixada por Deus ao próprio engenho do homem e às leis dos povos… Muito valiosos e dignos de todo o louvor são, portanto, os esforços daqueles que, num espírito de harmonia e com o respeito devido às tradições da Igreja, procuram determinar a natureza exata de seus deveres e definir os limites impostos pelas exigências da vida social ao próprio direito de propriedade e a seus usos. Pelo contrário, é grave erro enfraquecer o caráter individual da propriedade a ponto de destruí-la…
Entretanto, quando a autoridade civil ajusta a propriedade para satisfazer às necessidades do bem público, não está agindo como inimiga, mas amiga dos proprietários privados; pois assim impede eficazmente que o domínio da propriedade privada, destinado pelo Autor da Natureza em Sua Sabedoria a prover a vida humana, venha a criar fardos intoleráveis e precipitar assim a própria destruição. Não visa, portanto, abolir, mas proteger a propriedade privada, e, longe de enfraquecer o direito da propriedade privada, dá-lhe um novo vigor.? (Quadragesimo Anno) .
CAPITALISMO
Uma vez compreendida a distinção entre o direito à propriedade e o seu uso, muito fácil será descobrir os dois erros fundamentais de nossos tempos: o capitalismo [6] e o comunismo. [7] O capitalismo insiste no direito à propriedade, mas esquece seu uso social; o comunismo insiste no uso social, mas esquece os direitos da pessoa; a Igreja insiste no direito da pessoa condicionada pelo bem comum. ?Há portanto um duplo perigo a ser constantemente evitado. De um lado, se se nega ou menospreza o aspecto social e público da propriedade, caímos no chamado individualismo, ou qualquer coisa semelhante; por outro lado, a rejeição ou diminuição de seu caráter privado e individual leva necessariamente ao coletivismo, ou pelo menos compele à adoção de seus princípios.? (Quadragesimo Anno.) Diz o capitalismo: ?Isto é meu para mim?; diz o comunismo: ?Isto é nosso para nós, mas eu, o ditador, digo-te quanto é teu.? O catolicismo diz: ?Isto é meu para nós.? No capitalismo as pessoas privadas absorvem o objetivo social; no comunismo o objetivo social absorve as pessoas privadas; no catolicismo as pessoas privadas vivem para uma finalidade social. As palavras que melhor exprimem o liberalismo e o capitalismo são: ?Tenho direito a esta propriedade; posso, portanto, fazer dela o que quiser, e não quero que nem o Estado, nem a Igreja, nem as organizações trabalhistas me digam como usála.?
Como vimos, tal não é verdade, pois ?uma coisa é ter direito à posse do dinheiro, e outra ter direito a usá-lo como se quiser? (Rerum Novarum.) O direito de usar não é nem o direito de abusar do bem comum, nem o de ignorá-lo. O direito individual à propriedade exige alguma justificação. O homem é responsável por sua propriedade não só perante si mesmo, mas também perante seu vizinho e perante Deus. Não há no Evangelho nenhum passo em que se diga haver o Rico praticado alguma ação desonesta ou pago mal um empregado; comia nababescamente todos os dias e vestia luxuosas roupas, o que para muitos americanos constitui o direito de todos os ricos; perdeu, porém, a alma por ter recusado reconhecer a responsabilidade social de sua riqueza, que lhe mandava repartir o seu supérfluo com o pobre mendigo à sua porta. Pecou não por não ter direito aos seus bens, mas porque não usou deles como devia. Os direitos de propriedade são, portanto, limitados pelo uso, tanto ao exercerem a Justiça como a Caridade. O homem deve usar de seus haveres em harmonia com o duplo caráter que têm: pessoal, quando se refere ao direito, e social, quando se refere à função.
O erro do liberalismo e do capitalismo é presumirem que, tendo o homem um título legal à propriedade, poderá fazer com ela o que quiser. Vão mesmo além ao pretenderem que o Governo existe só para proteger seus títulos legais à propriedade. Deve-se lembrar ao liberalismo e ao capitalismo que se requer mais alguma coisa além de uma escritura. Ao título legal deve-se acrescentar o titulo moral comprobatório de que a propriedade tem sido usada com proveito social e para o bem comum. O liberalismo só pensa nos direitos da propriedade, mas nunca em sua função. A Igreja lembra-lhe que o direito legal à propriedade não tem o mesmo valor que o direito moral. Um guarda tem o direito legal de andar armado, mas não lhe dá isso o direito moral de usar a arma para atirar nas crianças. O prefeito de uma cidade tem direito legal ao seu cargo, mas não o direito moral de usá-lo em detrimento do bem comum. Insiste-se demasiadamente hoje em dia no fundamento meramente contratual da propriedade, o que nos levou a construir uma ordem superficial em que o patrão fala de seu direito à propriedade, e o empregado de seu direito a um emprego, nenhum deles lembrado que a civilização e a cultura são edificados sobre a palavra dever.
Em vão, para se justificar, apela o liberalismo para o grande progresso que o mundo tem feito desde os tempos da Revolução Industrial; em vão gloria-se de ser a causa de vencimentos mais elevados, de novos engenhos, de uma vida mais farta e de uma existência mecanizada. Esses mais altos padrões de vida não são devidos à nossa ruptura com o conceito cristão de propriedade; ao contrário, são benefícios decorrentes de uma máquina que funciona numa época que ressuma a disciplina moral e a liberdade econômica do passado. Agora que está desaparecendo a herança cristã, o liberalismo está provando que não nos pode dar nem sequer o indispensável à vida. Os destroços do naufrágio da unidade cristã, vogando pelo mundo, agiram sobre o liberalismo e o capitalismo como oxigênio, dando-lhes a aparência de vida. Com o advento de uma civilização meramente pagã, qual a criada pelo liberalismo, morre por auto-intoxicação a civilização da máquina. A confusão em que hoje vivemos não é senão a prova concreta da falácia do poder sem a responsabilidade, dos direitos sem os deveres, dos privilégios sem as obrigações morais.
A propriedade privada perdeu muito da cotação que tradicional e legitimamente possuía. Segundo a tradição cristã e citando literalmente S. Basílio, Santo Tomás descreve-a como potestas procurandi et dispensandi ou o poder de administração e distribuição. Como poder é mais do que um direito: é um direito e também uma função, um direito para si mesmo e uma função a cumprir para o bem comum. Para a lei romana e para o liberalismo, a propriedade não é uma potestas mas um jus utendi et abutendi: o direito de usar e de abusar. De acordo com sua significação original e verdadeira, a propriedade era inseparável da responsabilidade, por ser o direito da pessoa inseparável das obrigações sociais. Sob o regime do liberalismo e do capitalismo monopolista ficou o direito à propriedade divorciado da responsabilidade e de suas funções sociais. A tendência atual é equiparar a propriedade às fontes de renda não à renda mais a responsabilidade. Essa distinção está concretamente formulada por Herbert Agar em seu livro Land of the Free: [8]
?Se eu possuir uma fazenda, ou uma tenda ambulante, ou um armazém num entroncamento ou um barco de pesca, terei tanto a responsabilidade quanto o controle. Meu sucesso ou fracasso dependerão em grande parte de minhas aptidões, de meu caráter e de minha reputação entre os meus vizinhos. Nos maus tempos poderei pelo menos lutar para salvar-me. Poderei perder a luta, mas de forma alguma ficarei sujeito de modo irremediável aos caprichos da finança anônima. É essa a espécie de propriedade que exerce influência moral sobre o proprietário. É essa a espécie de propriedade privada que pode ser defendida com argumentos de ordem moral. Mas se eu possuir dez ações da New York Central Stock, não terei nenhum controle, nenhuma responsabilidade; não existe o elemento moral em tal propriedade. Eu podia do mesmo modo possuir um bilhete de loteria; se tiver sorte, ganharei dinheiro; se não tiver, não ganharei. Pouco importa, em qualquer dos casos, ser um homem bom ou um patife, um homem habilidoso ou um estúpido.
?Essa acumulação de poder, a nota característica da ordem econômica moderna, é o resultado natural da competição livre ilimitada, que só permite a sobrevivência dos mais fortes, o que, muitas vezes, vale dizer daqueles que lutam do modo mais inexorável, pouca importância ligando aos ditames da consciência.? ?Essa concentração de poder levou a uma tríplic e luta pela dominação. Primeiro, a luta pela ditadura na própria esfera econômica; depois, a batalha feroz para conquistar o controle do Estado, a fim de que os seus recursos e autoridade possam ser malbaratados nas lutas econômicas; finalmente, o conflito entre os próprios Estados. Este último provém de suas causas: do fato de as nações aplicarem o seu poder e influência política, indiferentes às circunstâncias, para obterem vantagens econômicas para seus cidadãos; e, vice-versa, do fato de as forças econô micas e do domínio econômico serem empregados para decidir de controvérsias políticas entre os povos.? – Quadragesimo Anno.
Considerando-se Isso sob o ponto de vista moral, jamais houve coisa tão inexplicavelmente mesquinha como esta generosidade bolchevista. Dever-se-á notar, porém, que o modo de tratar do outro assunto se reveste exatamente do mesmo espírito e tom. Também o sexo deve-se apresentar ao escravo como um simples prazer, para que nunca se possa converter numa força… Do prazer, sob qualquer outro aspecto que não o prazer, deve ele conhecer o menos possível, ou pensar o menos possível; nada deve pensar ou saber a respeito de onde vem e para onde vai, uma vez que a coisa usada haja saído de suas mãos. Não deve preocupar-se com a sua origem nos desígnios de Deus ou com as suas conseqüências na posteridade do homem. Em nenhum setor é ele um proprietário, mas apenas um consumidor, mesmo que se trate dos primeiros elementos da vida e do fogo até o ponto em que são consumíveis; não deve ter nenhum conhecimento da Sarça Ardente que arde sem ser consumida. Pois esse arbusto só cresce no solo, na terra verdadeira onde os seres humanos podem contemplá-lo; e o lugar em que eles estão é solo sagrado. Existe assim um paralelo perfeito entre as duas modernas concepções morais, ou imorais, de reforma social. O mundo esqueceu simultaneamente que a criação de uma fazenda é qualquer coisa muito superior à criação de um hospital, ou mesmo de um produto, mesmo que seja o saboroso açúcar de beterraba e que a fundação de uma família é qualquer coisa muito superior ao sexo no sentido estrito da literatura corrente, que foi antecipado de modo frio e ofuscante numa simples linha de George Meredith: ?E alimentamo -nos na sepultura com a burra de dinheiro.?? – G. K. Chesterton, The Well and the Shallows (New York: Sheed and Ward ) , págs. 235, 236.
No problema da propriedade, está claro que é o uso, ou a função social da propriedade, que lhe dá um aspecto moral, simplesmente porque é o fundamento da responsabilidade do proprietário perante a sociedade.
Para bem compreendermos isto, lembremo -nos que a propriedade tem um duplo valor: valor de troca e valor de uso. O valor do troca provém de sua relação com os outros: o produto do comércio de um objeto; o valor de uso provém da relação com proprietário. O fazendeiro que tem uma dúzia de galinhas pode ou vender os ovos por Cr$ 10,00 a dúzia, ou destiná-los à alimentação sua e de sua família. A sua liberdade está em escolher entre vender e comer, e aí o que importa é escolher.
Torna-se evidente que ao capitalismo monopolizador o único valor de uma coisa é seu valor de troca. Se eu possuísse dez ações de uma sociedade anônima, não teria liberdade de escolher entre vender e usar, liberdade essa de que goza o fazendeiro que, quando há queda no preço dos ovos pode comê -los. É esse realce do valor de troca, com completo esquecimento do valor de uso, que provoca o singular paradoxo moderno da fome em meio à abundância. Durante o período da fome, os irlandeses morriam de inanição devido à escassez de batatas; hoje os americanos são pobres porque há tão grande quantidade de batatas que temos de jogá-las ao mar. Por outras palavras, pensamos em possuir só em termos de valor de troca. Tornamos o comércio coisa tão primordial que pensamos no café mais como mercadoria do que como bebida. A idéia de gozar de uma coisa para si mesmo tornou-se inconcebível. O natural é que o homem plante pêras para que possa comê-las, e depois as venda. Por outras palavras, a produção existe para o consumo, não o consumo para a produção.
Não vale responder: ?então cada qual plante as pêras que come?, embora eu admita que o homem seja mais feliz fazendo isso do que manobrando os guindastes de um outro. Cita-se um exemplo banal por que se devem entender as coisas em sua simplicidade a fim de se encontrar um meio de fugir à duplicidade moderna. A liberdade reside mais no valor de uso do que no de troca. O sistema americano foi de início baseado no valor de uso da agricultura, por isso que o homem que vive da terra é menos dependente que o que vive do mercado.
Chesterton sustenta que a troca é o preço e que o uso é o valor. Citando Oscar Wilde, que definiu o Cínico como o ?homem que sabe o preço de todas as coisas e o valor de nenhuma?, acrescenta Chesterton: ?É extraordinariamente verdadeiro e serve de resposta a muitas outras coisas ditas por ele. É ainda mais extraordinário, porém, que não sejam os Cínicos os homens modernos que cometem esse erro. Ao contrário, são aqueles que se cognominam Otimistas; talvez mesmo aqueles que se chamam Idealistas; com certeza os que se consideram como os ?Regular Guys? e os ?Sons of Service and Uplift?. São muitas vezes aqueles mesmos indivíduos que estragaram todos os seus bons serviços, e amesquinharam o seu notável bom exemplo no trabalho e no trato social, com esse mesmo erro: achar que as coisas devem ser julgadas pelo preço e não pelo valor. E uma vez que o Preço é uma coisa desequilibrada e incalculável, ao passo que o Valor é intrínseco e indestrutível, fomos por eles arrojados a uma sociedade que já não é sólida mas fluida, tão insondável como o mar e tão traiçoeira como a areia movediça. Quanto a saber se ainda é possível construir qualquer coisa mais sólida sobre uma filosofia social dos valores, não podemos discutir desenvolvidamente aqui.
Estou certo, porém, que nada de sólido se pode construir em qualquer outra filosofia; não, por certo, sobre a nada filosófica filosofia do sistema cego da compra e venda; filosofia que intimida o povo, para que compre o que não precisa: que leva a fabricar tudo ordinário para que logo se estrague, forçando a novas aquisições: que mantém ninharias em circulação tão rápida como o simum no deserto; e que pretende estar ensinando aos homens a ter esperança, porque não lhes deixa um momento de lucidez que os leve a desesperar.? – The Well and the Shallows (New York; Sheed and Ward), págs. 230, 231.
Contorcemos, porém, o nosso espírito e tornamos insolúveis os nossos problemas básicos quando confundimos a propriedade real – a forma de propriedade privada que torna possível a liberdade e o governo de si mesmo – com essa propriedade mitigada, irresponsável, tipo bilhete de loteria. A ?propriedade?, por outras palavras, é usada em três sentidos diferentes. É usada referindo-se a bens pessoais, tais como rádios, chapéus; usa-se com referência a bilhetes de loteria, tais como as minhas hipotéticas dez ações da New York Central Stock; usa-se ainda com referência à propriedade responsável por qualquer porção dos meios de produção. Só neste último sentido é que a propriedade privada conduz à independência, forja o caráter, conduz à sociedade livre a que os Estados Unidos foram destinados. E neste último sentido, neste verdadeiro sentido, a propriedade privada está desaparecendo da vida americana.?
No capitalismo monopolista é pequena a responsabilidade porque a propriedade se acha tão dispersada entre os capitais que difícil é fixar a responsabilidade. Aqueles que administram uma sociedade anônima dizem que ela não lhes pertence, e aqueles a quem ela pertence dizem que não a administram. É exatamente difícil em tal situação dizer a quem cabe a culpa pelas injustiças; os diretores acusam os acionistas e os acionistas acusam os diretores. Se um carro me pertence, sou o responsável por suas faltas. Mas se a propriedade do carro estivesse repartida por entre dez mil pessoas, a responsabilidade diminuiria proporcionalmente. Além disso, a facilidade com que a riqueza se desloca pela transferência dos títulos, torna-a não só irresponsável pelo anonimato, mas irresponsável pela fluidez. E difícil saber com quem está o nosso níquel quando vinte pessoas o passam rapidamente de uma para outra. A perda de conexão entre o pessoal e o físico é a negação da responsabilidade. A legislação fez da sociedade anônima uma pessoa moral, porém não lhe impõe as obrigações da pessoa. A conclusão é que aquilo que hoje se chama propriedade não é propriedade no sentido tradicional do termo, pois propriedade implica posse e controle.
Propriedade, que outrora significava controle e responsabilidade, significa agora antes de tudo um interesse na empresa de quem possuí algum capital sem nenhum controle sobre ele, e o poder sobre a empresa por parte de quem a dirige sem ter contudo, nenhum dever. Os dois atributos de propriedade, posse e controle, pertencem agora a dois grupos distintos de indivíduos: o acionista ou o especulador de um lado, e os diretores ou inspetores do outro. O dono de um cavalo é responsável pelo cavalo, porém o dono de um milhar de ações de capital não tem tal responsabilidade perante a sociedade anônima. Quantos que, possuindo ações em sociedades anônimas, jamais se interessarão pelo salário vital dos empregados?
Quantos que jamais pensaram em qualquer responsabilidade além de seus proventos? O homem que possui algumas ações pode ainda dispor delas; até aí ele goza da propriedade privada. Mas o bilhete postal de dez centavos que ele devolve à sociedade, transferindo a outrem o direito de valor, revela como é ínfimo e insignificante seu controle sobre ela. Seu capital verdadeiramente não é mais que o símbolo que representa alguns direitos mal protegidos, algumas frustradas esperanças e uma pálida perspectiva.
É evidente, portanto, que, quando o homem moderno cuja fortuna está invertida em capitais fala em sua propriedade privada, não está invocando a mesma espécie de direito a que se referiam seus antepassados. Então identificavam-se posse e controle; hoje estão divorciados. Aqueles que realmente administram nada possuem e aqueles que possuem realmente não administram. Eis por que se torna tão difícil apurar a responsabilidade pelas injustiças econômicas. Depois do divórcio entre a propriedade e a administração das grandes empresas, que destruiu a essência da propriedade privada, houve também uma distorção na distribuição dos lucros. Os lucros vão sempre para aqueles a quem pertencem os capitais, e nada para os que administram ou produzem.
Os lucros vão mais para o controle do que para o trabalho e a administração. Para os defensores do tradicional conceito de propriedade não é isso senão uma meia verdade. Devem os lucros emanar da administração e do trabalho do mesmo modo que do controle. O espírito moderno deve saber que por ter o homem a quem pertence, e por quem é controlada uma empresa, direito aos lucros, não se segue daí que, quando a propriedade e o controle se separam em dois grupos, só um deles deve receber os lucros, isto é, só os proprietários. Uma vez que renunciou a alguns dos atributos de sua propriedade, entre eles a responsabilidade, não deve também renunciar a alguns de seus frutos? Desde que se faça distinção entre propriedade no sentido tradicional e no moderno, impõem-se também a revisão do termo lucros. Aqueles que criam a riqueza devem ter, assim como o homem que destaca cupons, alguma participação nos lucros.
Berle e Means em seu trabalho intitulado The Modern Corporation and Private Property [9] mostram como o tradicional conceito da propriedade foi falseado pelo divórcio acima indicado.
- A posição da propriedade, o mais fundamental de tudo, passou da de agente ativo para a de agente passivo. Em lugar de propriedades materiais reais sobre as quais podia o dono exercer seu governo e pelas quais era responsável, possui agora o proprietário um pedaço de papel representando um conjunto de direitos e promessas com respeito a uma empresa. Entretanto é insignificante o controle que o proprietário exerce sobre a empresa e sobre a propriedade material – os instrumentos de produção – nos quais está interessado.
- Os valores espirituais que antigamente acompanhavam a propriedade foram dela separados. A propriedade material capaz de ser modelada pelo proprietário podia proporcionar-lhe imediata satisfação além da renda que produzia de uma maneira mais concreta. Representava uma extensão de sua própria personalidade. Com a revolução corporativa ficou esta qualidade perdida para o proprietário, pouco mais ou menos, como perdida ficou para o operário com a revolução industrial.
- O valor da riqueza de um indivíduo veio a depender de forças inteiramente estranhas a ele e fora do alcance de seus próprios esforços. Em lugar disso, seu valor determina-se, de um lado, pela ação dos indivíduos no governo da empresa – indivíduos sobre quem o verdadeiro proprietário não tenha nenhum controle, e de outro lado pela ação de outros num mercado sensível e muitas vezes caprichoso. Está assim o valor sujeito aos caprichos e manipulações características de determinado mercado.
- O valor da riqueza individual não só flutua constantemente – o mesmo se pode dizer da maior parte das riquezas – mas está sujeito a uma constante avaliação. O indivíduo pode acompanhar de momento a momento a mudança no valor estimado de sua propriedade, fato esse que pode afetar notavelmente tanto o dispêndio de sua renda quanto o gozo da mesma.
- A riqueza individual tornou-se extremamente líquida através dos mercados organizados. O proprietário individual pode convertê-la em outras formas de riqueza, no prazo de um momento, e, contanto que a máquina do mercado esteja funcionando em ordem, ele pode fazer isso sem os graves prejuízos decorrentes de uma venda forçada.
- A riqueza reveste cada vez menos uma forma de utilização imediata por parte do proprietário. Quando a riqueza é representada por terras, por exemplo, é passível de ser usada pelo proprietário mesmo que o valor da terra no mercado seja desprezível. A qualidade material de tal riqueza torna possível um valor subjetivo para o proprietário completamente à parte de qualquer valor que possa ter no mercado. A mais recente forma de riqueza não permite absolutamente esse uso imediato. Só mediante venda no mercado pode o proprietário obter seu uso imediato. Como nunca antes está ele assim sujeito ao mercado.
- Finalmente, no sistema das sociedades anônimas o ?proprietário? da riqueza industrial só ficou com um mero símbolo da propriedade, enquanto o poder, a responsabilidade e os bens que formavam parte integrante da propriedade no passado estão sendo transferidos a um grupo separado em cujas mãos está o controle.
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NOTAS
[1] Hoffman, Ross, Tradition and Progress (Milwaukee: Bruce, 1938), (págs. 105, 106).
[2] A propriedade privada é, como indicamos no capítulo precedente, uma extensão da personalidade humana. O direito de herança é uma prova disso; aquele que herda é, até certo ponto, uma continuação da pessoa que lhe legou a propriedade. “Pois aquilo que é necessário à conservação da vida e ao bem-estar da vida é produzido pela terra em grande abundância, mas só quando o homem a tiver cultivado e lhe tiver dedicado seus cuidados e habilidades. Ora, quando o homem emprega o engenho do seu espírito e a força de seu corpo para a obtenção dos frutos da natureza, com esse mesmo ato torna sua essa porção da superfície da terra por ele cultivada – esse trato de terra em que deixa, por assim dizer, o cunho de sua própria personalidade; e não pode ser senão justo que possua essa terra como coisa sua e tenha o direito de conservá-la sem vexação” (Rerum Novarum).
[3] Essa distinção baseia-se na própria natureza das coisas. Escreve Leão XIII: “É legal”, diz Santo Tomás de Aquino, “que o homem possua a propriedade privada, que é também necessária para a preservação da vida humana.” Mas se se formulasse a pergunta: “Como deve um homem fazer uso de seus bens?”, a Igreja responderia sem hesitação, na palavra do mesmo Santo Doutor: “O homem não deve considerar seus bens externos como propriamente seus, porém como comuns a todos, de modo a reparti-los sem dificuldades quando os demais estiverem na necessidade” (Rerum Novarum). O direito à propriedade é pessoal; o uso é comum. A especificação da propriedade privada, isto é, a determinação de quem deve possuir esta ou aquela propriedade, não está na lei natural primária, mas em sua aplicação. “A comunidade dos bens é atribuída á lei natural, não querendo isso dizer que a lei natural imponha que todas as coisas devam ser possuídas em comum e nada em particular, uma vez que a divisão dos bens não se faz de acordo com a lei natural, mas decorre de um acordo entre os homens, o qual compete á lei positiva, como se declarou acima. (Q. LVIL, AA. 2,3.) Daí a propriedade dos bens não ser contrária á lei natural; é, porém, um aditamento criado pela razão do homem.” (Summa, Santo Tomás, 2-2 q. 66 a. 2 ad 1.) O homem tem direito a fazer uso da criação em virtude do seu direito natural à vida. Mas quando faz uso dela, fá-lo como um ser inteligente. Assim, num dado plano, o homem colabora com a matéria, o que lhe dá o direito chamado uso, como no caso do escultor com o mármore. Em outro plano, porém, a sujeição da matéria à direção e finalidade da inteligência do homem dá-lhe o direito que se chama domínio ou, no sentido amplo do termo, propriedade, como quando imprime no mármore o modelo ideal de seu espírito: por exemplo, a imagem de Nossa Senhora. O uso reflete a mestria técnica do homem sobre a natureza: o domínio reflete a sua mestria inteligente e determinada. O direito a qualquer propriedade privada particular não é um direito natural primário, mas um direito adquirido; depende de algum título adventício, tal como um presente ou uma compra.
[4] “Antes de tudo deve-se deixar claro e fora de qualquer dúvida que nem Leão XIII nem qualquer um dos teólogos que têm ensinado sob a orientação e a direção da Igreja, jamais negou ou discutiu o duplo aspecto da propriedade, que é individual ou social segundo se refere aos indivíduos ou ao bem comum. Têm unanimemente afirmado que o direito à propriedade privada foi dado ao homem pela natureza, ou antes pelo próprio Criador, não só a fim de que os indivíduos sejam capazes de prover às suas próprias necessidades e às suas famílias, mas também a fim de que por meio dela possam os bens que o Criador destinou à raça humana servir realmente a esse fim. Ora esses fins não podem ser assegurados se não for mantida alguma ordem definida e estável.” (Quadragesimo Anno).
[5] “Conclui-se do duplo caráter da propriedade, por nós designado como individual e social, que o homem deve levar em consideração neste assunto não só o seu próprio interesse, mas também o do bem comum. Definir em seus pormenores tais deveres, quando se apresentar a ocasião e a lei natural não o fizer, é função do governo. Contanto que a lei natural e a divina sejam observadas, pode a autoridade pública, tendo em vista o bem comum, especificar com maior exatidão o que é lícito e o que é ilícito aos proprietários no uso de seus bens. Além disso, Leão XIII sabiamente ensinou que ‘Deus deixou ao próprio critério do homem e às leis de cada povo a distribuição da propriedade privada'”.
[6] O capitalismo é aqui compreendido como: “A acumulação da riqueza, de uma força imensa e de um poder econômico despótico, nas mãos de poucos, de modo que esses poucos freqüentemente não são os proprietários, mas tão só os depositários e diretores de capitais, administrados por eles ao seu bel-prazer. Esse poder torna-se particularmente irresistível quando exercido por aqueles que, pelo fato de possuírem e controlarem o dinheiro, são também capazes de governar o crédito e determinar sua distribuição, desse modo provendo, por assim dizer, o sangue para a vida de todo o corpo econômico, e detendo, pode-se dizer, em suas mãos e própria alma da produção, de modo que ninguém ousa se opor à sua vontade.”
[7] “…o comunismo é a única modalidade de capitalismo que é completa e lógica”. Os pecados foram nele um sistema enquanto em qualquer outra parte não passaram de uma repetição de disparates. Desde logo admitiu-se que todo o sistema foi organizado com o objetivo de encorajar ou compelir o trabalhador a gastar o seu salário, de modo que nada lhe sobrasse por ocasião do pagamento seguinte; a gozar de tudo, a gastar tudo e a destruir tudo; em resumo, a só tremer ao pensar num crime: o crime de ser previdente e econômico. Era uma inocente estroinice, uma espécie de dissipação disciplinada, uma prodigalidade humilde e submissa. Deixasse o escravo de esbanjar em bebidas todo o seu salário; começasse a entesourar ou esconder qualquer propriedade, e estaria economizando alguma coisa no Estado, isto é, poder-se-ia tornar menos escravo e mais cidadão.
[8] Agar, Herbert, Land of the Free (New York: Hougton Mifflin Co.), págs. 66, 67. “Certas empresas no mundo moderno (e não são elas tão numerosas como podem muitos imaginar) necessitam de ser conduzidas em tão alta escala que o indicado é ou a propriedade corporativa largamente difundida ou a propriedade do Estado”.
[9] Berle and Means, The Modern Corporation and Private Property (New York: MacMillan), págs. 66-68.