O que dizer da telepatia?

– “Sobre a telepatia, o que se pode afirmar de certo?” (Walter – Matias Barbosa-MG).

1) A telepatia (do grego “tele”, “longe”; e “pathos”, “padecimento”) é, em sentido lato, a faculdade de conhecer pessoas ou acontecimentos postos em distâncias ou circunstâncias que não são normalmente apreendidas pelos sentidos humanos. A tal fenômeno se dão igualmente os nomes de “telestesia” (percepção à distância), “criptestesia” (percepção por via oculta) e “clarividência”. Trata-se de um modo de conhecer que não é propriamente doentio, mas também não é normal, e sim paranormal, ou seja, verificado ao lado das vias normais; seria o caso, por exemplo, de quem lê um documento tendo os olhos vendados, ou refere a morte de um parente no momento mesmo em que ela ocorre à grande distância.

Não se pode negar a existência de tais fenômenos, nem atribuí-los todos à intervenção milagrosa de Deus, nem, de outro lado, reduzi-los simplesmente a coincidências casuais. Esses fenômenos podem ser, e têm sido, provocados em laboratórios segundo leis estatísticas; hoje em dia, mais e mais se cultiva a ciência da telepatia (ramo da metapsíquica), procurando-se desvendar as normas misteriosas que a regem. Entre 1880 e nossos tempos foram realizados cerca de cinco milhões de experiências telepáticas, na base das quais se distinguem atualmente 150 categorias de fenômenos de telepatia.

Note-se, por conseguinte, que tais fenômenos não são exclusivos do domínio do espiritismo; verificam-se independentemente dele. Na verdade, o espiritismo não passa de uma interpretação entre as muitas dadas aos fenômenos telepáticos, interpretação que abusivamente envolve crenças religiosas em um setor que de per si pertence à alçada da medicina, da psicologia, ficando abaixo das altas esferas da filosofia e da religião.

2) O estudo da metapsíquica e da telepatia é relativamente recente; pelo que ainda navega em meio a mares obscuros. A complexidade dos seus fenômenos é tal que se torna difícil generalizar as explicações; vários são os fatores aos quais, segundo a configuração de cada caso, se poderá recorrer para dar conta do ocorrido. Três teorias explicativas estão mais em voga:

a) Alguns estudiosos admitem no homem um «sexto sentido» ou uma faculdade especial de conhecer por vias ocultas. Esta faculdade não seria privilégio, mas propriedade comum da natureza humana, propriedade ora mais, ora menos aguda, susceptível de ser desenvolvida e educada (todo indivíduo, por conseguinte, seria capaz, até certo grau, de se tornar «médium»). Tal é a conclusão a que chegaram os cientistas americanos da «Duke University» de Durham, da «Columbia University» de Nova Iorque, do «Hunter College» etc.; cf. J. A. Greenwood, “Extra-Sensory Perception after Sixty Years”, New York, 1940.

b) Outros autores admitem que os sentidos possam ultrapassar os limites normais de suas percepções, intensificando-se e abrangendo lugares remotos. Sendo a alma humana independente do espaço (por ser espiritual), ela poderia estender a sua atividade para além das fronteiras que lhe impõe o corpo; conheceria então instantaneamente objetos e acontecimentos existentes a longa distância. Mesmo os acontecimentos futuros estão contidos germinalmente em suas causas: através destas (contemporâneas ao sujeito que conhece), poderiam ser previstos com exatidão.

c) Até os últimos anos julgava-se, outrossim, que tanto o sujeito humano como os seres infra-humanos emitem radiações especiais, as quais impregnam o ambiente em que se encontre tal pessoa ou objeto e podem ser subsequentemente captadas por indivíduos que tenham a sensibilidade apurada; denunciar-se-iam assim às pessoas que posteriormente penetrem nesse ambiente. É o que se chama «a Psicometria», estudada por Fechner, Buchanan, Danton, Myers, de Rochas, Bozzano. Esta tese, porém, sofre hoje contestação; os melhores autores são reservados no tocante ao magnetismo animal ou a fluidos e ondas que sairiam do corpo humano.

3) Embora as pesquisas da ciência ainda não permitam elucidar positivamente todos os fenômenos telepáticos, elas são suficientes para demonstrar quão vã é a explicação que dos mesmos dá o espiritismo; conforme este, um espírito do Além (como o de Napoleão, o de Maria Antonieta, o de Bossuet, Lincoln, etc.) baixaria sobre a terra e revelaria ao vidente noções que ele ignorava; seria o espírito «guia», em nome do qual o «médium» falaria.

Contudo, o aparecimento de personalidade nova num indivíduo posto em estado de transe ou hipnose explica-se perfeitamente por dados seguros da Psicologia, sem recurso a intervenção do Além.

Com efeito: recordemos a maneira como cada indivíduo humano conhece a sua própria pessoa. Ninguém apreende o próprio “eu” senão através de fenômenos psíquicos que dele se originam e dele dependem como de um sujeito. Esses fenômenos psíquicos são múltiplos, compreendendo as variadas atividades, como também as esperanças, os desenganos, as emoções da infância, da adolescência, da vida de adulto do respectivo indivíduo. Tão numerosos dados na mente do sujeito aos poucos se dispõem em uma síntese harmoniosa, hierarquizada, com a qual o indivíduo em condições normais se identifica; é por esta síntese que ele se define a si mesmo, como sendo o mesmo sujeito existente através dos anos.

Admita-se, porém, que a pessoa venha a sofrer um choque psíquico, seja em virtude de um estado patológico (funcionamento irregular do cérebro ou de glândulas), seja em virtude de influência alheia (por hipnose) ou de autossugestão (o que se dá geralmente com os «médiuns»). Em tal estado anormal, a função de síntese da qual resultam a definição do próprio eu e seu comportamento consequente passa por alterações; é desagregada e refaz-se, desviada em determinado sentido, de acordo com o caráter da pessoa ou com as sugestões evocadas nesta: certas recordações são então como que canceladas da memória; pode dar-se que subam à tona da consciência exclusivamente impressões colhidas na infância (a pessoa consequentemente parece retroceder no tempo e se comporta como criança) ou adquiridas em leituras e conversas referentes a uma personalidade histórica do passado ou uma figura lendária etc. (o indivíduo então comporta-se como Maria Antonieta, Napoleão, Humberto de Campos etc.). Entrementes, a personalidade normal do indivíduo ou deixa de se manifestar como tal ou ainda se afirma ao lado da nova personalidade. Em tais casos, dizem os espíritas que o sujeito ou o “médium” está possuído pelo «espírito-guia» proveniente do Além ou que está revivendo fatos de uma vida anterior à encarnação atual (a tese da reencarnação entra então em voga…).

A psicografia ou escrita automática não é senão um sinal particular dessas desagregações da personalidade: no «médium» combinam-se, de maneira mais ou menos arbitrária e imprevisível, diversas reminiscências da pessoa ou das obras de tal ou tal escritor, à semelhança do que se dá num sonho (em que diversas impressões adquiridas na vida cotidiana se associam entre si, dando ao sonhador a sensação de viver uma realidade diferente da comum). O «médium» impressionado pela sugestão de que é esse escritor (que ele, sem dúvida, já conhece), passa a escrever no estilo do mesmo. Fenômeno tal não depende em absoluto da evocação de espíritos, pois ocorre em pessoas histéricas e pode ser obtido em indivíduos normais suficientemente sensíveis ou impressionáveis. Para que não fique dúvida sobre esta afirmação, note-se bem que as obras psicografadas não transcendem os conhecimentos anteriormente adquiridos pelo respectivo “médium”, nem mesmo no caso tão citado de Francisco Cândido Xavier (Minas Gerais); como se averiguou, este não é um ignorante, mas, desde a sua juventude, se tem dedicado à leitura de clássicos, tanto nacionais como estrangeiros.

De maneira geral, as mensagens espíritas comumente divulgadas nada anunciam que não estivesse previamente contido na consciência ou no subconsciente do respectivo «médium» ou dos seus interlocutores ou de pessoas estreitamente unidas a estes. Em consequência disto, certas notícias atribuídas pelos espíritas à alma de um gênio desencarnado (Ampère, Santo Agostinho, Bossuet…) surpreendem pela pobreza e banalidade de seu conteúdo; dir-se-ia que os espíritos desencarnados se depauperam tremendamente… Para evidenciar que nas mensagens espíritas não há revelações, mas se transmitem os conhecimentos que o «médium» consegue captar por si ou por uma «corrente simpática», vem a propósito famoso caso:

– “O Dr. G. era ilustrado médico militar. O General da Região Z., onde prestava os seus serviços, era afeiçoado às práticas do espiritismo, às quais se dedicavam também não poucos chefes e oficiais da guarnição. Nada crédulo e inteiramente contrário às balelas dos espíritas, o Dr. G. teve de assistir, por compromisso, a uma sessão em que o ‘médium’ pretendia pôr os circunstantes em comunicação com o espírito do célebre fisiologista francês Bichat, já falecido. O Dr. G. manifestou ao ‘médium’ desejar perguntar ao espírito de Bichat se o nervo dinamoclasser tinha funções sensitivas ou funções motoras. O ‘médium’ naturalmente sentiu-se embaraçado com tal consulta, que se vê não estava dentro da esfera dos seus conhecimentos, e rogou ao seu interlocutor quisesse precisar mais os termos da pergunta. ‘Ora, senhor – respondeu o Dr. G. – não sei que maior precisão se possa desejar’. Todavia, acrescentou que, havendo no organismo humano uns nervos com função sensitiva e outros com função motora, o que interessava saber do espírito de Bichat era a qual das duas classes de nervos pertencia o nervo dinamoclasser. A isto, após várias hesitações, ante as quais o consulente se manteve impassível, o pretenso espírito do célebre fisiólogo Bichat respondeu por voz do ‘médium’, com grande aprumo, que, ’embora o nervo dinamoclasser geralmente tivesse funções sensitivas, em compensação outras vezes as tinha também motoras’. Escusado é dizer que o Dr. G não pôde conter o riso. O fracasso tinha sido rompido. Os circunstantes perguntavam ao Dr. G. se porventura o espírito respondera acertadamente. O Dr. G. teve de lhes dizer que o nervo dinamoclasser nem era sensitivo nem era motor, porque nem sequer era nervo, e sim, um nome fingido que ele inventara para pôr em evidência a fraude da experiência. Mister era convir em que o espírito de Bichat, se realmente era o que falava por boca do médium, decaíra muito” (transcrito da obra de F.M. Palmes, “Metapsíquica e Espiritismo”, Petrópolis, 1957, p.220).

Citar-se-ão, porém, casos em que as mensagens parecem transcender de modo absoluto todas as possibilidades naturais do «médium»… Pois bem: os mais famosos desses casos aduzidos pelos espíritas (os de Helena Smith, Eleonora Piper, Hodgson etc.) têm sido sujeitos a análise rigorosa, a qual leva hoje os estudiosos a dizer que ainda se tratava de erupções do subconsciente, independentes da intervenção dos «desencarnados». Não se nega, com isto, que Deus possa, por Si ou por um espírito criado (anjo bom, alma humana ou demônio), revelar aos homens algo de totalmente novo; não é, porém, o que se dá no comum das revelações espíritas.

Os médicos contemporâneos insistem em afirmar que as funções de «médium» supõem uma personalidade um tanto lábil, já por si tendente ao desequilíbrio e a estados patológicos. Além disto, verificam que grande número de «médiuns» e de clientes destes contraem realmente doenças mentais graves, de sorte que os interesses da saúde pública desaconselham seriamente a prática da mediunidade.

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 3 – mar/1958
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