O que foi Reforma Protestante

Autor: Alessandro Lima

 

Introdução

O grande problema na maioria dos relatos ou livros sobre a Reforma Protestante é que seus autores ignoram total ou grandemente o que se perdeu com o seu advento. Falar da Reforma Protestante é tratar de um assunto que eles desconhecem, isto é, a Igreja Católica e o mundo que ela ajudou a construir e sustentar, fermentando-o por mil e quinhentos anos e por mil sendo a sua autoridade mundial [1]. Mundo este que parcialmente deixou de existir após os ataques furiosos e bem violentos dos revolucionários.

A Reforma e seus frutos

O Protestantismo, fruto da Reforma, foi um ataque àquela instituição fundada por Cristo. Embora divergentes entre si no campo doutrinário (em flagrante contradição ao texto bíblico de Ef 4,4-6), as diversas frentes de batalha estavam unidas entre si num único princípio: destruir a Igreja Católica. Logo, para entender o conflito, é preciso conhecê-la. E como já dissemos, aqueles que pretenderam escrever sobre o assunto passaram longe da própria matéria com que estavam lidando, pelos simples fato de não terem qualquer intimidade com a Igreja Católica. Ao contrário, suas obras normalmente distorcem os fatos porque seus relatos são movidos pelo simples ódio.

Como bem observou Hilaire Belloc:

“Não é uma questão de simpatia ou antipatia. Um homem é capaz de relatar fielmente uma batalha, goste ele ou não de seu desfecho. Mas não será capaz de relatá-la fielmente se não conhecer o terreno” [2].

As duas principais fontes de onde procederam tais histórias foram as academias de cultura protestante do Norte, e de cultura anticlerical no Sul – ambas desligadas de sua matéria, cada qual a seu modo. Qualquer lista de meia dúzia de nomes aleatórios basta para confirmer essa verdade: Michelet, Macaulay, Ranke, Carlyle, Sismondi. Como nenhum dos escritores conhecia a matéria com que lidava, a Reforma pareceu-lhes um mero processo sem qualquer problema a ser resolvido. É o homem realmente familiarizado com o catolicismo que considera que a dificuldade para entender a Reforma é enorme, um mistério quase insolúvel. Assim como um homem mergulhado na alta cultura pagã dificilmente imaginaria sua transfiguração em Império Cristão quando se aproximava a Idade das Trevas, assim também um homem ciente do que foi – em parte – destruído com a Reforma cambaleia ante a mera possibilidade de uma tal destruição: ele sabe o que foi perdido. O historiador superficial do tipo protestante e do tipo anti-clerical não sabem.” [3].

A Reforma foi na verdade uma Revolta contra os pilares da Fé Cristã estabelecida em tempos que remontam aos Apóstolos e crida em toda parte, desde as primeiras comunidades eclesiais fundadas pelos próprios Apóstolos e estendendo-se àquelas que tem origem em seus sucessores e assim por diante.

O protestantismo, fruto da Reforma, foi a consolidação gradual da perda permanente dos costumes e da Fé comum (Katholica) a todos os cristãos que viveram dos tempos apostólicos até o início do século XVI, isso pode ser atestado quando comparamos a Fé dos Reformadores (Sessenta e Sete Artigos (1523) apresentados por Zwinglio. Confissão de Augsburgo (1530):  apresentada a Carlos V em 21 Janeiro de 1530. Confissão de Genebra (1536): apresentada por João Calvino e Guilherme Farel às autoridades de Genebra em 10 de novembro de 1536. Confissão de Fé de Westminster (1646). Os catecismos: Instrução na Fé (1537) ou “Institutas”: escrita por Calvino. Catecismo de Genebra (1542): um longo documento escrito por Calvino. Catecismo de Heidelberg (1563): principal documento da Igreja Reformada Alemã [4]. Catecismos de Westminster (1647)) à Fé Católica (Atas Conciliares, Catecismo Romano, Escritos dos Pais da Igreja, Obras teológicas tomistas etc).

A Unicidade e Visibilidade da Igreja de Cristo, sua doutrina única, embora refletida em culturas diferentes, especialmente na Liturgia da Missa, a Jurisdição Espiritual do Papa, a devoção e a fé na Intercessão e Comunhão dos Santos, especialmente à Virgem Maria, a Doutrina dos Sacramentos, A Palavra de Deus presente na Sagrada Tradição dos Apóstolos, Na Sagrada Escritura e no perene Magistério da Igreja, tudo isso fora trocado pela Igreja meramente espiritual, onde cada fiel é seu próprio Papa e pode interpretar a Escritura pessoalmente, caindo consequentemente no subjetivismo doutrinário, a assembléia agora se reúne apenas para cantar e louvar a Deus, sem oferecer-lhe o Sacrifício novamente presente de Cristo, os sacramentos não passam de meros atos públicos de fé, a Palavra de Deus restringida apenas à Sagrada Escritura. Basta um estudo sério sobre a obra dos Pais da Igreja para se ter noção de quanto se afastaram os protestantes da Fé dos primeiros cristãos [5].

A Revolta Protestante desconfigurou a Europa. Antes os termos europeu, ocidental e católicos eram equivalentes, pois praticamente significavam a mesma coisa. A Europa surgiu e emergiu como filha da Igreja Católica. Esse processo teve início com a conversão das nações bárbaras ao Catolicismo e depois com o trabalho dos Monges católicos que mudaram a cara dos primeiros Estados Europeus, especialmente através do trabalho agrícola que foram sistematicamente desenvolvido por eles, especialmente presente na Regra de São Bento [6].

Em outras palavras, o desenvolvimento da Europa cristã teve como seu fermento o Monaquismo Católico. Não só pelas práticas de Piedade e Oração, mas também seu trabalho manual nas lavouras, o conhecimento metalúrgico desenvolvido pelos monges cistercienses [7], suas obras de caridade, as obras dos grandes filósofos, especialmente os gregos como Aristóteles, Cícero, Lucano, Plínio, Estácio, Pompeu Trogo, Virgílio etc, só chegaram até nós através do trabalho dos monges copistas, o mesmo quanto aos manuscritos mais antigos das Sagradas Escrituras em hebraico, grego e aramaico [8]. Os primeiros centros educacionais da Europa foram fundados pelos monges católicos, lançando assim os fundamentos do que viria a ser a Universidade.

Todo este patrimônio cultural, científico e intelectual foi destruído especialmente por Henrique XVIII que mandou fechar a maioria dos mosteiros, conventos e ordens religiosas católicas na Inglaterra e distribuir seus espólios a membros de sua corte (Thomas Cromwell, principal conselheiro do Rei fez fortuna tomando posse das riquezas da Igreja) [9].

Lutero em 1519, ainda se dizia católico e em uma carta pessoal, fez os mais solenes juramentos de devoção à Santa Sé [10]. Contudo, uma conferência congregada em Leipzig, o fez mudar de idéia e foi aí que insurgiu-se definitivamente contra a Igreja Católica. Foi apoiado especialmente pelo seu soberano, o eleitor da Saxônia que viu aí uma oportunidade de independência e tomada das riquezas da Igreja.

Modo semelhante foi o caso de Zwinglio. Este era um sacerdote católico que vivia no cantão suíço-germano de Zurique. Também tornou-se revolucionário, porém com idéias muito mais claras e lógicas que as de Lutero. Com o apoio do arcebispo de Constança pregou energicamente contra a doutrina das indulgências. Seu soberano também viu aí uma oportunidade para apartar-se da jurisdição papal e saquear os bens da Igreja. Zwinglio foi o primeiro a negar o mistério da Eucaristia. Em 1525, a missa foi tirada em Zurique depois de uma violenta onda iconoclasta por parte dos montanheses que se rebelaram “contra a herança de beleza que os antepassados lhes haviam legado” [11]. Essa beleza estava ligada à Igreja Católica e tudo que era católico deveria ser destruído e esquecido.

O iconoclasmo protestante trouxe uma onda de vandalismo generalizado nas igrejas católicas, constituindo verdadeiras destruições bárbaras. “Por mais de um século ocorreram várias outras que arruinaram a arte na Escócia, mutilando horrivelmente a arte da França, o Reno e os Países Baixos” [12] transformando a antiquíssima arte cristã católica em detritos.

Obviamente, mesmo após toda essa avalanche, qualquer doutrina ou ritual que o protestantismo desta época – chamado pelos estudiosos de tradicional – conservou, tinham em comum o seguinte fato: “os leigos poderiam continuar a praticar esses atos e seguir essas doutrinas sem a necessidade de um clero” [13]. O protestantismo foi um movimento sobretudo anti-clerical, onde se desejava livrar-se do direito sacerdotal, especialmente por conta da degradação moral os sacerdotes e bispos já muito generalizada no início do século XVI, infelizmente.

Conclusão

A Reforma Protestante foi um tsunami que se abateu contra o patrimônio doutrinário, teológico, filosófico e artístico de toda Cristandade custodiada pela Igreja Católica; e como tal não era capaz de construir coisa alguma e de certo que não provocou nada além de destruição e o que ficou e que acabou resultando no que alguns chamam de “Fé Reformada” não passa de uma desidratação da Fé Católica, de um despojo do Ministério Sacerdotal Católico (incluindo aí a supressão da Missa e dos Sacramentos), uma comunidade de “fiéis” anêmica da doutrina e prática antiquíssimas dos Santos Apóstolos.

Os métodos que Lênin e Stalin utilizaram para impor aos católicos russos do século XX o Regime Comunista, foram bem anteriormente estabelecidos e utilizados pelos Reis e Governadores Europeus para impor aos católicos a novidade doutrinal do Protestantismo nos séculos XVI e XVII. Esse show de horrores é que celebrado em várias partes do mundo no dia 31 de Outubro.

A ilusão de que a Reforma foi querida pelo povo europeu, pelo cidadão comum é totalmente falsa e não condiz com a realidade dos fatos. Em outra oportunidade abordaremos o que tornou toda essa tragédia possível e seus efeitos duráveis até os nossos dias.

 

Notas

[1] BELLOC, Hilaire. Como aconteceu a Reforma. Ed. Cristo Rei, Brasília-DF. 1ª. Edição, 2019. Pg 15.

[2] Ibidem. Pg 16.

[3] Ibidem.

[4] Foi escrito por dois teólogos, Zacarias Ursinus e Gaspar Olevianus, a pedido do príncipe Frederico III, do Palatinado. É um documento conciliador, combinando o calvinismo com um luteranismo moderado.

[5] Para tal estudo recomendamos a obra “Patrística. Origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da fé cristã” de J.N.D Kelly. Tradução Márcio Loureiro Redondo – São Paulo: Vida Nova, 1994.

[6] WOODS JR, Thomas E. Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental. Tradução de Élcio Carillo; revisão de Emério da Gama – São Paulo: Quadrante, 2008. Pg 28-35.

[7] Ibidem. Pg 35.

[8] Ibidem. Pg 39-42.

[9] BELLOC, Hilaire. Como aconteceu a Reforma. Ed. Cristo Rei, Brasília-DF. 1ª. Edição, 2019. Pg 76-82.

[10] Ibidem. Pg 56.

[11] Ibidem. Pg 57.

[12] Ibidem. Pg 58.

[13] Ibidem.

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