O real poder das conferências episcopais

 

VOZ DO PASTOR D. Eugênio de Araújo Sales 23/10/1998

Apóstolos Suos 

Cristo, quando enviou os Apóstolos a ensinar sua doutrina ao mundo inteiro, não os fez agir isoladamente mas como um grupo estável e lhes deu um chefe, Pedro, escolhido entre eles: “Apascenta meus cordeiros” (Jo 21,15-17). Por isso, Paulo, embora investido diretamente pelo Senhor Jesus em sua missão evangelizadora, a fim de evitar “o risco de correr em vão” (Gl 2,1-2.7-9), dirige-se a Jerusalém para assegurar a comunhão com o “colégio apostólico”, que está sob uma autoridade suprema. À medida que levavam a chama da fé cristã aos recantos da terra então conhecida, escolhiam sucessores (“Lumen Gentium”, 20). Diz o Vaticano II (Idem, 22): “Assim como, por instituição do Senhor, São Pedro e os restantes Apóstolos formam um colégio apostólico, assim, de igual modo, estão unidos entre si o Romano Pontífice, Sucessor de Pedro e os Bispos, sucessores dos Apóstolos”.
Como no Pastor da Igreja de Roma está estabelecido o princípio e o fundamento perpétuo e visível da unidade da fé e comunhão, “por sua vez, cada Bispo é princípio e fundamento da unidade na sua respectiva Igreja particular” (Ibidem, 23). Não se trata de uma federação mas de um corpo vivo pela graça que percorre cada integrante que plenamente crê na mesma doutrina, pratica os atos dela decorrentes, obedece a seus ensinamentos.
No decorrer da História, para manter a unidade e garantir a colaboração e o afeto mútuos, enfrentando os mais diversos problemas e em circunstâncias variadas, surgiram “instrumentos, órgãos, meios de comunicação que favorecem ou manifestam essa união e solicitude comuns. Assim, desde o segundo século, nasceram os Concílios Particulares, Ecumênicos, Plenários, Provinciais e, a partir do século passado, as Conferências Episcopais. Estas tomaram grande impulso com o Vaticano II e merecem o devido destaque no Código do Direito Canônico (1983).
Sobre o assunto, com data de 21 de maio último, o Santo Padre publicou importante documento, um “Motu Proprio” denominado “Apostolos suos instituit”.
Evidentemente, trata-se de válido instrumento para consolidar a estrutura do corpo episcopal, corrigir eventuais desvios, fortalecer o autêntico trabalho pastoral. Em um mundo tão complexo, com rapidez nas comunicação que divulga problemas sem soluções adequadas, ela corresponde às necessidades de uma instituição inserida num ambiente trepidante. Entretanto, diz o documento: “Todavia, a evolução de sua atividade sempre mais vasta, suscitou problemas de ordem teológica e pastoral, sobretudo no que diz respeito à sua relação com cada um dos Bispos diocesanos”.
O Sínodo Extraordinário de 1985 reconheceu a necessidade das Conferências, mas fez advertências úteis e recomendou um estudo do seu “status teológico-jurídico”.
Por falta de conhecimento suficiente da matéria, pessoas julgam a Conferência Episcopal como uma supra-diocese entre o Bispo e o Papa, como uma Corte para recursos contra decisões episcopais.
Em “Apostolos suos instituit” o Santo Padre, após a Introdução, aborda os seguintes itens: “A união colegial entre os Bispos”; “As Conferências Episcopais: Normas complementares sobre as mesmas”. Reafirma a doutrina, muito clara, do Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática “Lumen Gentïum, e do Código do Direito Canônico que, por exemplo, afirma no cânon 381 parágrafo 1º: “Ao Bispo diocesano , na diocese que lhe foi confiada, compete todo o poder ordinário próprio e imediato que se requer para o exercício do seu múnus pastoral, com exceção das causa que, por direito, ou por decreto do Sumo Pontífice, estejam reservadas à suprema ou a outra autoridade eclesiástica”.
O novo Documento esclarece e altera procedimentos, quando necessário. Eis alguns exemplos: “Os Bispos, tanto singularmente como reunidos em Conferência, não podem autonomamente, limitar o seu poder sagrado em favor da Conferência Episcopal. E menos ainda, de uma parte dela, seja esta o Conselho Permanente, uma Comissão ou o próprio Presidente”. E logo adverte: “Nem a Conferência, nem o seu Presidente podem agir em nome de todos os Bispos, a não ser que todos e cada um hajam dado o consentimento”. (nº 20). Os bispos, mesmo individualmente e sem gozar da infalibilidade do ensino “são, contudo, doutores e mestres autênticos da fé dos fiéis confiados a seus cuidados, que têm a obrigação de aderir, com religioso obséquio e espírito, ao Magistério autêntico dos seus Bispos” (nº 21). Para que as declarações doutrinais da Conferência dos Bispos “constituam Magistério autêntico, é necessário que sejam aprovadas por unanimidade dos membros Bispos ou então, quando aprovadas na reunião plenária por dois terços dos prelados que pertencem à Conferência, com voto deliberativo e que obtenham a revisão (recognitio) da Sé Apostólica” (Artigo 1º). A Conferência não pode conceder às Comissões ou outros organismos constituídos no seu seio o poder de realizar atos de magistério autêntico (Artigo 2º).
Vivemos em uma sociedade onde as pessoas dificilmente aceitam normas que lhes desagradam, ao passo que seguem com facilidade o que satisfaz à sua mentalidade, mesmo em se tratando de erros doutrinários. O católico autêntico se distingue do cidadão que usa indebitamente esse nome, pela obediência prestada a quem recebeu de Cristo a missão de, apesar de ser pecador, ensinar o verdadeiro caminho da Casa do Pai. Aliás, dessa escolha depende uma eternidade feliz.


VOZ DO PASTOR

D. Eugênio de Araújo Sales

16/03/2001

Conferência Episcopal
 
A Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos de 1985 expressou o desejo de que as Conferências Episcopais procedessem oportunamente a uma revisão de seus estatutos. Dando andamento a essa decisão do Sínodo, o Santo Padre João Paulo II publicou, com data de 21 de maio de 1998, a Carta Apostólica sob forma de ?Motu proprio?, ?Apostolos Suos?, acerca da natureza teológica e jurídica das Conferências dos Bispos. Entre as indicações do Sínodo acolhidas por ?Apostolos Suos? está o estudo aprofundado do ?status? teológico e, conseqüentemente, jurídico das Conferências Episcopais e, sobretudo, o problema de sua autoridade doutrinal? (nº 7). Desde então, muitas Conferências em atitude de comunhão afetiva e efetiva entre seus membros e com o Sucessor de Pedro, já fizeram a oportuna revisão e adequação de seus estatutos, como foi indicado na Carta Apostólica de 1998. Nossa Conferência Episcopal (CNBB) se prepara a cumprir essa determinação e espero que consiga efetuá-lo, na próxima Assembléia Geral, no mês de julho, com a aprovação de novos estatutos. Isso virá assegurar que a direção das atividades da Conferência Episcopal esteja real e diretamente nas mãos dos Bispos. Esse passo seria, sem dúvida, um imenso benefício haurido no Grande Jubileu e no 500º aniversário da evangelização do País. Em conseqüência, o Episcopado do Brasil poderá efetivar, com maior clareza e eficácia, a sua missão evangelizadora e pastoral, para o bem dos fiéis e da sociedade.
Reconheço que se trata de um assunto complexo, pois na Igreja, o elemento constitutivo, essencialmente divino, coexiste com o contexto histórico, cujas formas humanas são revestidas de um conteúdo revelado. Diante desta relativa complexidade do assunto, não é de admirar que pessoas retas optem por um modelo de conferência episcopal diverso do apresentado por Cristo, através de seu Vigário. Por exemplo, tentar exercer autoridade superior à que Jesus concedeu a cada Bispo, legitimamente ordenado, e em comunhão com o Sucessor de Pedro. Ou ver nas Conferências um lugar de competição entre diversas correntes do pensamento reinante. No entanto, seu sagrado dever é cumprir o mandato de Jesus, contribuir para a pregação do Evangelho em todo o mundo.
O Santo Padre, em sua Carta Apostólica, deixa clara a natureza teológica e jurídica dessas instituições. Proclama a grande utilidade das Conferências Episcopais, ao lado da exaltação de sua importância, especialmente em nossos dias. Aborda o árduo problema que é a relação da Conferência com a jurisdição de cada Bispo e destes com o Sucessor de Pedro.
Jesus instituiu, como autoridade suprema na Igreja, o Colégio Universal dos Bispos com o Papa e sob Pedro e seus Sucessores. Elegeu doze homens e os constituiu ?um colégio ou grupo estável e deu-lhes como chefe Pedro, escolhido entre eles? (?Apostolos Suos?, nº 1). A autoridade dos Doze não é fruto de uma soma, mas expressão da unidade da Igreja de Cristo. Assim, dois ou três dentre eles não agiriam em nome do Colégio, mas apenas por sua própria responsabilidade. Por isso Paulo e os seus julgam necessário ir até Jerusalém, para se encontrarem com o Colégio dos Apóstolos e Pedro. (Atos, 15,2).
O documento ?Apostolos Suos? (12,2) nos diz: ?A Igreja universal não pode ser concebida como a soma das Igrejas particulares, nem como uma federação das mesmas (…) De igual modo, também, o Colégio Episcopal não há de ser considerado como a soma dos Bispos postos à frente das Igrejas particulares (…) mas enquanto constituiu elemento essencial da Igreja universal, é uma realidade prévia ao múnus de presidência da Igreja particular (AS, idem). Com efeito, o poder do Colégio Episcopal sobre toda a Igreja não é constituído pela soma dos poderes que os diversos Bispos detêm sobre suas Igrejas particulares? (AS idem).
Dessa forma, a Conferência dos Bispos, por mais importante que possa ser no plano pastoral, disciplinar e também doutrinal, de per si, não tem autoridade colegial, parcela do único Colégio Episcopal com o Papa. Ela age apenas como poder individual de cada um dos Bispos participantes. Só se suas decisões tiverem o consenso unânime de todo o Episcopado participante, os fiéis da respectiva região estarão obrigados a obedecer, por uma opção de fé, seguindo as orientações de seu próprio Bispo, se ele vive em comunhão com o Santo Padre.
A Conferência não é nem uma instância superior a cada Bispo, nem uma instância intermediária entre cada Bispo e o Papa ou o Colégio Universal. Por isso, diz o Papa: ?Não existe uma ação colegial igual a nível de cada Igreja particular, nem dos seus agrupamentos (AS 10,1). O Bispo diocesano apascenta, em nome do Senhor, o rebanho que lhe está confiado como seu Pastor próprio, ordinário, imediato e sua ação é estritamente pessoal, não colegial, embora animado pelo espírito de comunhão? (AS 10,1). Continua o Papa, com a mesma clareza: ?A nível de agrupamento de Igrejas particulares por zonas geográficas (nação, região), os Bispos que as presidem, ao exercerem conjuntamente o seu serviço pastoral, não o fazem com atos colegiais iguais aos do Colégio Episcopal? (AS 10.2).
Essas precisões doutrinárias não diminuem o valor insubstituível, até certo ponto, das Conferências Episcopais, que é fortemente acentuada pelo Papa.
O aperfeiçoamento dos estatutos, adaptados segundo as diretrizes do Sínodo de 1985 e de ?Apostolos suos?, será de grande importância para a vida católica em nosso País. Todos nós, Bispos, somos convocados para, à luz da Fé, contribuir para esse dever com a Igreja no Brasil.

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