O Rei e a rainha

Hoje é o dia de Corpus Christi. É tradição brasileira que, neste dia, sejam feitos tapetes coloridos, formando desenhos pelas ruas da cidade, por cima dos quais desfila, em processão solene, o Santíssimo Sacramento. A própria efemeridade dos tapetes os torna ainda mais belos. Para a Fé que construiu este país, esta festa não é apenas um símbolo, como o são os crucifixos arrancados de tribunais; é uma visita do Rei dos Reis.

Enquanto isso, na Inglaterra, a cabeça da Comunhão Anglicana completou há pouco seu jubileu de diamante: 60 anos de rainha, 65 anos de casada. Na sociedade inglesa, a rainha tem sido uma lembrança permanente de valores mais altos. Enquanto a sociedade tradicional inglesa se desfaz, enquanto a Comunhão Anglicana se reparte em seitas inimigas e seus bispos tentam abafar a crise e fingir que nada está acontecendo, é apenas a voz da rainha que lembra os valores que fizeram a grandeza da antiga Britânia.

Na Segunda Guerra, a jovem rainha dava o exemplo da resistência ao nazismo. Alguns anos depois, os Beatles cantaram que ela era uma moça legal, mas que não tinha muito a dizer e mudava a cada dia. Mudou a sociedade, mas permaneceu a rainha. Hoje a Inglaterra está coberta de câmeras de vídeo para inutilmente tentar controlar o comportamento dos cidadãos. Tribunais islâmicos negam oficialmente a dignidade feminina.

A rainha, que reina, mas não governa, só pode lembrar que não é necessariamente assim que a coisa deve ser. Dela vem um dos poucos discursos sensatos na política e na vida social inglesa de hoje. Até mesmo o seu filho e herdeiro, com suas tristes aventuras, já mostrou que não lhe chega aos pés.

No Brasil, a decadência opera em mão inversa: enquanto a população se mantém relativamente fiel àquilo que lhe foi transmitido pelos seus antepassados, os legisladores (e isso inclui o Judiciário, que tem se arvorado em legislador mais que a prudência ou a Constituição permitiriam) tentam construir aqui também uma distopia.

Não temos mais uma rainha para nos lembrar o óbvio; um golpe de Estado, há mais de cem anos, a substituiu por sucessivos picaretas sedentos de poder. A festa de Corpus Christi, contudo, nos lembra que acima dos reis, acima dos presidentes e juízes, há algo que não passa, algo que não muda.

Silenciosamente, conduzido em procissão solene pelas ruas por sobre tapetes efêmeros, vai o Eterno. Seu silêncio ressalta a vacuidade e as inanidades do discurso do século, e as orações do povo apontam onde está sua verdadeira lealdade. Ouçamos.

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