O sacerdote, tanto no Antigo Testamento (AT) quanto no Novo Testamento (NT) é essencialmente aquele que oferece o sacrifício. Mas o que é o sacrifício, e o que é o sacerdócio?
O sacrifício consiste basicamente na apresentação a Deus em holocausto de uma vítima pelo sacerdote. A maneira mais encontrada de se referir ao sacrifício, no AT, é a menção do sangue da vítima. O sangue da vítima apresenta propriedades especiais de purificação, sendo usado para a purificação daqueles que pecaram, para certas práticas divinatórias, etc.
Assim podemos afirmar que uma característica marcante do sacrifício é a separação do sangue e do corpo da vítima sacrificial.
Tanto no AT quanto no NT encontramos três tipos de sacerdotes, cujos encargos são diferentes, e cujos sacrifícios, como não poderia deixar de ser, são de tipos diversos.
O grau mais alto do sacerdócio é o ofício do Sumo-Sacerdote, do primeiro dentre todos os sacerdotes. Ele é o centralizador do culto e é sob sua tutela que o culto é realizado. No AT esta função é dada por Deus a Aarão; chamamos por isso os sacerdotes judeus de sacerdotes aaronitas.
O grau intermediário do sacerdócio é o sacerdócio ministerial. No AT este sacerdócio é o encargo dos filhos de Aarão e, em grau inferior, dos levitas, encarregados dos encargos subordinados ao sacerdócio, mas não sendo capazes de oferecer sacrifícios (ou seja, sacerdotes).
Antes da elevação de Aarão ao sumo-sacerdócio e de seus filhos ao sacerdócio ministerial, havia contudo o sacerdócio ministerial realizado pelos primogênitos, o que é atestado pela troca que é feita a mando de Deus entre os primogênitos de cada família e os levitas, que passam a ser propriedade de Deus.
O grau mais comum do sacerdócio é o sacerdócio universal, comum a todos os fiéis. Assim, o povo judeu foi constituído por Deus um povo de sacerdotes.
No AT encontramos ainda a figura de Melquisedeque, o Rei Justo de Salém. Melquisedeque é um personagem interessantíssimo, sem pai, sem mãe, sem nenhuma explicação oferecida de sua origem. Ele, entretanto, é sacerdote do Deus Altíssimo, e Abraão paga o dízimo a ele. Sabemos, portanto, que Melquisedeque é superior a Abraão.
Mas como isso se traduz à realidade de hoje, à Igreja estabelecida por Deus no NT?
Sem que isso seja muito surpreendente, encontramos muitos pontos em comum com a noção de sacerdócio no AT. O sacerdócio cristão também apresenta três formas básicas, sendo uma a do sumo-sacerdote, outra a do sacerdote ministerial e finalmente o sacerdócio comum a todos os fiéis.
O Sumo-Sacerdote da Igreja é Jesus Cristo.
Os sacerdotes ministeriais são os ministros ordenados (o diácono, o padre e o bispo – são apenas graus diferentes do mesmo sacerdócio, que é exercido integralmente pelo bispo e subordinadamente pelo diácono e pelo padre).
E o sacerdócio comum aos leigos também foi mantido. Somos um povo de reis, sacerdotes e profetas.
Podemos, entretanto, notar que o sacerdócio do NT não é em absoluto o mesmo sacerdócio do AT. O sacerdócio do AT era hereditário (passava de pai para filho), enquanto o sacerdócio cristão é um ministério ordenado. Note-se que Aarão foi ungido sacerdote, mas seu sacerdócio foi transmitido diretamente aos seus descendentes.
O sacerdócio do NT é o sacerdócio de Melquisedeque. Como diz o salmo, “Tu es sacerdos in aeternum secundum ordinem Melchisedec”, és sacerdote eternamente segundo a ordem de Melquisedeque.
Mas a função do sacerdote ministerial continua sendo a mesma, embora muito mais bela e muito mais elevada: a apresentação do sacrifício.
O sacerdote cristão tem como sua principal função a apresentação do Sacrifício, do Sacrifício de Cristo na Cruz, que é novamente tornado presente na Santa Missa.
Igualmente a função do sacerdócio comum aos fiéis é ainda a mesma: somos chamados a nos tornar um sacrifício vivo, uma oferenda viva a Deus.
As duas funções não se podem misturar, posto que se tratam de dois tipos radicalmente diferentes de sacerdócio. O sacerdote ministerial age em nome da comunidade, apresentando o Sacrifício a Deus. O sacerdote comum age em seu próprio nome, santificando-se de modo a se tornar uma hóstia viva e santa para O Senhor.
Muitas vezes hoje em dia vemos uma certa confusão entre muitos fiéis de boa vontade a respeito da necessidade e da diversidade essencial do sacerdócio ministerial. Levantam-se questionamentos nunca antes feitos, como a possibilidade de ordenar mulheres; muitos padres, em nome de uma teórica afirmação dos leigos, acabam por entregar a leigos funções que eles poderiam (e deveriam!) realizar. Um exemplo disso é o ministério do batismo ou do matrimônio, que podem ser realizados ou assistidos por leigos, mas que ainda assim competem em princípio ao sacerdote.
No AT esta mesma questão se levantou, e dura foi a resposta de Deus!
Livro dos Números, capítulo 16:
Coré filho de Isaar, filho de Caat, filho de Levi, tomou Datã e Abiram filhos de Eliab, bem como Hon filho de Felet, que eram filhos de Rúben, 2 e se insurgiram contra Moisés com mais 250 israelitas, todos chefes da comunidade, membros do conselho e pessoas de posição. 3 Amotinaram-se contra Moisés e Aarão, e lhes disseram: “Já é demais para vós! Pois todos os membros da comunidade são consagrados e no meio deles está o Senhor . Com que direito vos colocais acima da comunidade do Senhor ?” 4 Apenas ouviu isto, Moisés prostrou-se por terra. 5 Depois falou a Coré e a todo o bando, dizendo: “Amanhã cedo o Senhor fará saber quem é seu e quem é o consagrado que ele quer perto de si. Fará aproximar-se de si quem ele escolher. 6 Fazei o seguinte: Coré, e vós de seu bando, arranjai turíbulos, 7 e amanhã, na presença do Senhor , colocai o fogo e o incenso. Aquele que o Senhor escolher, esse será o consagrado. Será o bastante para vós, levitas!” 8 Moisés disse a Coré: “Escutai, levitas! 9 Parece-vos pouco que o Deus de Israel vos tenha segregado da comunidade de Israel, e vos tenha aproximado de si para exercerdes o serviço da morada do Senhor e estar à disposição da comunidade para servi-la? 10 Ele te aproximou de si junto com todos os teus irmãos levitas, e agora ambicionais também o sacerdócio? 11 É por isso que tu e teus partidários vos amotinais contra o Senhor! E quem é Aarão para que murmureis contra ele?” 12 Moisés mandou chamar Datã e Abiram filhos de Eliab. Mas eles responderam: “Não iremos! 13 Não basta nos teres tirado de uma terra onde corre leite e mel para nos fazeres morrer no deserto, e ainda nos queres tiranizar? 14 Na verdade não nos conduziste a uma terra onde corre leite e mel, e nenhum pedaço de terra ou vinha nos deste como herança. Queres cegar os olhos de todos estes homens? De forma alguma subiremos”. 15 Moisés ficou muito indignado e disse ao Senhor: “Não dês atenção à oferta deles! Nunca lhes tirei nem sequer um jumento e a ninguém prejudiquei”. 16 Depois disse a Coré: “Amanhã tu e teus partidários comparecei diante do Senhor , juntamente com Aarão. 17 Cada um pegará o turíbulo e porá incenso. Depois tu, Aarão e os 250 homens, munidos de turíbulos, vos aproximareis do Senhor “. 18 Pegando, pois, cada um seu turíbulo, puseram fogo e incenso e pararam à entrada da tenda de reunião. O mesmo fizeram Moisés e Aarão. 19 Coré reuniu em torno deles toda a comunidade na entrada da tenda de reunião. Então a glória do Senhor se manifestou a toda a comunidade. 20 O Senhor disse a Moisés e Aarão: 21 “Afastai-vos do meio dessa comunidade, pois vou acabar de vez com eles”. 22 Mas, prostrando-se com o rosto em terra eles disseram: “ó Deus, Deus dos espíritos de todas as criaturas! Um só homem está pecando e te enfureces contra toda a comunidade?” 23 O Senhor respondeu a Moisés: 24 “Fala à comunidade nestes termos: Afastai-vos das proximidades da moradia de Coré, Datã e Abiram”. 25 Moisés dirigiu-se para onde estavam Datã e Abiram, seguido dos anciãos de Israel, 26 e avisou a comunidade: “Retirai-vos já das tendas destes ímpios! Não toqueis nada do que lhes pertence para não serdes varridos por causa de seus pecados”. 27 Eles se afastaram das proximidades da moradia de Coré, Datã e Abiram. Datã e Abiram, porém, saíram à entrada de suas tendas e ficaram ali parados com as mulheres, os filhos e as crianças. 28 Disse então Moisés: “Agora ides saber que foi o Senhor quem me enviou para fazer tudo o que tenho feito, e que não agi por própria conta. 29 Se estes morrerem como morrem todos os homens, e se tiverem o destino do comum dos mortais, então não foi o Senhor quem me enviou. 30 Mas se o Senhor fizer algo de inaudito, se a terra abrir as entranhas e os tragar com tudo que lhes pertence e eles desceram vivos para o abismo, então sabereis que estes homens desprezaram o Senhor “. 31 Mal acabou de pronunciar estas palavras, fendeu-se o solo debaixo deles, 32 a terra abriu as entranhas e os tragou com as famílias, os partidários de Coré e todos os seus pertences. 33 Logo que eles desceram vivos ao abismo com tudo que lhes pertencia, a terra os cobriu e assim eles desapareceram do meio da assembléia. 34 Ouvindo os gritos, todos os israelitas que estavam perto deles fugiram com medo de que a terra também os engolisse. 35 Um fogo mandado pelo Senhor devorou os 250 homens que ofereciam incenso.
Capítulo 17:
O Senhor falou a Moisés: 2 “Manda Eleazar, filho do sacerdote Aarão, tirar os turíbulos do meio do incêndio e espalhar as brasas mais longe, pois estão consagrados. 3 Quanto aos turíbulos dos que pecaram e pagaram com a vida, manda reduzi-los a lâminas para revestir o altar. Assim os turíbulos que foram apresentados diante do Senhor e ficaram consagrados, servirão de lembrança para os israelitas”. 4 O sacerdote Eleazar pegou os turíbulos de bronze que tinham sido apresentados pelos homens que foram queimados, e mandou reduzi-los a lâminas para revestir o altar. 5 As lâminas serviam de advertência aos israelitas para que nenhum estranho aos descendentes de Aarão se aproximasse para oferecer incenso diante do Senhor e não lhe acontecesse o mesmo que a Coré e seu bando, conforme o Senhor tinha predito por meio de Moisés. Nova revolta do povo. 6 No dia seguinte toda a comunidade dos israelitas se pôs a murmurar contra Moisés e Aarão, dizendo: “Fostes vós que matastes o povo do Senhor “. 7 Mas quando a comunidade se amotinava contra Moisés e Aarão e se dirigia à tenda de reunião, a nuvem a envolveu e a glória do Senhor apareceu. 8 Moisés e Aarão vieram para a frente da tenda de reunião. 9 O Senhor falou a Moisés e Aarão: 10 “Retirai-vos do meio desta comunidade para que eu acabe de vez com eles”. Mas eles se prostraram com o rosto em terra. 11 Então Moisés disse para Aarão: “Pega o turíbulo, põe nele brasas tiradas do altar, coloca o incenso e corre para junto da comunidade a fim de fazer a expiação, pois o Senhor desencadeou seu furor e já começou a mortandade”. 12 Aarão pegou o turíbulo conforme a ordem de Moisés e precipitou-se para o meio da multidão. Nesse ínterim a mortandade já tinha começado entre o povo. Mas ele colocou o incenso e fez a expiação pelo povo, 13 colocando-se entre os mortos e os vivos até cessar a mortandade. 14 As vítimas daquela mortandade foram 14.700, sem contar os que tinham morrido por causa de Coré. 15 Terminada a mortandade, Aarão retornou para junto de Moisés à entrada da tenda de reunião.
Vemos assim como foi punida, e duramente punida, a rebelião daqueles que confundiram o sacerdócio comum aos fiéis com o sacerdócio ministerial!
Isso poderia ser para nós apenas uma velha história pitoresca do tempo do deserto, mas não é. Encontramos no NT uma lembrança de que esta tentação de substituir-se ao padre pode ocorrer no meio do povo cristão:
Epístola de São Judas:
3 Caríssimos, desejando vivamente escrever-vos acerca de nossa comum salvação, senti a necessidade de fazê-lo exortando a combaterdes pela fé, que uma vez para sempre foi dada aos santos. 4 Porque dissimuladamente se introduziram alguns homens, já desde tempos antigos, destinados a esta condenação, ímpios que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam nosso único soberano e Senhor, Jesus Cristo. 5 Embora saibais tudo, quero, não obstante, lembrar-vos uma vez por todas que o Senhor, depois de salvar o povo do Egito, fez perecer, a seguir, os incrédulos. 6 Os anjos que não guardaram sua dignidade e abandonaram seu domicílio, ele os guardou presos com cadeias eternas nas trevas para o julgamento do grande dia. 7 Da mesma forma Sodoma e Gomorra e as cidades vizinhas, que, como elas, cometeram imoralidades, correndo atrás dos vícios contra a natureza, servem como advertência, agora que sofrem a pena de um fogo eterno. 8 Assim também eles num louco desvario mancham o próprio corpo, menosprezam a soberania de Deus e blasfemam dos seres angélicos. 9 O arcanjo Miguel, quando discutia com o diabo, disputando-lhe o corpo de Moisés, não se atreveu a proferir um juízo de blasfêmia mas disse: Repreenda-te o Senhor. 10 Estes, no entanto, blasfemam de tudo que ignoram. E se corrompem mesmo naquilo que, à maneira de animais irracionais, só conhecem de modo instintivo. 11 Ai deles, porque andaram pelo caminho de Caim e, pelo amor do lucro, caíram no erro de Balaão e pereceram na revolta de Coré! 12 Eles são a vergonha de vossos banquetes. Banqueteiam-se convosco sem vergonha nenhuma, apascentando-se a si mesmos. São nuvens sem água arrastadas pelo vento. São árvores no fim do outono sem fruto algum, duas vezes mortas, sem raízes. 13 São ondas furiosas do mar, que lançam a espuma de suas impurezas. Astros errantes, aos quais está reservada a escuridão das trevas para sempre.
O autor da epístola nos lembra do perigo que é acreditar naqueles que dizem que não são mais necessários os sacerdotes, daqueles que dizem que o sacerdócio comum aos fiéis pode ser colocado no lugar do sacerdócio ministerial.
Ora, se Deus castigou de maneira tão violenta aqueles que fizeram exatamente a mesma coisa no AT, e ainda nos colocou no NT um lembrete para que evitemos fazer o mesmo, é bom que pensemos bastante antes de acreditar que a função do padre possa ser exercida pelos leigos…
- Fonte: A Hora de São Jerônimo