O servo de Deus Inácio de São Paulo, CP: a conversão da Inglaterra e o ecumenismo

O Servo de Deus Inácio de São Paulo (1799 – 1864) nasceu Honorável George Spencer, filho do segundo Conde Spencer. Fizera-se católico, largando o erro anglicano, em 1830. Sua história é de extrema beleza e relevância, afinal seu apostolado preconizou o verdadeiro diálogo ecumênico mais tarde adotado pela Igreja. O passionista Inácio percebera a necessidade de largar a soberba, adotar uma postura fraterna, embebida na mais genuína caridade evangélica, para que, a partir de então, se iniciasse um frutuoso diálogo visando a conversão da Inglaterra. As pretensões de Pe. Inácio eram grandiosas; ele rezava para que todo o Reino Unido saísse das trevas da heresia e abraçasse de todo o coração a Verdade cristã, em sua plenitude, o que representava a adesão formal ao credo católico.

Esse seu empenho fez dele o “Apóstolo da Oração pela Inglaterra”. Nos primórdios da sua vida educacional George Spencer teve uma forte influência evangélica, da baixa Igreja anglicana. No Eton College ele era educado pelo Reverend Richard Godley, de clara formação protestante no sentido mais fidedigno do termo. Inconformado com essa ótica puritana, reinante nas igrejas da Low Church, mudou de colégio, se submetendo aos ensinos do Reverend Blomfield, com uma formação mais clássica e com claros contornos tradicionais; assim se preparou para receber o sacramento da confirmação – inválido e ilícito. Depois de estudar Divinity, no Trinity College, em Cambridge, George fez uma viagem pelo continente; foi o primeiro contato que ele teve com a cultura e o espírito católico. No seu país o catolicismo era discriminado, visto como uma religião de gueto, dos ignorantes e ultrapassados. Ao voltar para seu país George, o filho mais novo de uma aristocrática família, foi ordenado diácono e mais tarde padre; seu pai o presenteou com a paróquia de Brington.

 

A fé anglicana de George passou a ser questionada, ele não mais tinha aquela certeza clara e convicta da veracidade da Igreja da Inglaterra. Assim sendo, caminhou entre todas as possibilidades que se mostravam possíveis; foi da Baixa Igreja até a Alta Igreja, estudou o metodismo, presbiterianismo e outras correntes não-conformistas. Nada o enchia, justamente o contrário, todas essas variedades teológicas dentro de uma mesma Igreja apenas ajudavam na constatação das inerentes contradições essenciais do anglicanismo – “O resultado de todas essas discussões com diferentes seitas do protestantismo era a convicção de que nenhum de nós [protestantes] havia a correta visão do cristianismo”. Foi assim que se motivou a leitura dos escritos dos Padres da Igreja o que, naturalmente, levou a clara percepção da drástica diferença entre o pensamento católico e protestante; a Igreja Anglicana não tinha como ser protestante-católica, ou era protestante, e com isso deveria renegar boa parte dos seus ensinamentos tradicionais – que já eram rechaçados pelas alas evangélicas – ou era católica, concordando com a origem divina de certos ensinamentos romanos, mas com isso tinha que, pela lógica honestidade, aderir a todo o resto. Assim disse Pe. Spencer ao relatar sua conversão:

 

O princípio fundamental de todos os professos protestantes é aderir a Escritura como a única regra de fé e moral. Eu logo descobri que, na constituição da Igreja da Inglaterra, existiam muitas coisas que eu não poderia claramente defender pela simples Escritura, mas eram geralmente pontos que eu não era obrigado a declarar o meu consentimento direto, pareciam questões de disciplina: mas, finalmente, eu encontrei uma dificuldade em um dos Trinta e Nove Artigos da Religião, o qual todos os sacerdotes são obrigados a assinar, que eu não podia sinceramente responder, e por conta determinou que eu não poderia subscrever novamente. Este foi o oitavo artigo, no qual tinha que afirmar que os três credos recebidos pela Igreja da Inglaterra, isto é, o dos Apóstolos, o de Nicéia e o Atanasiano, poderiam ser claramente comprovados pela Escritura.

 

George passou a se corresponder com sacerdotes católicos que estimulavam a sua caminhada. Foi de especial relevância Ambrose Phillipps de Lisle, um inglês convertido ao catolicismo. Depois de inúmeros encontros com Padres, onde transmitia suas dúvidas, e conversas com de Lisle, que entendia suas questões e a crise espiritual que vivia, George Spencer largou sua vida em Brington para ser recebido no seio da Santa e Una Igreja de Cristo.

 

O catolicismo, na Inglaterra, era repudiado por ser entendido como uma religião velha, antiga. O anglicanismo estava intimamente ligado a própria identidade britânica, os confrontos entre os protestantes e os católicos, tanto no período da Reforma com da Rainha Maria I, ou como a revolta de irlandeses contra a opressão dos escoceses calvinistas, ajudavam a modelar o espírito inglês, ajudavam a construir o ethos da Ilha. Católicos não se faziam presentes no Parlamento e nas Universidades – o que estimulava a criação da caricatura do católico estúpido. Até mesmo Lord Acton foi impedido de estudar em Cambridge por professar a fé romana. Sabendo de toda essa realidade cultural, George Spencer, depois de convertido, resolveu ir a Roma onde, além de se instruir com mais profundidade na Religião, se distanciaria da confusão instaurada depois da notícia da sua conversão: uma família de grande destaque no cenário aristocrático nacional ter um filho convertido ao catolicismo era um grande golpe. Em Roma ele estudou no Venerable English College. Na Cidade Eterna conheceu duas figuras marcantes na sua vida: Nicholas Wiseman, que o educou na fé, mais tarde Cardeal e Arcebispo de Westminster, sendo o primeiro Pastor católico em terras inglesas depois da Reforma, e Beato Domingos Barberi, um Sacerdote passionista que foi determinante na vocação de Spencer, tendo sido um dos grandes entusiastas do projeto de conversão de toda a Inglaterra. Pe. Barberi sempre se interessou pelo Movimento de Oxford, chegou a trocar muitas correspondências com John Dobree Dalgairns – mandou para ele, a pedidos, a Regra Passionista e o livro de sua autoria 'The Lament of England’ -, um homem de destaque entre os tractarianos, sendo o responsável pela tradução da Catena aurea de Santo Tomás e autor do Life of St Stephen Harding, escrito por conta do derradeiro projeto de Newman dentro do anglicanismo; Lives of the English Saints. Posteriormente, Dalgairns foi recebido na Igreja Católica pelas mãos de Domingos Barberi – depois se tornou Sacerdote e oratoriano. O mesmo Padre, hoje Beato, foi até Littlemore, a pedido de Newman, onde após ouvir sua confissão e “dispensar o caridoso ofícío” fez dele um filho da Igreja de Cristo – Beato Domingos também foi responsável pela conversão da Serva de Deus Elisabete Prout, Passionista, fundadora das “Irmãs da Cruz e da Paixão”. Assim falou Newman, no seu livro, sobre Pe. Domingos CP:  “É um homem simples e de grande santidade; é ademais, dotado de preciosas qualidades. Nada sabe de minhas intenções, mas, pretendo perdir-lhe que me admita no único redil de Cristo.” Pe. James Brodrick SJ no seu trabalho, “Second Spring’ of Catholicism in England”, disse:

 

"A segunda Primavera [do catolicismo na Inglaterra] não começa quando Newman se converte nem quando a hierarquia é restaurada. Começa em um gélido dia de outubro de 1841, quando um pequeno sacerdote comicamente trajado [Pe. Domingos era fitado com suspeita por ser um Padre católico mas, principalmente, pelo impacto testemonial que causava o seu hábito passionista],  abre alas até Folkstone"

Cardeal Bourne, quarto Arcebispo de Westminster, falou assim de Beato Domingos Barberi:

“De todos os pregadores da palavra divina que trabalharam para a salvação das almas, na Inglaterra,  não há ninguém a quem mais devemos do que o Servo de Deus, Domingos Barberi. Eu ficaria muito feliz se tivesse o poder para dedicar toda essa diocese ao seu cuidado e proteção e consentir que fosse honrado como nosso Patrono e Padroeiro da Inglaterra.”

 

Pe. Domingos Barberi – o primeiro Sacerdote a realizar uma procissão de Corpus Christi desde a Reforma – tornou-se, assim, um dos grandes diretores espirituais do projeto de George: a conversão da Inglaterra deveria ser fruto da cruzada de orações, mas sabiam eles que aqueles que largavam o anglicanismo para adentrar na Religião faziam após um longo itinerário intelectual, ou seja, eram conversões que vinham da mais absoluta certeza – “Porque o Catolicismo romano” na visão desses homens, no caso Newman, era “o desenvolvimento vital do Cristianismo primitivo”.  O rico e nobre inglês, depois de convertido, foi ordenado diácono e posteriormente Sacerdote. Mais tarde, em 1847, George Spencer entrou na Congregação dos Passionistas, recebendo o santo hábito das mãos de Beato Domingos, adotando o nome de Inácio de São Paulo. Depois da morte do seu grande amigo Pe. Inácio tornou-se o Provincial da Bélgica e Inglaterra.

 

Já de volta ao Reino Unido Pe. Spencer ficou conhecido pelas suas grandiosas pregações; ele fundava escolas, dava palestras, pregava em igrejas e ainda fazia a direção espiritual de seminaristas. Não obstante, nada o distanciou do seu grande projeto, um apostolado pessoal e universal: a conversão da Inglaterra. Assim, em diálogo com o Arcebispo de Paris, propôs a "Cruzada de Oração para a conversão da Inglaterra". Ele, que já havia convertido anglicanos que se sentiam tocados ao ouvir seus sermões, agora se dedicava ao sonho de um dia ver todo o seu país na verdadeira Igreja. Muitos de seus amigos aderiram ao movimento, seu apelo sensibilizou todos os corações católicos na Europa, mas ele queria ir além. Spencer foi pioneiro no diálogo ecumênico; pretendia a participação dos anglicanos na mesma corrente de preces e orações. Para isso procurou contar com os fiéis da Igreja da Inglaterra que sinceramente se preocupavam com o problema da unidade, ou melhor, a falta da unidade do anglicanismo. Conversou, inclusive, com o famoso John Henry Newman, que relatou desse modo seu encontro com Pe. Spencer:

 

Este sentimento levou-me a extremos de indelicadeza para com Mr. Spencer, homem animado de zêlo e caridade, por ocasião da sua vinda a Oxford em 1840, para organizar um movimento de orações em prol da unidade. Eu mesmo, nessa época ou pouco depois, ocupava-me em promover orações nessa intenção. Foi até um dos meus primeiros pensamentos após o choque que recebera; mas, aborrecia-me demasiado a ação política dos membros da Igreja romana na Inglaterra, para desejar contato com eles.

 

Newman aqui se referia aos embates e lutas dos católicos que buscavam resgatar o direito de cidadania numa Inglaterra solidamente anti-romana. E qual a ironia ao perceber que o Sacerdote que fez de Newman católico era nada menos que Domingos Barberi, o grande amigo de Inácio Spencer e seu irmão passionista!

 

Como citado por Pe. Machado da Fonseca, tradutor da Apologia Pro Vita Sua, de Card. Newman, assim comentou Maurice Nedoncelle na sua obra Les leçons spirituelles du XIXe siècle. Paris 1937:

 

”Deu-se no seio da nossa Igreja, de modo especial no fim do séc. XIX um crescente anseio de clareza e caridade nos trabalhos dos historiadores e no método dos homens de ação. Um convertido, Padre Inácio Spencer, desde 1832 lançara a idéia de uma cruzada de orações pela volta dos anglicanos à fé tradicional. Recebido em audiência por Pio IX pediu respeitosamente ao Papa que evitasse o termo herege na carta que solicitava em favor da sua obra.

 

Explicou que antes da conversão não tinha consciência de estar no erro e certas palavras o teriam chocado como censuras incompreensíveis. O Papa, de inicio surpreendido por essa suplica inesperada, acabou por compreender a delicadeza da situação. Daí por diante, os documentos romanos não falam mais de hereges. Mas de não-católicos”.

 

Spencer zarpou para a Irlanda, onde foi pedir a oração da céltica nação católica aos ingleses. Do mesmo modo, junto ao Papa Pio IX, recebeu as bênçãos e os louvores da Igreja a esse propósito tão cristão e católico, ainda foi apoiado por diversos Bispos e, inclusive, se reuniu com o Imperador Francisco José da Áustria. Vejam como essa atitude foi pioneira, hoje a doutrina católica ainda reconhece como herético os ensinamentos protestantes, originados de concepções pessoais, humanas, frutos do pecado e da soberba dos reformadores. Mesmo tendo a plena consciência disso – afinal dizer o contrário seria relativizar a Verdade – a Igreja vê a necessidade de não dialogar com o “triunfalismo marginalizador”, uma “soberba salvífica” muitas vezes vinda de uma interpretação reducionista da verdade do Extra Ecclesiam nulla salus. A Igreja estende a mão para ajudar a reerguer aqueles irmãos separados, que vivem nas trevas do erro. Isso em nada desmerece os ensinamentos eternos do Magistério, nem diminui a situação de pesar em que se encontra os protestantes, mas apenas se fundamenta num vocabulário ameno para que assim, por meio de encontros e conversações, os religiosos possam mostrar a profundidade e beleza da doutrina católica. Quando o Beato Pio IX autorizou que nos documentos não se fizesse referência aos anglicanos como “hereges” mas como “não-católicos” Sua Santidade não estava legitimando o erro, mas apenas dando o primeiro passo, enquanto Vigário de Cristo, para que aqueles que viviam nas sombras pudessem se aproximar da Igreja, mesmo que para um simples diálogo, sem rancor e ódio originado do anticatolicismo.

O ecumenismo, como pensado pela Igreja, não perpassa pelo relativismo empobrecedor, uma abjuração de todos os ensinamentos que sempre foram cridos. Ao contrário, quanto mais se estabelece esse discurso de rompimento e cisão do comportamento ecumênico pré e pós-Conciliar, que não tem nenhum respaldo nos documentos magisteriais, mais se destaca o erro daqueles que defendem, mesmo que indiretamente, essa postura modernista frente aos eternos ensinamentos da Igreja. Esse espírito de descaso apenas favorece os grandes inimigos da fé; a imoralidade, o liberalismo, o ateísmo. S.S João Paulo II, na carta encíclica Redemptoris Missio, em 1990, disse:

“uma das razões mais graves para o escasso interesse pelo empenhamento missionário é a mentalidade do indiferentismo, hoje muito difundida, infelizmente também entre os cristãos, freqüentemente radicada em concepções teológicas incorretas, e geradora de um relativismo religioso, que leva a pensar que  tanto vale uma religião como outra (…) Hoje o apelo à conversão, que os missionários dirigem aos não cristãos, é posto em discussão ou facilmente deixado no silêncio.”

O documento Dominus Iesus, de 2000, escrito pelo então Cardeal Ratzinger, hoje Bento XVI, e aprovado pelo Papa João Paulo II, deixa de forma claríssima a postura da Igreja frente a diversidade religiosa e a heterogeneidade teológica. Assim declarou a Congregação para a Doutrina da Fé:

"No vivo debate contemporâneo sobre a relação entre o Cristianismo e as outras religiões, se torna cada vez mais comum a idéia de que todas as religiões sejam para os seus seguidores caminhos igualmente válidos de salvação. Trata-se de uma persuasão cada vez mais difundida, não só em ambientes teológicos, mas também em setores sempre mais vastos da opinião pública católica e não católica, especialmente aquela mais influenciada pela orientação cultural que hoje prevalece no Ocidente, que se pode definir, sem medo de ser desmentido, com a palavra: relativismo (…) deve-se crer firmemente como verdade de fé católica a unicidade da Igreja por Ele fundada. (…) Seria obviamente contrário à fé católica considerar a Igreja como um caminho de salvação ao lado dos constituídos pelas outras religiões”

Ademais, vale lembrar que, a Igreja teve o cuidado de notificar o teólogo Jacques Dupuis por conta da sua tal teologia do “pluralismo religioso”. Disse o Papa, em 2001:

“É contrário à fé católica considerar as várias religiões do mundo como vias complementares à Igreja em ordem à salvação. (…) mas não tem qualquer fundamento na teologia católica considerar estas religiões, enquanto tais, caminhos de salvação”

As palavras de Dom Tarcísio Bertone, na época, 2002, Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, são esplêndidas:

“Nós sublinhamos, justamente durante o ano jubilar, os problemas que nascem de uma certa concepção do pluralismo religioso em teologia, quer dizer, a passagem da afirmação de um pluralismo que existe de facto (com a pluralidade das religiões e das orientações religiosas no seio da humanidade) a um pluralismo de iure, de princípio, como se fosse a vontade de Deus que existisse diferentes religiões como meios de salvação, como dom da salvação, e que a 'religio única', a religião revelada, a 'religio vera', revelada por Deus mesmo pela encarnação de seu Filho, do Filho único de Deus, Jesus, que nos falou, depois que Deus falou tantas vezes pelos profetas, eu repito, como se a 'religio vera' não fosse senão uma entre tantas outras e como se ela não fosse 'a' religião da salvação.”

E, por fim, as palavras de Cardeal Kasper no 40° aniversário do decreto conciliar Unitatis Redintegratio:

“Os princípios católicos do ecumenismo, enunciados pelo Concílio Vaticano II e mais tarde pelo Papa João Paulo II, são clara e inequivocadamente opostos a um irenismo e a um relativismo que tendem a banalizar tudo (cf. Unitatis redintegratio, 5, 11 e 24; Ut unum sint, 18, 36 e 79). O movimento ecuménico não renuncia a nada daquilo que até agora foi precioso e importante para a Igreja e na sua história; ele permanece fiel à verdade que na história é reconhecida e definida como tal, e nada lhe acrescenta de novo. O movimento ecuménico e a finalidade que ele mesmo se propõe, ou seja, a plena unidade dos discípulos de Cristo, permanecem inscritos no sulco da Tradição.”

Fica mais do que claro que o ecumenismo não dialoga com o relativismo, ou seja, não se fundamenta nessa oba-oba doutrinário. Vejamos, partir da premissa de que a Igreja de Cristo se encontra dividida, que todas as religiões são plenos caminhos de salvação, são afirmações que, além de se opor aos ensinamentos da Igreja – e se alguém é católico, e o é por livre escolha, seque a Igreja por enxergar nela, a Esposa de Cristo, não só uma Instituição Invisível, mas também Visível e Estável, com o múnus divino de ensinar e guiar a humanidade até Nosso Senhor – colocam em discussão toda a noção de catolicismo. Se a Igreja se encontra dividida e todas as religiões são plenos caminhos de salvação isso indica, naturalmente, que tudo aquilo que foi ensinado pelo Magistério, durante milênios, era obtuso e enfadonho, que santos e Papas se enganaram ao crer em algo que não era para ser crido, que fiéis que seguiam tais ensinamentos na verdade viviam na ilusão. Sim, esse é o resultado prático de tal postura ecumênica, do falso ecumenismo.

O verdadeiro e real ecumenismo, que deve ser louvado e propagado, é aquele que direciona para a Igreja Católica, sem que para isso haja um espírito de petrificação ou de arqueologismo. O cristianismo santifica as culturas e se enriquece com a diversidade – diversidade essa que tem como base um fio condutor comum. Unidade cristã não significa uniformidade cristã. A própria Igreja já é a prova viva dessa rica realidade, é só reparar a variedade de ritos e espiritualidades; Maronitas, Coptas, Melquitas, Ucranianos, Etíopes, Latinos, Armenos, Croatas etc, diversas formas de vivenciar a fé cristã e de celebrar e honrar a Eucaristia mas, obviamente, tendo a mesma doutrina e seguindo a mesma Verdade. Além desses exemplos sobreditos ainda é relevante recordar o caso dos protestantes convertidos, como os anglicanos; eles voltam para a Igreja mas mantém ritos e tradições próprias, com a devida aprovação Papal depois da necessária correção dos erros contidos. Vejam como o rito de uso anglicano, seguido nas paróquias convertidas ao catolicismo, não só enriquece a catolicidade do catolicismo como se encaixa dentro da diversidade contida na Igreja?

Assim disse o Santo Padre Bento XVI:

“Contudo, esta unidade não significa aquilo a que se poderia chamar ecumenismo de volta: isto é, renegar e recusar a própria história da fé. Absolutamente não! Não significa uniformidade em todas as expressões da teologia e da espiritualidade, nas formas litúrgicas e na disciplina. Unidade na multiplicidade e multiplicidade na unidade”

O Papa, de forma belíssima, mostra que os irmãos separados não precisam renunciar tudo o que construíram ao longo dos anos de dor e pesar, os séculos de cisma e heresia. Claro que isso não é uma validação do erro, ao contrário. Sabemos que as sementes do Verbo se fazem presentes em muitas crenças que estão fora da Igreja, e são essas sementes que devem ser mantidas e regadas pela Esposa de Cristo, ou seja, os elementos católicos – a Verdade se encontra em Sua plenitude na Igreja de Cristo – contidos no erro. O ecumenismo, assim como tem a busca sincera pelo triunfo da Verdade, busca, de modo honesto, acabar com preconceitos e ranços oriundos de tempos de constante desgaste e embate. O conhecimento mútuo é de imprescindível necessidade. Entretanto, é bom frisar, esse diálogo não deve ser norteado por sentimentos e vontades apaixonadas, além da oração, o cerne de toda sincera conversão, deve-se ter em conta a essencial vinculação ao saber intelectual, valorizar e colocar em destaque o itinerário teológico como base fundamental de qualquer (verdadeiro) ecumenismo. Quando nós, católicos, deixamos de lado a segurança da teologia da Igreja, do saber dogmático e do conteúdo doutrinal, não mais estamos dialogando, mas negociando a nossa fé. Nas palavras do Servo de Deus João Paulo II, na carta encíclica Ut Unum Sint: “Os elementos desta Igreja [a Igreja criada por Cristo] já realizada existem, reunidos na sua plenitude, na Igreja Católica e, sem essa plenitude, nas demais Comunidades”. Na palavras do Cardeal Kasper, no encontro do Papa Bento XVI com o Colégio Cardinalício nas Vésperas do Consistório Público Ordinário, em 2007:

 

“Naturalmente, ecumenismo não é sinónimo de humanismo afável, nem de relativismo eclesiológico. Ele fundamenta-se na firme consciência de que a Igreja católica tem de si mesma e nos princípios católicos, sobre os quais discorre o Decreto conciliar sobre o ecumenismo (Unitatis redintegratio, 2-4). Trata-se de um ecumenismo da verdade e da caridade; estas duas estão intimamente ligadas entre si e não podem substituir-se de forma recíproca. Em primeiro lugar, há que respeitar o diálogo da verdade.”

Esse é o verdadeiro ecumenismo da Igreja, o verdadeiro ecumenismo do Servo de Deus Inácio de São Paulo.  Ou seja, dialogar com as Igrejas – estas são as que possuem Sucessão Apostólica e verdadeiro episcopado, mesmo que ilícito, e que conservam a integridade do mistério eucarístico,, como a ortodoxa – e as Comunidades Eclesiais – que não têm sequer verdadeiro episcopado e graça sacramental, como as protestantes – que estão fora da plena comunhão para que assim, por meio de um caridoso e honesto debate, haja o triunfo da Verdade para o bem de todas as almas. Afinal, como disse a Congregação para a Doutrina da Fé na declaração Mysterium ecclesiae:

“Os fiéis não podem, por conseguinte, imaginar a Igreja de Cristo como se fosse a soma — diferenciada e, de certo modo, também unitária — das Igrejas e Comunidades eclesiais; nem lhes é permitido pensar que a Igreja de Cristo hoje já não exista em parte alguma, tornando-se, assim, um mero objecto de procura por parte de todas as Igrejas e Comunidades”

Era isso em acreditava o Servo de Deus Inácio, afinal era e é isso o ensinado pela Igreja. Contrariar a Igreja é contrariar a Cristo, afinal "Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou" (Lc 10,16) Como não amar a Cristo sem servir a Sua Esposa? Como seguir os ensinamentos de Nosso Senhor sem obedecer as definições eclesiásticas? E como renegar a Igreja sem apostatar espiritualmente da fé?

 

Pe. Inácio Spencer morreu em 1864, foi enterrado ao lado do seu amigo e irmão passionista Domingos Barberi, na St Anne's Church, em St Helens, Inglaterra.

 

Assim, juntamente com Pe. Inácio de São Paulo, vamos rezar a oração composta por Cardeal Wiseman para a conversão da Inglaterra:

Ó Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa gentilíssima Rainha e Mãe, ponde o vosso olhar com misericórdia sobre a Inglaterra, vosso “dote”, e sobre nós todos que esperamos e confiamos firmemente em vós. Por vós é que Jesus, nosso Salvador, e também nossa esperança foram dados ao mundo, e Ele vos deu a nós para que possamos ter ainda mais esperança. Rogai por nós, vossos filhos, a quem recebestes e aceitastes ao pé da cruz, ò Mãe dolorosa. Intercedei por nossos irmãos separados, que possam ser unidos conosco, em único verdadeiro cercado, ao Pastor supremo, o Vigário de Vosso Filho. Rogai por nós todos, querida Mãe, para que pela fé frutificada em boas obras possamos todos merecer ver e louvar a Deus, junto convosco, em nosso lar celestial. Amém.

[O BLESSED Virgin Mary, Mother of God and our most gentle Queen and Mother, look down in mercy upon England thy “Dowry” and upon us all who greatly hope and trust in thee. By thee it was that Jesus our Saviour and our hope was given unto the world; and He has given thee to us that we might hope still more. Plead for us thy children, whom thou didst receive and accept at the foot of the Cross, O sorrowful Mother. Intercede for our separated brethren, that with us in the one true fold they may be united to the supreme Shepherd, the Vicar of thy Son. Pray for us all, dear Mother, that by faith fruitful in good works we may all deserve to see and praise God, together with thee, in our heavenly home. Amen.]

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