- Autor: Constantine Cavarnos
- Fonte: Livro “The Hellenic-Christian Philosophical Tradition”, cf. página Teologia Mística das Igrejas do Oriente no Facebook
“A presença de idéias e termos platônicos é tão notável nas obras de Gregório de Nissa, um irmão de São Basílio, que ele foi chamado por alguns de “platonista cristão”. Outros dois Padres da Igreja posteriores – João Damasceno, que floresceu na primeira metade do oitavo século, e Fócio Magno, que viveu no século seguinte – foram caracterizados por alguns como “aristotélicos cristãos”, por terem ambos escrito capítulos substanciais sobre as Categorias e os Predicáveis de Aristóteles. Mas uma leitura atenta do corpo inteiro de suas obras mostra que eles fizeram uso muito maior das obras de Platão que de Aristóteles, principalmente em suas discussões sobre Deus e a alma humana. Com relação a Fócio, é bem digno de nota que em seu Léxico das obras dos gregos antigos, intitulado Lexeon Synagoge, há bem mais referências a Platão que a Aristóteles. Quando relaciona as palavras usadas por Platão, Fócio costuma nomear as obras platônicas nas quais elas aparecem. Ele menciona ao todo quinze diálogos.
Além disso, em certo lugar ele fala de Platão como “grande” (ho megas Platon), mas em lugar algum ele aplica essa palavra de elevada distinção a Aristóteles. Com base nessa evidência interna, haveria razão em chamar Damasceno e Fócio de “platonistas” em vez de “aristotélicos”. Na verdade, o uso de qualquer desses termos em relação a eles é inapropriado, um erro grave, como também o é se aplicado a Justino Mártir, Basílio Magno, Gregório de Nissa ou qualquer outro dos Padres Gregos da Igreja. Pois o fundamento de seu pensar não é nem o Platonismo, nem o Aristotelismo, nem algum outro sistema secular de pensamento, mas a revelação cristã. Esse fato de extrema importância é reconhecido com freqüência pelos Padres Gregos, dos primeiros aos últimos. Assim, o Padre do século quatorze, Gregório Palamas, Arcebispo de Tessalônica, diz: “De onde aprendemos sobre Deus, sobre o universo, sobre nós mesmos o que é certo e livre de erro? Não é do ensinamento do Espírito?”
A adoção de certas idéias e termos de Platão, Aristóteles e outros autores pagãos não faz dos Padres Gregos da Igreja partidários de tais autores. Eles não teriam nenhuma objeção a serem chamados simplesmente de “filósofos”. Pois eles chamam o Cristianismo de “filosofia”, “a divina filosofia”, e caracterizam a reflexão séria sobre um certo problema ou tópico, como aqueles nos quais se engajaram, como “filosofar”. Mas nenhum deles chamou a si mesmo, ou a algum de seus predecessores cristãos instruídos, de “platonista”, “aristotélico”, “platonista cristão” ou “aristotélico cristão”. Tais caracterizações eram-lhes impensáveis. Eram impensáveis porque teriam sido falsas, pois o fundamento de seu pensar era, como já destacamos, nem platônico, nem aristotélico, mas cristão. Muito embora tenham realmente usado muitos elementos de Platão e Aristóteles, eles escolheram aqueles elementos que não contradiziam o ensinamento revelado, mas estavam em harmonia com ele e ajudavam a exprimir ou ilustrar seu conteúdo. Em outras palavras, seu uso da filosofia pagã não foi indiscriminado ou servil. Foi, ao contrário, um uso bastante seletivo ou “eclético”, que lhes deixou liberdade suficiente para criticar os erros da filosofia secular. O material para esse ecletismo foi-lhes fornecido não apenas pelas obras de Platão e Aristóteles, mas também dos estóicos e outros filósofos gregos e, também, pelos poetas, historiadores e oradores gregos antigos. A seguinte citação de São Basílio é bastante esclarecedora nesse sentido:
- “Tendo em vista ser pela virtude que devemos tomar posse desta nossa vida, e que muito já foi proferido em louvor da virtude pelos poetas e historiadores e mais ainda pelos filósofos, creio que deveríamos nos dedicar principalmente a essa literatura”.
O princípio condutor para tal ecletismo foi desenvolvido por Basílio e usado pelos demais teólogos-filósofos cristãos ou Padres da Igreja do Oriente. Basílio aconselhava: Aproveite dos livros pagãos tudo que convenha ao cristão e seja aliado da verdade, e descarte o restante. O modelo a ser usado é o da abelha. Diz Basílio:
- “De um modo geral, devemos usar essas obras à maneira das abelhas, pois elas não visitam todas as flores sem discriminação, nem levam tudo das flores onde pousam, mas ao invés, tendo carregado somente o que lhes é necessário, deixam o restante para trás”…
Uma das razões pelas quais os Padres Gregos selecionaram e adaptaram tais elementos foi porque eles os acharam bastante úteis para formular de forma clara e precisa o conteúdo da fé cristã. Outra razão foi o fato de que o uso de termos e conceitos filosóficos atrairia à fé os mais educados entre os pagãos – os que tinham recebido instrução em filosofia. Por essas razões, também, eles escolheram como sua linguagem não o grego comum, o koiné, mas o grego ático, usando como modelos principalmente os grandes mestres da prosa ática: Platão, Aristóteles, Demóstenes e Tucídides. De Platão, eles aproveitaram muitos elementos filosóficos, modificaram-nos em maior ou menor grau, e os assimilaram organicamente ao ensinamento cristão.”