Ônibus brasileiro

Poucos anúncios são tão apavorantes quanto os de “um ônibus brasileiro na Europa”. Fico imaginando o suplício de estar lá, ao lado das origens da nossa cultura e isolado delas pelas janelas de um ônibus cheio de ginga e malemolência, cujos passageiros acham que a Catedral de Notre Dame é uma imitação da Matriz de Botucatu.

Um escritor americano batizou essa mentalidade de “provincianismo temporal”. É o modo de pensar de quem não se dá conta de que vive em um momento pequeno de uma história muito maior, de quem não percebe que muito do que parece ter sempre estado por aí é recentíssimo, e muito do que parece mutável é parte da natureza do homem, logo de qualquer sociedade. O provinciano temporal vê uma obra de arte chinesa de 3 mil anos e a toma por artigo da loja de R$ 1,99; ouve vagamente falar da Idade Média e acha que é um tempo de bárbaros, interpreta as ações de Colombo como se se tratasse de Eike Batista e confunde o profeta Jeremias com o padre Fábio de Melo.

Para ele, esta sociedade nos estertores da decadência em que estamos é o ponto mais alto da evolução humana, e daí só há de vir coisa ainda melhor. O Estado – essa invenção recentíssima e já em vias de desaparecimento – é algo natural, que sempre existiu e sempre existirá, e provavelmente em breve as mocinhas não serão mais românticas e os rapazes terão uma constante necessidade de “discutir a relação”.

Trancados como os passageiros do famigerado “ônibus brasileiro”, os provincianos temporais riem do que não entendem. Isolados da História, não veem que tudo que os cerca já teve outras formas, que até mesmo a faculdade do tempo de seus avós era essencialmente diferente – e não para pior! – da faculdade que hoje cursam.

Como, neste ônibus fechado, o novo é sempre o melhor, eles se acham mais espertos que seus antepassados. Acham que o ditado “o Diabo sabe mais por ser velho que por ser diabo” não faz sentido, e para eles um avô ou tio idoso é apenas alguém que não tem perfil no feicebuque e não ouve a música da moda. Um ignorante, um coitado.

É, contudo, possível abrir a porta do ônibus, ganhar as ruas e deixar para trás esse sufocante ambiente. Basta sentar aos pés do avô e perguntar-lhe sobre o seu tempo, tentar descobrir quem é o sujeito que deu nome à rua em que se mora e o que ele fez. Ver-se, em suma, como um viajante num mundo estranho e curioso, carregado de história e de significados. Somos todos turistas no mundo: saiamos do ônibus e aproveitemos a viagem.

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