Os heresiarcas e os movimentos heréticos baseiam suas doutrinas na interpretação da Bíblia separada do Magistério e da Tradição.
Ao longo da história da Igreja primitiva, vemos que ela lutou continuamente contra as heresias e contra quem as promovia. Vários foram os concílios que responderam aos desafios dos detratores [15] e recorreram à Roma para dar um fim às disputas doutrinárias e disciplinares. Por exemplo, o Papa Clemente interveio em uma discussão na comunidade de Corinto no fim do primeiro século e acabou com um cisma por lá. No segundo século, o Papa Vitor excomungou uma grande parte da Igreja no Oriente por motivos de divisões sobre quando a páscoa deveria ser celebrada. No início do século três, o Papa Calixto condenou a heresia sabeliana.
Nestes casos, quando estas heresias ou conflitos disciplinares ocorrem, as pessoas envolvidas defendem seus erros através de sua própria interpretação das Escrituras, excluindo a participação da Tradição e do Magistério da Igreja. Um bom exemplo disto é o caso de Ário, sacerdote do quarto século que declarou que o Filho de Deus era uma criatura e não co-substancial ao Pai.
Ário e todos os seus seguidores citavam versículos da Bíblia para provar seus argumentos [15]. Os debates que chegaram por causa desta doutrina tornaram-se tão volumosos que foi convocado o primeiro Concílio Ecumênico, em Nicéia, em 325 d.C. O Concílio, sob a autoridade do Papa, declarou serem as doutrinas arianas heréticas e elaborou declarações definitivas quanto à pessoa de Jesus, e fez isso baseada no que a Sagrada Tradição tinha a dizer sobre os versículos bíblicos em questão.
Aqui vemos a autoridade da Igreja sendo utilizada como última e extremamente importante palavra em matéria doutrinária. Caso não existisse autoridade alguma a quem apelar, a heresia de Ário poderia ter se apossado da Igreja. A maioria dos bispos daquela época foi seduzida pela heresia ariana [17]. Apesar de Ário ter fundamentado sua doutrina nas Escrituras – e provavelmente comparou a Escritura pela Escritura – o fato é que chegou a uma conclusão herética. Foi somente a autoridade do ensino da Igreja – hierarquicamente constituída – que o freou e declarou que estava errado.
A implicação é óbvia. Se você perguntar a algum protestante se Ário estava ou não correto em sua doutrina de que o Filho fora criado, ele irá, claro, responder que não. Enfatize, então, que mesmo que ele tenha utilizado as Escrituras pelas Escrituras, mesmo assim ele chegou a uma conclusão errada. Se isto foi verdadeiro para Ário, o que garante ao protestante que este não é o caso acerca de sua interpretação de uma dada passagem bíblica? O fato de os protestantes reconhecerem que a interpretação de Ário estava errada implica dizer que de fato houve uma base bíblica para seus argumentos. Este fato, portanto, transforma-se em um questionamento acerca do que seja uma verdadeira interpretação bíblica. A única explicação possível é que deve haver, por necessidade, uma autoridade infalível que no-la diga. Esta autoridade infalível, a Igreja Católica, declarou Ário um herege. Se a Igreja Católica jamais foi infalível ou possuiu alguma autoridade em suas declarações, então os cristãos não teriam razão alguma em rejeitar Ário e aceitar a autoridade da Igreja, e a maioria do cristianismo atual seria baseado nos ensinamentos de Ário.
É evidente, portanto, que usar somente a Bíblia não é garantia de se chegar a uma doutrina verdadeira. O resultado acima descrito é o que acontece quando a falsa doutrina da Sola Scriptura é utilizada como princípio guia, e a história da Igreja e das inúmeras heresias que teve de combater são testemunhas inegáveis deste fato.