Papa Bento XVI faz balanço dos 100 anos de ecumenismo

Intervenção de Bento XVI durante a audiência geral dedicada à Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que se celebra de 18 a 25 de janeiro. 

Queridos irmãos e irmãs:

Estamos celebrando a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que concluirá na próxima sexta-feira, 25 de janeiro, festa da conversão do apóstolo Paulo. Os cristãos das diferentes igrejas e comunidades eclesiais se unem nestes dias a uma invocação conjunta para pedir ao Senhor Jesus o restabelecimento da unidade plena entre todos os seus discípulos.

É uma súplica feita com um só espírito e um só coração, respondendo ao anseio do Redentor, que na Última Ceia se dirigiu ao Pai com estas palavras: «Não rogo só por estes, mas também por aqueles que, por meio de sua palavra, crerão em mim, para que todos sejam um. Como tu, Pai, em mim e eu em ti, que eles também sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste» (João 17, 20-21). Pedindo a graça da unidade, os cristãos se unem à oração de Cristo e se comprometem a atuar ativamente para que toda a humanidade o acolha e o reconheça como o único Pastor e Senhor e deste modo possa experimentar a alegria de seu amor.

Neste ano, a Semana da Oração pela Unidade dos Cristãos assume um valor e um significado particulares, pois recorda os cem anos de seu início. Desde seus inícios foi uma intuição verdadeiramente fecunda. Foi em 1908: um anglicano americano, que depois entrou em comunhão com a Igreja Católica, fundador da «Society of the Atonement» (comunidade de irmãos e irmãs do Atonement), o Pe. Paul Wattson, junto ao Pe. Spencer Jones, lançou a idéia profética de uma semana de orações pela unidade dos cristãos.

A idéia foi acolhida favoravelmente pelo arcebispo de Nova York e pelo núncio apostólico. O chamado a rezar pela unidade depois se estendeu, em 1916, a toda a Igreja Católica, graças à intervenção de meu venerado predecessor, o Papa Bento XVI, com o breve «Ad perpetuam rei memoriam». A iniciativa, que enquanto isso havia suscitado grande interesse, foi progressivamente assentando-se por toda parte e, com o tempo, foi se estruturando e desenvolvendo graças à contribuição do Pe. Couturier (1936).

Quando depois soprou o vento profético do Concílio Vaticano II, experimentou-se ainda mais a urgência da unidade. Depois da assembléia conciliar, continuou o caminho paciente da busca da plena comunhão entre todos os cristãos, caminho ecumênico que ano após ano encontrou precisamente na Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos um dos momentos mais apropriados e fecundos.

Cem anos depois do primeiro chamado a rezar juntos pela unidade, esta Semana de oração se converteu em uma tradição consolidada, conservando o espírito e as datas escolhidas no início pelo Pe. Wattson. Ele as escolheu por seu caráter simbólico. O calendário daquela época previa que em 18 de janeiro era a festa da Cátedra de São Pedro, que é o firme fundamento e a garantia de unidade de todo o povo de Deus, enquanto em 25 de janeiro, tanto então como hoje, a liturgia celebra a festa da conversão de São Paulo. Enquanto damos graças ao Senhor por estes cem anos de oração e de compromisso comum entre tantos discípulos de Cristo, recordamos com reconhecimento o pioneiro desta providencial iniciativa espiritual, o Pe. Wattson e, junto a ele, todos os que a promoveram e enriqueceram com suas contribuições, fazendo que se converta em patrimônio comum de todos os cristãos.

Pouco antes, recordava que o Concílio Vaticano II prestou grande atenção ao tema da unidade dos cristãos, especialmente com o decreto sobre o ecumenismo («Unitatis redintegratio»), no qual, entre outras coisas, sublinham-se com força o papel e a importância da oração pela unidade. A oração, observa o Concílio, está no próprio coração de todo o caminho ecumênico. «Esta conversão do coração e esta santidade de vida, juntamente com as orações particulares e públicas pela unidade dos cristãos, devem ser tidas como a alma de todo o movimento ecumênico» («Unitatis redintegratio», 8).

Graças precisamente a este ecumenismo espiritual – santidade de vida, conversão do coração, orações privadas e públicas –, a busca comum da unidade experimentou nestas décadas um grande desenvolvimento, que se diversificou em múltiplas iniciativas: do recíproco conhecimento ao contato fraterno entre membros de diversas igrejas e comunidades eclesiais, de conversas cada vez mais amistosas e colaborações em diferentes campos, do diálogo teológico à busca de formas concretas de comunhão e de colaboração. O que vivificou e continua vivificando este caminho rumo à plena comunhão entre todos os cristãos é sobretudo a oração: «Orai sem cessar» (1 Tessalonicenses 5, 17) é o tema da Semana deste ano; é ao mesmo tempo o convite que não deixa de ressoar nunca em nossas comunidades para que a oração seja a luz, a força, a orientação de nossos passos, com uma atitude de humilde e dócil escuta de nosso Senhor comum.

Em segundo lugar, o Concílio sublinha a oração comum, a que é elevada conjuntamente por católicos e por outros cristãos para o único Pai celestial. O decreto sobre o ecumenismo afirma, neste sentido: «Tais preces comuns são certamente um meio muito eficaz para impetrar a unidade» («Unitatis redintegratio», 8). Na oração comum, as comunidades cristãs se unem ante o Senhor e, tomando consciência das contradições geradas pela divisão, manifestam a vontade de obedecer a sua vontade, recorrendo com confiança a seu auxílio onipotente.

O decreto acrescenta, depois, que estas orações são «são uma genuína manifestação dos vínculos pelos quais ainda estão unidos os católicos com os irmãos separados» (ibidem). A oração comum não é, portanto, um ato voluntarista ou meramente sociológico, mas é expressão da fé que une todos os discípulos de Cristo. No transcurso dos anos se instaurou uma fecunda colaboração neste campo e desde 1968 o Secretariado para a Unidade dos Cristãos, convertido depois em Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e o Conselho Ecumênico das Igrejas, preparam juntos os subsídios da Semana de Oração pela Unidade, que depois são divulgados conjuntamente no mundo, cobrindo áreas que não se teria podido alcançar se fossem trabalhar separadamente.

O decreto conciliar sobre o ecumenismo faz referência à oração pela unidade quando, precisamente ao final, afirma que o Concílio é consciente de que «o santo propósito de reconciliar todos os cristãos na unidade de uma só e única Igreja de Cristo excede as forças e a capacidade humana. Por isso, coloca inteiramente a sua esperança na oração de Cristo pela Igreja» («Unitatis redintegratio», 24).

A consciência de nossos limites humanos nos leva a abandonar-nos confiadamente nas mãos do Senhor. Se analisarmos atentamente, o sentido profundo desta Semana de Oração é precisamente o de apoiar-se firmemente na oração de Cristo que, em sua Igreja, continua rezando para que «todos sejam um… para que o mundo creia…» (João 17, 21). Hoje percebemos intensamente o realismo destas palavras. O mundo sofre pela ausência de Deus, pela inacessibilidade de Deus, deseja conhecer o rosto de Deus. Mas como poderiam e podem os homens de hoje reconhecer este rosto de Deus no rosto de Jesus Cristo, se nós, os cristãos, estamos divididos, se um está contra o outro? Só na unidade podemos mostrar realmente a este mundo o que ele necessita, o rosto de Deus, o rosto de Cristo.

Também é evidente que não podemos alcançar esta unidade unicamente com nossas estratégias, com o diálogo e com tudo o que fazemos, ainda que seja sumamente necessário. O que podemos fazer é oferecer nossa disponibilidade e capacidades para acolher esta unidade quando o Senhor a concede a nós. Este é o sentido da oração: abrir nossos corações, criar em nós esta disponibilidade que abre o caminho para Cristo. Na liturgia da Igreja antiga, após a homilia do bispo ou do presidente da celebração, o celebrante principal dizia: «Conversi ad Dominum». A seguir, ele mesmo e todos se levantavam e todos olhavam para o Oriente. Todos queriam olhar para Cristo. Só se nos convertemos a Cristo, neste comum olhar a Cristo, poderemos encontrar o dom da unidade.

Podemos dizer que a oração pela unidade alentou e acompanhou as diferentes etapas do movimento ecumênico, particularmente a partir do Concílio Vaticano II. Neste período, a Igreja Católica entrou em contato com as demais igrejas e comunidades eclesiais do Oriente e do Ocidente com diferentes formas de diálogo, enfrentando com cada uma esses problemas teológicos e históricos surgidos no transcurso dos séculos e que se converteram em elementos de divisão. O Senhor permitiu que estas relações amistosas melhorassem o conhecimento recíproco, que intensificassem a comunhão, tornando ao mesmo tempo mais clara a percepção dos problemas que ainda ficam abertos e que fomentam a divisão. Hoje, nesta semana, damos graças a Deus, que apoiou e iluminou o caminho até agora percorrido, caminho fecundo que o decreto conciliar sobre o ecumenismo descrevia como «surgido pelo impulso do Espírito Santo» e «cada dia mais amplo» («Unitatis redintegratio», 1).

Queridos irmãos e irmãs: acolhamos o convite a «orar sem cessar» que o apóstolo Paulo dirigia aos primeiros cristãos de Tessalônica, comunidade que ele mesmo havia fundado. E precisamente porque sabia que haviam surgido confrontos quis recomendar que fossem pacientes com todos, que não devolvessem mal por mal, que buscassem sempre o bem entre si e com todos, permanecendo felizes em toda circunstância, felizes porque o Senhor está próximo.

Os conselhos que São Paulo dava aos tessalonicenses podem inspirar também hoje o comportamento dos cristãos no âmbito das relações ecumênicas. Sobretudo, diz: «Vivei em paz uns com os outros» e acrescenta: «Orai constantemente. Em tudo dai graças» (cf. 1 Tessalonicenses 5, 13.18). Acolhamos também nós esta importante exortação do apóstolo, seja para dar graças ao Senhor pelos progressos realizados no movimento ecumênico, seja para pedir a unidade plena.

Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja, alcance para todos os discípulos de seu divino Filho a graça de viver quanto antes em paz e na caridade recíproca, para oferecer um testemunho convincente de reconciliação ante o mundo inteiro, para tornar acessível o rosto de Deus no rosto de Cristo, que é o Deus conosco, o Deus da paz e da unidade.

[Tradução: Élison Santos. Revisão: Aline Banchieri.

© Copyright 2008 – Libreria Editrice Vaticana]

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