Papa Gregório Magno e o Papado Universal

Papa Gregório Magno

Protestantes (e ortodoxos orientais) de alguma forma tentam simultaneamente afirmar que o Papa Gregório Magno foi: 1) o primeiro papa; contudo 2) alguém que negou a supremacia papal (veja abaixo). Nenhuma das afirmações é verdade. Eu pergunto, portanto, aos protestantes (particularmente aos anticatólicos): quem, então, foi o primeiro papa, se Gregório Magno não o era em nenhum dos sentidos católicos dessa palavra? Ou seria tal discussão mais sutil do que isso?

A conhecida polêmica sobre Gregório Magno supostamente se abstendo da jurisdição universal do papado é facilmente descartada. É preciso examinar o contexto e, se possível, o restante da obra e das ações do autor (assim como na exegese bíblica). Nesse caso em particular, quando isso é feito, a intenção de Gregório se torna bastante clara e, sinto muito, não é o que o esforço anticatólico esperava.

Gregório Magno condenou o título de bispo universal naquele sentido que significa que todos os outros bispos não são realmente bispos, mas meros agentes do Bispo único, um conceito que é flagrantemente contrário ao ensinamento católico que sustenta que todos os bispos são verdadeiros sucessores dos Apóstolos, por instituição divina. Assim ele diz:

Pois se um só, como ele supõe, é o bispo universal, isso implica que vocês não são bispos.

{Epístola LXVIII}

Adiante, exatamente na mesma correspondência na qual ele condena o termo no sentido acima, Gregório claramente destaca a autoridade e supremacia universais do bispo de Roma:

Agora já há oito anos, no tempo de meu predecessor de santa memória, Pelágio, nosso irmão e companheiro, o bispo João, na cidade de Constantinopla, (…) convocou um sínodo no qual tentou se proclamar Bispo Universal. Assim que meu predecessor soube, enviou cartas anulando pela autoridade do Santo Apóstolo Pedro os atos do referido sínodo; cartas as quais eu cuidei e mandei cópias para Sua Santidade.

{Epístola XLIII, grifos adicionados}

Para todos os que conhecem o Evangelho, está claro que pelas palavras de Nosso Senhor o dever de cuidar de toda a Igreja foi confiado ao Bendito Pedro, o Príncipe dos Apóstolos (…) Ora, ele recebeu as chaves do reino dos céus, o poder de ligar e desligar foi dado a ele e o governo e principado de toda a igreja foram confiados a ele (…) Ainda assim ele não era o Apóstolo universal. Mas (…) João se proclamaria Bispo universal (…) [Os papas nunca assumiram esse título, apesar de lhes ter sido dado], por temerem que todos os Bispos fossem privados de sua própria parcela de honra no momento em que alguma honra especial fosse dada a um só.

{Epístolas 5, 37; ao Imperador Maurício. Grifos adicionados}

Ao escrever a João, Bispo de Constantinopla, que usurpou “esse novo, orgulhoso e profano título”, Gregório se admira:

como alguém que tenha se confessado imerecedor de ser chamado sequer de Bispo poderia agora desprezar seus irmãos e aspirar ser chamado de único Bispo.

{Epístolas, 5,44}

O título de Bispo Universal pode também ser usado no sentido de Bispo dos Bispos, e esse sentido foi aplicado pelos Cristãos Orientais (i.e., católicos – isso foi antes do Cisma) aos Papas Hormisdas (514 a 523), Bonifácio II (530 a 532) e Agapito (535 a 536), apesar deles mesmos jamais o terem usado (desejando ostensivamente evitar a interpretação acima) até o tempo de Leão IX (1049 a 1054).

O Papa São Gregório Magno, assim como São João Crisóstomo dois séculos antes e o Papa São Leão Magno 150 anos antes (inegavelmente ainda com mais força e vigor), estabeleceu a doutrina católica da supremacia papal em muitas passagens de suas cartas. Ele chamou a Sé Romana de “cabeça da fé” e de “cabeça de todas as igrejas,” porque “detém o lugar de Pedro, o Príncipe dos Apóstolos”. “Todos os Bispos,” incluindo o de Constantinopla, “estão sujeitos à Sé Apostólica”.

{Tirado de: The Question Box, Bertrand Conway, New York: Paulist Press, ed. 1929, 158-159}

Nesse sentido, o historiador luterano Jaroslav Pelikan escreveu:

As igrejas da Grécia Oriental, também, juraram uma aliança especial a Roma (…) Uma Sé após outra capitulou nessa ou naquela controvérsia com a heresia. Constantinopla deu lugar a vários hereges durante o quarto e quinto séculos, destacadamente Nestório e Macedônio, e as outras Sés também ficaram conhecidas por se afastarem da fé verdadeira ocasionalmente. Mas Roma tinha posição especial. O bispo de Roma tinha o direito por sua própria autoridade de anular os atos de um sínodo. De fato, quando se falava de um concílio para sanar controvérsias, Gregório estabeleceu o princípio no qual “sem a autoridade e o consentimento da Sé Apostólica, nenhum dos assuntos definidos [por um concílio] tem qualquer poder de obrigar”.

(The Emergence of the Catholic Tradition (100-600), Univ. of Chicago Press, 1971, 354; cita a Epístola 9.156 de Gregório).

Fonte: http://socrates58.blogspot.com. Tradução de Dr. Adriano Maia.

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