Participação em cultos protestantes

Dois leitores nos escrevem com dúvidas semelhantes, e, nesse sentido, aproveitaremos para responder a ambas com um só artigo. 

Primeiro colocaremos uma mensagem, seguida de nosso comentário. Em seguida, o segundo e-mail com a nossa respectiva resposta.

[Leitor autorizou a publicação de seu nome no site]

Nome do leitor: Elmo Correa de Lacerda
Cidade/UF: Nova Serrana – MG
Religião: Católica

Mensagem
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Caríssimos,

Gostaria de saber se existem documentos da igreja dizendo que um católico não pode participar de cerimônias evangélicas. Se existir eu gostaria de saber quais são. Desde já, agradeço vossa atenção. A paz de Cristo.

Prezado Sr. Elmo, estimado em Cristo,

Os moralistas católicos são unânimes em dizer que a freqüência a cultos não-católicos só pode ser feita em casos muito isolados e de real necessidade. Passaremos a explicar essa conceituação, mas antes é preciso deixar claro que é preciso diferenciar um culto não-católico (no caso da sua pergunta, um culto protestante), de uma reunião ecumênica de oração.

Uma reunião de oração em que se busque, como objetivo final, a conversão dos hereges, é bem-vinda, desde que os católicos que dela participem tenham a adequada formação, seja afastado todo o risco para a fé, e os legítimos pastores (os Bispos) a autorizem expressamente. Iniciativas individuais, da parte dos fiéis, são perigosas e proibidas, no terreno de práticas de oração públicas com protestantes.

Enfim, é forçoso dizer que, de tais reuniões, seja removida, da parte dos católicos, toda idéia de que a Igreja esteja dividida e de que ela só será unificada com a conversão dos hereges, ou de que o cristianismo é a soma dos católicos com os hereges e cismáticos, ou de que todas as “igrejas” são verdadeiras e parcelas da verdade. Não! Tal tese foi condenada na Mortalium Animos, encíclica contra os erros de certo feitio de ecumenismo. A Igreja de Cristo é uma só: católica e romana. Nela está a salvação. Em outras comunidades eclesiásticas podem existir elementos da verdade, mas tais elementos são propriamente católicos, ainda que presentes fora dos limites visíveis da Igreja. Ao participarmos de cultos ecumênicos, o que se deve buscar é a conversão dos protestantes, mesmo que só como meta final, não imediata. Não é a união das confissões cristãs, em uma suposta federação de Igrejas, o que se quer, e sim o diálogo fraterno com eles e sua conversão, com conseqüente submissão ao Papa, Vigário de Cristo.

Pois bem, tratamos especificamente da participação dos católicos nos atos de culto dos protestantes. Dela se ocupa o famoso e autorizado Fr. Teodoro da Torre Del Greco, OFMCap, em seu manual de teologia moral:

“A participação ativa ‘in sacris’ é absolutamente proibida (…).

Não é lícito pedir os sacramentos a um herege, salvo em perigo de morte e contanto que ao recebê-los em tal urgência, não seja interpretado, dadas as circunstâncias, como adesão à tal seita.

(…) É proibido cantar juntamente com acatólicos nas suas funções religiosas, tocar órgão ou qualquer instrumento. Não é proibido recitar, privadamente, com um herege, orações, contanto que não contenham nada contra a fé e não haja escândalo.

Pode ser tolerada a presença passiva ou puramente material por razão de conveniência civil ou de cortesia, e por causa grave, estar presente a funerais, ou casamentos e solenidades semelhantes, contanto que seja sempre remoto o perigo de perversão ou de escândalo.

Na dúvida, compete ao Ordinário julgar da gravidade da causa. Assistência passiva significa mera presença material, sem nenhuma participação, ao menos externa, nos ritos sacros; por isso não se pode orar, cantar em coro, etc. Não participa, porém, aquele que, entrando num templo acatólico, descobre a cabeça, senta-se, se os demais o fazem, levanta-se como os outros, se o faz para evitar singularidade.

(…)

Contanto que não haja escândalo, podem visitar os seus templos.” (Teologia Moral, n. 117, II, 1)

Em resumo, o católico só pode ir a um culto protestante se houver necessidade ou conveniência (um casamento, uma formatura, uma apresentação artística inserida no culto e que importe em sua real adequação). E, mesmo assim, não deve participar do culto ativamente, apenas de modo passivo. Pode, entretanto, fazer certos gestos (sentar-se, ajoelhar-se, ficar de pé, descobrir a cabeça, colocar véu etc), se o faz para impedir qualquer estranheza e singularidade. Pode também ir a um templo protestante para visitação e mesmo assistir outros atos que não sejam de culto (exposição, reunião de caráter civil, concerto musical), evitada toda contaminação doutrinária e todo o perigo de defecção da fé católica.

Espero que tenha ajudado.

Vamos, agora, à segunda questão.

[Leitor autorizou a publicação de seu nome no site]

Nome do leitor: Luciano Cardozo Magalhães
Cidade/UF: Itaperuna-RJ
Religião: Católica

Mensagem
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Prezados amigos do Veritatis, como é bom esclarecer dúvidas e aprender sobre a Santa Igreja Católica com vocês. Deus os abençoe.

Caríssimo Sr. Luciano, muito estimado em Jesus Cristo,

Agradeço sua confiança em nos pedir esclarecimentos.

Minha preocupação é a seguinte:
Recebo um livro de meditação – permita-me não citar o autor, ainda não lhe mandei um comentário sobre o que estou para esclarecer com vossa ajuda.

O senhor faz muito bem, pois assim a caridade nos manda.

Muito bem, no livro desse mês, na leitura Livro dos Atos dos Apóstolos 11,21-26.13,1-3 – Memória de São Barnabé – faz-se o comentário sobre a felicidade de Barnabé em ver a ação do Espírito Santo em Antioquia e que ele exortava a todos que permanecessem na fé, etc, etc. Que Barnabé não ousou julgar àqueles que haviam se convertido à Igreja de Deus e etc, etc.
Minha surpresa foi ao final do comentário o qual transcrevo sem mudar uma palavra ou sentido: “E quando um companheiro de paróquia vai a uma oração de cura Protestante e é curado? Nos regozijamos pela obra do Espírito, mesmo que não seja nossa Igreja? Ou tentamos desconsiderar a cura ocorrida?”

Não analisei tal comentário como ecumenismo e sim média. Até aonde eu conheço, quando passo a freqüentar mesmo que de vez em quando ou participo que seja pelo menos uma vez de um culto protestante sendo eu católico, eu estou indo contra a doutrina da minha Igreja. Realmente o Espírito sopra aonde quer e essa não é a preocupação mas igualar o poder sobrenatural da Santa Igreja ao poder de uma doutrina protestante. Se não me engano, este ato fere até a alguns artigos do CDC que dizem que o batizado na Igreja Católica Apostólica Romana deve assumir e defender a sua fé e não corroborar uma doutrina errada. Gostaria da opinião de vocês sobre o que acabo de comentar. Muito obrigado.

Sim, o Espírito Santo sopra onde quer. Mas não pode se contradizer. Não pode o Espírito soprar uma doutrina aqui e outra lá. Como pode inspirar a Igreja Católica e confirmar a falsidade dos hereges como se fosse verdade?

Claro que Deus pode agir no meio dos protestantes. Porém, o faz com o objetivo final de lhes tocar o coração e atrair para a verdade católica.

A Igreja Católica é a única verdadeira, e fora dela não há salvação. É preciso estar com Pedro e sob Pedro, como nos ensina um de seus sucessores, o Papa Bonifácio VIII, na Bula Unam Sanctam.

O Papa é a cabeça visível desse Corpo, que tem Cristo como cabeça invisível. Por isso chamamos o Sucessor de Pedro de Vigário de Cristo. Vigário significado substituto.

Evidentemente, é possível a alguém que não esteja visivelmente no grêmio da Igreja alcançar a salvação. Mas tal se dá porque, apesar de não saber, esse não-católico é, sim, um membro da Igreja, por vários títulos. Na sua ignorância, se invencível – e isso só Deus pode julgar -, os pequenos e frágeis laços que o unem à Igreja Católica (batismo, traços de doutrina católica, sacramentos, Bíblia, cumprimento da lei natural etc) podem ser suficientes para torná-lo um membro invisível da Igreja visível, ou, como diriam o Cardeal Journet e o Cardeal Billot, participante da “alma da Igreja”, ainda que não do corpo.

De qualquer modo, todos os que se salvam, se salvam por serem católicos. Mesmo que não saibam.

Ordinariamente, todavia, a submissão a Cristo implica na submissão ao seu Vigário, o Papa. A Unam Sanctam é clara nesse sentido, e a Dominus Iesus (como a Ut Unum Sint) desenvolvem essa doutrina mais explicitamente.

Se, por um lado, temos de cuidar para não cairmos no irenismo (Cristo salva independentemente da Igreja, todos são iguais, o que importa é ser bom e cristão), evitemos também o feeneyismo (confundir o “fora da Igreja não há salvação” como se fosse um “fora das estruturas visíveis da Igreja não há salvação”).

Sendo a Igreja “projeto visível do amor de Deus pela humanidade” (Sua Santidade, o Papa Paulo VI. Discurso de 22 de junho de 1973), “coluna e sustentáculo da verdade?” (1 Tm 3,15), fundada por Jesus Cristo para, como instrumento do Espírito Santo, salvar e santificar os homens (cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, de 21 de novembro de 1964, nº 8), fora da qual não há remissão dos pecados (cf. Sua Santidade, o Papa Bonifácio VIII. Bula Unam Sanctam, de 18 de novembro de 1302; Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, de 21 de novembro de 1964, nº 14; Catecismo da Igreja Católica, 846), há de se crer na absoluta necessidade de a ela pertencerem todos os seres humanos. Certo é, igualmente, que, em situações excepcionais, havendo ignorância invencível, pode o homem salvar-se fora da estrutura visível da Igreja, o que não significa possibilidade de salvação fora da Igreja mesma nem negação da visibilidade desta.

Dois erros devem aqui ser evitados.

Um, o de certa teologia irenista, presente, em maior ou menor grau, em alguns ambientes católicos, e que afirma indiscriminadamente que fora da Igreja há salvação, que o que interessa é ser cristão somente e não católico e, às vezes, nem cristão, bastando ter “caridade”, – como se a caridade não fosse ordinariamente fruto da fé –, que Cristo não teria fundado uma única Igreja, que o extra Ecclesia nulla salus teria sido revogado – como se fosse possível à doutrina católica mudar-se, evoluir –, que a unidade da Igreja teria sido perdida – se a unidade é essencial à Igreja, não pode tal nota ser perdida sob pena de deixar de subsistir a própria Igreja, o que, por sua vez, é igualmente impossível em face da promessa do Redentor –, que todos os caminhos levam a Deus etc. Certa falsa concepção do que seja ecumenismo, tal como entendido pelo Papa, adota esse irenismo, em si pernicioso, condenado pelo Vaticano II, por Paulo VI e por João Paulo II, e, antes, pela Encíclica Mortalium Animos, de Pio XI.

O outro erro é o do que interpreta restritivamente a expressão “fora da Igreja não há salvação”, entendendo-a como “fora das estruturas visíveis da Igreja não há salvação”. Essa falsificação do correto entendimento do brocardo foi igualmente rejeitada pela Igreja, sob o nome de feeneyismo, na Carta ao Arcebispo de Boston, de 8 de agosto de 1949. De fato, a Igreja rechaça tanto o irenismo – que crê na salvação fora da Igreja Católica – quanto o feeneyismo – que confunde a Igreja Católica, única e essencialmente visível (mas com possibilidade de membros invisíveis), fora da qual não há salvação, com sua estrutura de visibilidade. “Aqueles que crêem em Cristo e foram devidamente batizados estão constituídos em certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica.” (Concílio Ecumênico Vaticano II. Decreto Unitatis Redintegratio, de 21 de novembro de 1964, nº 3)

“Os fiéis são obrigados a professar que existe uma continuidade histórica – radicada na sucessão apostólica – entre a Igreja fundada por Cristo e a Igreja Católica: ‘Esta é a única Igreja de Cristo (…) que o nosso Salvador, depois da sua ressurreição, confiou a Pedro para apascentar (cf. Jo 21,17), encarregando-o a Ele e aos demais Apóstolos de a difundirem e de a governarem (cf. Mt 28,18ss.); levantando-a para sempre como coluna e esteio da verdade (cf. 1 Tim 3,15). Esta Igreja, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste [subsistit in] na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele.’ Com a expressão subsistit in, o Concílio Vaticano II quis harmonizar duas afirmações doutrinais: por um lado, a de que a Igreja de Cristo, não obstante as divisões dos cristãos, continua a existir plenamente só na Igreja Católica e, por outro, a de que ‘existem numerosos elementos de santificação e de verdade fora da sua composição’, isto é, nas Igrejas e Comunidades eclesiais que ainda não vivem em plena comunhão com a Igreja Católica. Acerca destas, porém, deve afirmar-se que ‘o seu valor deriva da mesma plenitude da graça e da verdade que foi confiada à Igreja Católica.’ Existe portanto uma única Igreja de Cristo, que subsiste na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele…

As Igrejas que, embora não estando em perfeita comunhão com a Igreja Católica, se mantêm unidas a esta por vínculos estreitíssimos, como são a sucessão apostólica e uma válida Eucaristia, são verdadeiras Igrejas particulares. Por isso, também nestas Igrejas está presente e atua a Igreja de Cristo, embora lhes falte a plena comunhão com a Igreja católica, enquanto não aceitam a doutrina católica do Primado que, por vontade de Deus, o Bispo de Roma objetivamente tem e exerce sobre toda a Igreja. As Comunidades eclesiais, invés, que não conservaram um válido episcopado e a genuína e íntegra substância do mistério eucarístico, não são Igrejas em sentido próprio. Os que, porém, foram batizados nestas Comunidades estão pelo Batismo incorporados em Cristo e, portanto, vivem numa certa comunhão, se bem que imperfeita, com a Igreja. O Batismo, efetivamente, tende por si ao completo desenvolvimento da vida em Cristo, através da íntegra profissão de fé, da Eucaristia e da plena comunhão na Igreja.” (Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração Dominus Iesus, de 6 de agosto de 2000, nsº 16-17) “Os fiéis não podem, por conseguinte, imaginar a Igreja de Cristo como se fosse a soma – diferenciada e, de certo modo, também unitária – das Igrejas e Comunidades eclesiais; nem lhes é permitido pensar que a Igreja de Cristo hoje já não exista em parte alguma, tornando-se, assim, um mero objecto de procura por parte de todas as Igrejas e Comunidades.” (Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração Mysterium Ecclesiae, in AAS 65, em 1973, nº 1)

Sobre o verdadeiro sentido do ecumenismo, ver o Decreto Unitatis Redintegratio, do Vaticano II, a Encíclica Ut Unum Sint, do Papa João Paulo II, e a Carta Communionis Notio, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé.

Tomara que estas linhas os tenham ajudado.

Submeto-me às suas orações por minha perseverança na fé e no apostolado.

Em Cristo, Nosso Senhor,

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