Pedagogia Escolástica e Pedagogia Moderna: a passagem do pensamento clássico ao pensamento moderno

A virada epistemológica

Após o fim da era clássica cristã, ocorreu no pensamento ocidental uma virada de paradigma que afetou tremendamente toda a sociedade, especialmente em sua organização política e em seu modelo educacional. A prioridade, que antes era dada – seguindo nisso o modelo inicial da filosofia grega e da tradição cultural e religiosa da matriz judaico-crist㠖 ao estudo do ser (ou ontologia, de ontos, ser, e logia, estudo), passou ao estudo do conhecimento (ou epistemologia, de episteme, conhecimento, e logia, estudo).

O processo que levou a esta virada foi gradual; seus efeitos cumulativos, porém, são extremamente graves e afetam toda a visão de mundo moderna. No campo da Educação, cremos ser possível e justo afirmar que a virada epistemológica teve alguns de seus efeitos mais graves, deslocando completamente o foco do problema educacional e levando todo o sistema de ensino a, progressivamente, afastar-se daquilo que deveria ser seu objetivo. Este trabalho pretende propor uma reformulação e re-apresentação do modelo clássico, ou escolástico, de pedagogia.

Esta virada epistemológica teve como pontos mais marcantes:

1 – A Querela dos Universais, que culminou na aceitação posterior por ampla parcela do pensamento ocidental da visão de Guilherme de Occam, que, em última análise, defendia a inexistência objetiva dos Universais (o Bem, o Belo, etc.) fora da mente humana.

2 – O refundamento do pensamento ocidental por René Descartes. Descartes ignorou voluntariamente todo a estrutura de conhecimento elaborada no Ocidente ao longo dos séculos pelas gerações precedentes, buscando reedificar todo o conhecimento em bases perfeitamente seguras. Com tal fim em vista, este filósofo apoiou-se em duas bases que considerava seguras: a consciência de si (oposta à consciência do Outro, à qual ele chegaria apenas de modo indireto) e o pensamento matemático. Para o pensador espanhol Emmanuel Lizcano, o pensamento cartesiano gerou a razão não-localizada, as “mentes de proveta” que pensam o mundo em termos de sua reprodução matemática e trabalham em espaços abstratizados, não em lugares. Dentre os não-lugares que epitomizam o pensamento moderno estaria, justamente, a sala de aula moderna: sempre igual, fechada ao mundo e à experiência anterior, com iluminação asséptica e homogênea, etc.

3 – A elaboração ulterior da questão epistemológica em Descartes por Immanuel Kant, que ao buscar responder à questão cartesiana da busca de segurança no conhecimento do mundo exterior acabou por concluir que o conhecimento possível é sempre do indivíduo e de suas percepções, não da coisa (exterior) em si. Esta subjetivação do conhecimento levou a cabo a virada epistemológica: não mais seria possível conhecer o Outro; todo conhecimento necessariamente seria doravante apenas conhecimento de si ou – na melhor das hipóteses – conhecimento do conhecimento de cada um.

Conseqüências sociais e educacionais desta virada

Conseqüências sociais

No plano social, de que decorre a estruturação do sistema de ensino e da própria maneira de perceber a questão da educação, as conseqüências foram de enorme monta. O Estado moderno surgiu a partir deste paradigma de pensamento, em que – na prática – uma idéia, um sistema abstrato de raciocínio, era considerada digna de mais confiança que a própria realidade. Este Estado – que ainda hoje é paradigmático e considerado quase “natural” por todos que não tenham estudado as formas anteriores de ordenação social – seria constituído por um “contrato social” supositício, com o objetivo de impedir o caos social que sua ausência supostamente provocaria.

O fato de não haver existido este Estado todo-poderoso antes desta virada – e mesmo assim não haver ocorrido o caos que sua ausência provocaria – não obsta em nada; a idéia, agora, passou já a ser mais importante que a realidade.

Outra importantíssima conseqüência desta ignorância deliberada e ideológica da pessoa do Outro é a assunção, presente em todo o pensamento moderno e progressivamente dominante, da igualdade absoluta de todos os homens. Não se trata da clássica semelhança entre os homens, da dignidade natural de cada ser humano ou mesmo da dignidade sobrenatural da adoção divina tão prezada no pensamento clássico cristão, mas de uma suposta igualdade de fato em todos os campos, da força física ao desenvolvimento mental, capacidade de aprendizado, capacidade de desempenho político e social, etc.

Esta suposição ideológica de igualdade, considerada mais certa e segura que a diferença que nos é dada a apreender pelos sentidos, levou no campo social às formas modernas de governo. Todas elas têm em seu cerne esta suposição de igualdade: a igualdade dos cidadãos em uma democracia, em que vale exatamente o mesmo o voto de quem reflete e pensa a política e o de quem vota por favores pessoais ou mera simpatia com a fotografia do candidato; a igualdade dos sistemas socialistas ou fascistas, em que todos são igualmente incapazes de decidir por conta própria o que julgam ser melhor…

Conseqüências educacionais

Dadas a suposta incapacidade humana de apreender o Outro, de perceber ontologicamente outro ser humano; a novamente suposta igualdade de capacidades de todos os homens; a suposta maior segurança proporcionada pela preponderância da ideologia abstrata em relação à realidade; o crescimento do poder do Estado moderno, arrastando de roldão consigo não apenas a capacidade de autodeterminação dos cidadãos, mas até mesmo as estruturas mais básicas e elementares da vida social, como a família, não é de se espantar que a educação moderna, como veremos adiante, se tenha tornado a mais eficiente máquina de perpetuação ideológica jamais inventada.

Ao negar a possibilidade de apreender o Outro, é negada a priori a possibilidade de uma educação realmente voltada à pessoa do aluno; o que temos, na melhor das hipóteses, é uma educação voltada a uma idéia de como o aluno deveria tornar-se, um modelo de aluno a construir a partir de uma tábula rasa ou de uma pseudo-ontologia constituída apenas por suas relações acidentais com outros membros da sociedade. Por ser considerada impossível a apreensão de quem o aluno realmente é naquele momento (em ato e em potência, ou seja, a apreensão de quem ele é e quem ele pode vir a ser), ele pode ser visto apenas como tábula rasa a ser preenchida ou como membro de uma determinada classe ou grupo.

Ao negar as diferenças existentes entre os homens, especialmente as diferenças de capacidades, criam-se situações em que a regra é a ausência de adequação do ensino ao educando. Rapazes e moças são tratados como se fossem iguais; pessoas com enorme talento para a matemática perdem tempo em aulas aquém de sua capacidade, enquanto outras, cujas capacidades matemáticas são menores, são forçadas a violentar-se em um estudo para o qual não tem capacidade alguma, freqüentemente tendo negada qualquer oportunidade de aprendizagem e desenvolvimento daquilo em que são realmente capazes.

Ao perceber a idéia como mais digna de confiança que a realidade tal como percebida pelos sentidos, a única solução que pode ser proposta para os fracassos evidentes é o reforço dos mesmíssimos mecanismos que causaram o fracasso em primeiro lugar. Assim, por exemplo, se o ensino fundamental falha em seus objetivos (por ora não trataremos de quais eles sejam ou deveriam ser) quando da introdução de novas técnicas “pedagógicas” (como a alfabetização por palavra inteira), a pseudo-solução proposta (e imposta por lei…) é um aumento no número de horas de treinamento dos professores nestes mesmíssimos métodos que causaram o fracasso em primeiro lugar (exigindo-se, por exemplo, diplomação de nível superior para os professores de Ensino fundamental), um aumento na carga horária já extenuante das escolas, etc. O problema, afinal, não está nem poderia estar – dentro do paradigma moderno – na idéia, sim na recalcitrante realidade, que deve ser completamente subjugada pela idéia.

Dado o tremendo crescimento do poder do Estado, somado aos fenômenos expostos acima, é perfeitamente compreensível a violação dos direitos individuais e familiares que se sucedeu ao longo dos séculos. A primeira, e mais grave, destas violações é a obrigatoriedade de escolarização dentro de um determinado modelo imposto pelo Estado (seja diretamente, através do fim da escola privada, ou indiretamente, através de legislação que retira a autonomia destas escolas e faz delas como que franquias das escolas públicas; o segundo é o caso do Brasil).

Este fenômeno surgiu pela primeira vez quando do surgimento do modelo absolutista de governo, visando inculcar às crianças desde a mais tenra idade a ideologia dominante nos Estados surgidos em decorrência da pseudo-Reforma protestante. Lutero e Calvino, dois dos principais pseudo-Reformadores, estabeleceram teocracias totalitárias nos territórios que dominaram, e fizeram o possível para que as crianças fossem desde cedo doutrinadas nos ensinamentos de sua seita, que orientava e formava o governo despótico local: “as autoridades civis têm a obrigação de obrigar o povo a mandar seus filhos à escola (…) porque estamos em guerra com o Diabo [católico]”.

O primeiro sistema de educação estatal (ou por franquia do Estado, como no modelo brasileiro) realmente eficiente, porém, foi o estabelecido por Frederico I da Prússia, dentro do quadro da instituição deste Estado despótico. “Educação rumo ao Estado, educação para o Estado, educação pelo Estado. (…) O Estado é o fim supremo em vista.”

No território brasileiro, podemos considerar três grandes acontecimentos, que levaram afinal à triste situação em que ora se encontra o ensino formal em nosso país. O primeiro deles é a expulsão da Companhia de Jesus de todo o território nacional, levada a cabo pelo Marquês de Pombal em sua campanha pela ereção de um Estado de modelo moderno em Portugal (e, conseqüentemente, em suas colônias). Os jesuítas, desde o início da evangelização em nossas terras, se haviam dedicado à educação de todos: índios, portugueses, escravos, etc. Ao eliminar a presença jesuítica no Brasil, o marquês de Pombal efetivamente eliminou a quase-totalidade do ensino formal, então ainda em modelo escolástico.

O segundo acontecimento de monta é a fundação do Colégio Dom Pedro II, simbólica por representar um modelo pelo qual deveriam ser julgadas todas as instituições de ensino brasileiras. Esta fundação ocorreu quando da tomada do poder pelos políticos oriundos da Universidade de Coimbra, que almejavam introduzir no Brasil o Estado moderno.

O terceiro, de conseqüências muito mais graves e que até hoje estão presentes e na raiz dos problemas da educação formal em terras brasileiras, é a uniformização dos sistemas de ensino no território nacional, levada a cabo pelo ditador Getúlio Vargas. Logo no início de sua ditadura, ele fundou o Ministério da Educação, dos Negócios e Saúde Pública (atual MEC). Esta repartição burocrática ao longo dos anos foi aumentando progressivamente o seu poder sobre a educação formal no Brasil, e com isso aumentando sempre mais a intromissão do Estado, até chegarmos ao ponto atual, em que um mesmíssimo currículo é imposto de Brasília a todos os milhões de crianças – cada uma única e diferente de todas as outras – em todo o território nacional, sendo lecionado por professores formados dentro do mesmo molde.

O Estado da questão – objeto formal e objeto material

Para tratarmos algum tema em ciência se faz necessária a distinção do objeto a ser tratado; a Pedagogia e a Didática não fogem a esta regra. Primeiramente, para evitarmos qualquer tipo de confusão, traçaremos a diferença entre o objeto material e o objeto formal de uma ciência, para que possamos explicitar melhor o objeto material e formal da Pedagogia.

Basicamente, podemos definir de forma breve o objeto material de uma ciência como sendo o objeto que caracteriza tal ciência em âmbito lato. Já o objeto formal de uma ciência é definido como sendo o objeto que a caracteriza de maneira estrita. Por exemplo, se tivermos o Cosmos como objeto material, teremos duas disciplinas estudando tal objeto: Física e a Filosofia da Natureza. O objeto formal da Física seria o Cosmos, de que ela seria uma ciência descritiva dos fenômenos; a partir daí a tarefa da Física seria elaborar leis que expliquem estes fenômenos. No caso da Filosofia da Natureza, seu trabalho seria tratar o Cosmos como um Ente, e nele tentar explicar a causa real ou o princípio primeiro que estaria contido em dado Ente.

Com isso, entrando já na discussão do problema propriamente dito, sabemos que atualmente lidamos com os frutos de todo um processo da modernidade que levou a “educação” a ser vista como processo de ensino-aprendizagem, “abandonando-se também o espírito da educação humanista; o objetivo mais importante do sistema escolar deixou de ser a formação do caráter do aluno para se tornar a aquisição de determinadas habilidades úteis para a sociedade ou exigidas pelo mercado de trabalho.” Isto seria o processo educacional sendo tratado como simultaneamente objeto material e objeto formal da Pedagogia.

Ao tratarmos, contudo, da questão do objeto formal, temos a educação escolástica como modelo; nele o Homem, cada homem, cada aluno, é o objeto formal. A preocupação máxima na formação não são mais os conteúdos, como se observa na Pedagogia moderna, principalmente após o ocaso da era cristã clássica. O que se tem assim é uma mudança – ou ausência – do objeto formal na Pedagogia moderna. Qual seria então o problema?

Na realidade, o problema a solucionar na Modernidade é a visão epistemológica, não ontológica, que impede a Metafísica e com isso causa uma impossibilidade de identificar algo substancialmente. Com isto sofre tremendamente a Pedagogia, que se torna recursivamente uma técnica de conhecer o processo de ensino-aprendizagem, um fim em si mesma.

Isto, como já foi dito, faz com que educação moderna dê prioridade à episteme, ou seja, dê prioridade ao modo como algo é verificado enquanto categoria mental e não em si, negando-lhe uma ontologia. Ademais, o que se vê hoje como modelo de excelência no ensino é a escola que dá condições ao aluno para, após ter adquirido certos conhecimentos sobre algo, buscar por si mesmo a continuidade de seus anseios. Isto se revela muito tentador na modernidade, mas a própria recursividade do raciocínio subjacente à pedagogia moderna impede que seja percebido o problema que é o processo educacional ser visto como um fim em si; na Educação escolástica, porém, este processo seria nem fim nem ponto de partida, sim algo a ser determinado ad hoc em função das necessidades e potências específicas de cada aluno individual.

A Pedagogia moderna

Como visto na parte imediatamente anterior, a pedagogia moderna tem como objeto formal não o aluno, mas a obtenção de determinadas habilidades. Este objeto pode ser visto como algo externo ao aluno, logo algo a ser apreendido, ou como algo em que o aluno deve ser transformado, logo algo a modelar o aluno.

Em ambos os casos, o problema principal é a construção de todo um processo de pseudo-educação sobre premissas falsas (a igualdade absoluta de todos os alunos, a negação da possibilidade de vê-los como pessoas, etc.). O aluno é simplesmente ignorado em sua personalidade e individualidade, e visto seja como tábula rasa sobre a qual algo (um “conteúdo programático”, para usar o jargão do meio) deve ser impresso, seja como mero “nó” virtual em uma rede social.

Para a pedagogia moderna, portanto, o que interessa é sempre algo exterior ao aluno e a ele alheio: é dado enorme tempo e dedicado esforço constante ao aprimoramento de “métodos” – necessariamente de uso geral, necessariamente aplicáveis, em tese, à imensa maioria dos estudantes, senão a todos – que, por ignorarem completamente aquele que deveria ser o objeto de sua preocupação, fazem exatamente o mesmo sentido que o aprimoramento da mira de um atirador que não tem um alvo.

Do mesmo modo, as supostamente diversas preocupações que definem as escolas pedagógicas modernas são, sempre, preocupações não com o aluno, mas com a metodologia a ser aplicada a um falso “aluno universal”, que é o verdadeiro objetivo; mesmo as abordagens ditas voltadas ao aluno são, na verdade, abordagens das abordagens (como a epistemologia é na verdade conhecimento do conhecimento…): o aluno é visto apenas como massa informe a transformar em algo: um cientista, um cidadão consciente… Qualquer coisa menos quem ele pode efetivamente vir a ser em decorrência de quem ele efetivamente é e de suas capacidades.

Isto ocorre devido à negação da possibilidade de visão do aluno em si. Sendo teoricamente incognoscível, não seria possível ao professor discernir quais são as suas habilidades em ato (ou seja, quais habilidades ele já desenvolveu e é capaz de operar) e em potência (ou seja, quais capacidades ele pode desenvolver, tendo auxílio).

Mesmo os teóricos que aparentemente preocupam-se com o problema (Piaget, Vigotsky…) acabam por expressar as diferenças não em termos da pessoa de cada aluno, mas em termos generalizantes e – portanto – errados na prática em qualquer caso dado. Não o fizessem não seriam aceitos, afinal.

A situação, assim, acaba por ser algo esquizofrênica: cada professor, em sua sala de aula, sabe perfeitamente bem que é – ou deveria ser – uma autoridade, alguém que tem em ato aquilo que os alunos têm em potência (sendo assim capaz de atualizar suas potências, o que não ocorreria sem ele; não se trata de uma “zona de desenvolvimento proximal”, sim da atualização de uma potência, que necessariamente requer a presença e a ação do que a tem em ato, como apenas o fogo pode incendiar algo). Sabe ainda que cada aluno é diferente. Sabe ainda que os meninos e as meninas atingem em tempos diversos e de modos diversos a maturidade intelectual e emocional. Sabe, também, que o raciocínio feminino é diverso do masculino. Sabe, mais ainda, que alguns alunos têm enorme facilidade para o desenvolvimento desta ou daquela habilidade, enquanto outros são absolutamente incapazes…

Mesmo assim, nesta esquizofrenia pseudodidática, ele não pode acreditar no que lhe é gritado pela evidência dos sentidos. Ao invés de olhar cada aluno, ele é forçado a olhar o método. Ao invés de poder – e dever – perceber que para o aluno Fulano é mais conveniente uma curta explanação seguida de um intervalo e para o aluno Beltrano o melhor é uma lenta explanação entremeada de exemplos, ele é forçado a cobrar de ambos o mesmo, dar a ambos o mesmo e – cúmulo do absurdo! – exigir de ambos os mesmos 75% de presença decididos em um gabinete em Brasília. A aula não é dada para o aluno, mas para o método.

As classes são divididas em compartimentos estanques de acordo com a idade, sem levar em consideração as diferenças individuais. Moças e rapazes, em graus de desenvolvimento completamente díspares, são submetidos a exatamente o mesmo processo. Mais ainda: devido às condições da sala de aula ocidental padrão, com suas carteiras padronizadas, uniformes que negam a individualidade de cada aluno, etc., é necessário eleger um modelo. Este modelo acaba por ser um modelo eminentemente mais adequado às moças que aos rapazes, por valorizar elementos mais naturais na mulher que no homem (tarefas repetitivas e minuciosas, silêncio atento, etc.). Atualmente, nos Estados Unidos, alarmante percentual dos alunos de sexo masculino das escolas públicas (que compõem a maioria absolutíssima dos estabelecimentos de ensino naquele país) é mantida dopada por meios químicos para assegurar a feminização de seu comportamento.

A Pedagogia escolástica

O ponto crucial de distinção entre a pedagogia escolástica, desenvolvida e mantida ao longo dos séculos de cultura cristã clássica, e a pedagogia moderna é o fato de aquela ser voltada para a pessoa do aluno, que é seu objeto formal. Em outras palavras: o objetivo da educação, logo da pedagogia, é tornar Fulano o melhor Fulano que ele pode vir a ser. A oração e a meditação, por exemplo, são assim indissociáveis do estudo dirigido.

O professor, por sua parte, é – de fato, não apenas em um discurso esquizóide como o da pedagogia moderna – simultaneamente mestre e tutor. É mestre por ser quem de fato domina, ou seja, tem em ato, o conhecimento que o aluno deseja ter (ou atualizar). É tutor por ser o mestre pessoal daquele aluno.

Toda pedagogia e todo pensamento pedagógico escolásticos, contudo, parecem, a nossos olhos modernos, esquecer do professor. Nada se trata de métodos, nada se trata de conduta em classe ou objetivos. Isto ocorre por ser considerado evidente por todos os escolásticos que o centro de toda e qualquer ação pedagógica devesse ser seu objeto formal: o aluno. Assim, os tratados – como o de Hugo de São Vítor – dirigem-se exclusivamente ao aluno. Ao mestre cabe não mais que guiar o aluno na sua compreensão da realidade.

O modus operandi do sistema educacional escolástico também difere tremendamente daquilo que estamos acostumados a esperar. O processo educacional, na visão escolástica, é fundamentalmente um processo interno e individual. Assim, mais importante que a aula dada é o tempo privado para reflexão de que o aluno dispõe, o estudo e “digestão” intelectual do que foi dito. A aula desempenha o papel que hoje teriam os livros (não devemos esquecer que a impressão e o conseqüente barateamento do material impresso datam já das vésperas dos desenvolvimentos iniciais da “educação” moderna), sendo dada por um mestre que simplesmente expõe a sua aula, sem maiores preocupações didáticas (temos ainda hoje resquícios disso nas apresentações de trabalhos acadêmicos em nível universitário), seguido por um discípulo mais avançado que responde às questões dos alunos.

Pela mesma causa (ausência de papel e tinta disponíveis em grande escala e baixo preço), esperava-se que o aluno memorizasse muitíssimo mais que hoje. Note-se que esta memorização não tem nada a ver com a “decoreba” atual: trata-se não de uma memorização de um conteúdo a ser cobrado em prova, mas de sistemas e métodos de estudo a serem aplicados. A memorização, assim, opera como o caderno de um aluno de hoje em dia. Um exemplo claríssimo disto é-nos dado pela denominação, na lógica clássica, dos tipos de silogismo. Cada tipo de silogismo tem um nome, que é na verdade uma descrição de como ele é montado e das operações lógicas que podem ser feitas a partir dele; a memorização destes nomes é de grande valia, mas não seria “cobrada” por si: é apenas um instrumento de aprendizado.

Temos, então, a diferença básica um pouco mais explicada: não se trata de uma “abordagem do ensino-aprendizado”, mas de um real conhecimento do aluno, de cada aluno individual, e de guiá-lo em seu aprendizado. O ensino que há é apenas material para o aprendizado; o aprendizado, por sua vez, não tem como objetivo a aquisição de habilidades específicas, sim o aprimoramento da pessoa (que pode por sua vez ser alcançado através daquelas habilidades).

A Pedagogia escolástica como modelo a seguir hoje

Urge que deixemos de lado o erro crasso dos modernos, e abandonemos completamente a vã ilusão da incognoscibilidade do Outro. O aluno, devemos ter isto sempre em mente, é uma pessoa individual, com seus talentos e suas capacidades próprias e insubstituíveis. Não se trata, nem poderia jamais se tratar, de termos um ensino “centrado no aluno” no sentido dos pedagogos “libertadores”, que na verdade tampouco vêem o aluno como ele é ou pode vir a ser, tendo-o apenas como massa amorfa a ser modelada e transformada em algo que, este sim, é o “aluno” ideal que desejam.

Como isto poderia ser feito? A primeira medida a ser tomada, medida aliás fundamental, seria eliminar completamente os processos de igualização dos alunos: currículo obrigatório, salas de aula massificadas e padronizadas, uniformes, separação etária e indiferenciação de sexo, desenvolvimento, interesses e capacidades, etc. Para que se pudesse ter uma educação realmente centrada no aluno, tendo-o como objeto formal, seria necessário ver o currículo como necessariamente apenas o desenvolvimento do que ele tem em potência; o aluno brilhante em matemática, por exemplo, faria estudos avançados nesta disciplina, enquanto o que tem dificuldades limitar-se-ia à aritmética básica.

Do mesmo modo, a aula só deveria ser coletiva no caso daqueles que operam melhor em grupo (uma pequena minoria, aliás), e sempre procurando fazer com que haja equipes eficientes, montadas de maneira extremamente cuidadosa, em que cada aluno supra as carências dos outros. Distinções puramente arbitrárias, como a por faixa etária, em última instância só servem para obliterar o reconhecimento das diferenças e capacidades individuais.

Para que isto fosse feito, seria necessário repensar o processo educacional como um todo; uma figura que hoje em dia só existe no nível de pós-graduação, e mesmo assim com um enfoque não mais ontológico (o tutor, hoje “orientador de tese” – de tese, note-se, não de aluno), deveria estar presente desde os primeiros anos de escolarização.

A educação formal em ambiente escolar deveria ser, no ensino fundamental, considerada – como já o foi em lei – suplente de algo que é na verdade o dever dos pais: a alfabetização e o ensino da aritmética básica. Apenas as crianças cujos pais, por quaisquer razões, sejam incapazes de instruí-las nestas capacidades fundamentais deveriam ir a escolas.

Já o antigo ginásio deveria oferecer cursos de vários tipos, dos cursos de prático de ofício (carpintaria, pintura, lanternagem, mecânica automotiva) à formação em ciências biológicas ou humanas, de acordo com as capacidades e interesses dos alunos. Assim, o que em tempos clássicos era feito pelas corporações de ofício e pelas escolas seria unido sem perder suas características.

O tutor individual de cada aluno seria o responsável, sempre em acordo com os pais – de que é suplente –, pela escolha dos cursos e processos educacionais (sozinho, em grupo, em quanto tempo, com que mestre, etc.) por que cada aluno passaria de modo a desenvolver suas potências.

Os “certificados”, “diplomas” e outros supostos credenciamentos modernos não deveriam, em absoluto, ter qualquer valor de restrição ou superioridade na escolha dos mestres; mais vale um mestre bom que não tem diploma que um mau mestre diplomado.

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