Pode-se ter devoções particulares durante os atos litúrgicos?

Pergunta

Salve Maria!! Boa noite!! Bem, primeiramente agradeço a atenção de todos os que trabalham para nos responder, e peço a Deus que continue abençoado todos vocês que colaboram em defesa da fé e doutrina de nossa santa madre igreja.

O assunto é: devoção. Um seminarista me disse certa vez que na missa não se deve haver devoção. Disse-me que não devemos ter devoção nem sequer ao Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, orações como Ave Maria e Alma de Cristo não devem ser rezadas na missa, e que a devoção da Liturgia das Horas é maior que a devoção ao Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor.

Pergunto: realmente é verdade? Pois tenho dúvidas, não devemos mesmo ter devoção ao Corpo de Nosso Senhor? Existe algum documento da Igreja que afirme ou contradiga tal afirmação? Desde já, agradeço

Resposta

Salve Maria.

Prezado Sr. Alex, estimadíssimo em Cristo,

Antes de tudo, desejo agradecer ao senhor pelas palavras tão gentis com que nos honra em sua carta. Obrigado, também, pelos seus pedidos ao Altíssimo por nosso apostolado.

Sua pergunta é, por demais, pertinente. Se é verdade que alguns abusos ocorreram, algumas décadas atrás, nessa questão do relacionamento entre a liturgia e a devoção privada, eles foram, por outro lado, corrigidos pelos Papas, São Pio X e por Pio XII, sobretudo. Desse erro extremo de desvalorizar a oração pública da Igreja, quase que a substituindo pela devoção privada, surgiu, entretanto, um outro, por conta do modernismo e do progressismo: a aniquilação da piedade particular, como se só a Missa e a Liturgia das Horas contassem para a alma devota.

Devemos, como em tudo, afastar os extremos. Eles não são bons conselheiros.

A liturgia é a oração de toda a Igreja, em sua catolicidade, universalidade, ainda que recitada por um só, ainda que celebrada pelo padre sem assistência de um só fiel. Já a oração privada é sempre individual, ainda que feita com o concurso de um grande número de pessoas ao mesmo tempo.

É verdade que a Missa é a maior das orações, pois é a entrega excelente, perfeita, única, irrepetível, suficiente, de Cristo na Cruz ao Pai, tornada presente diante de nós de maneira real e substancial, ainda que de modo incruento. Missa e Cruz têm a mesma unidade substancial, são a mesma coisa, o mesmo sacrifício. O que melhor se poderia dar ao Pai do que o próprio Filho entregue, por obediência, à morte pela nossa salvação? É o supremo culto de adoração.

Da Missa deriva o Ofício Divino, a Liturgia das Horas, e, digitando essa expressão em nossa busca, o senhor encontrará alguns bons artigos sobre ela e sua importância.

Sem embargo, da liturgia, i.e., da oração oficial, pública da Igreja, nascem as expressões privadas. Longe de competir com elas, nutrem-se mutuamente. São esferas distintas, mas que, mutuamente, se relaciona, e devem ser respeitadas. Não pode a alma devota contentar-se com a oração pública, ainda que mais importante, objetivamente falando. É preciso avançar, ter um relacionamento íntimo com o Senhor, o que se faz, obedecendo ao conselho de Cristo, trancando-se no próprio quarto e orando a Deus em silêncio.

A boa piedade individual, se bem conduzida, ortodoxa, e sem perder o nexo com a Igreja, faz com que a alma devota melhor participe da liturgia. E a liturgia bem participada fornece o alimento de santificação para que, na oração privada, o fiel cresça em santidade, tenha temas para a meditação e compreenda melhor os significados de suas devoções.

Vejamos o exemplo do Sagrado Coração de Jesus. É bem verdade que a liturgia que cerca tal solenidade e seu culto é riquíssima: os textos da Missa, as leituras, o Ofício de tal festividade, a ladainha própria. Todavia, além dessa série de orações oficiais, públicas, que, mesmo recitadas ou celebradas por um só, perfazem toda a Igreja rezando ao mesmo tempo, a piedade individual discerniu uma série de outros atos, alguns deles aprovados expressamente pela Igreja (e os que não são, ao menos são louvados e recomendados por ela): atos de consagração e reparação ao Coração de Jesus, a prática das primeiras sextas-feiras de cada mês, a entronização do quadro ou da imagem do Sagrado Coração, as diversas músicas com a temática sacrocordiana (“Coração Santo, tu reinarás…”, por exemplo). Como se pode, a pretexto de valorizar a liturgia, o culto público, desfazer de toda essa rica piedade particular? Será mesmo que a oração oficial da Igreja é diminuída quando temos, ao seu lado, e em seu justo lugar, a devoção pessoal? Não será que a liturgia é melhor compreendida quando valorizamos a oração privada, e a oração privada é enriquecida quando temos nela o espírito da liturgia?

Enfim, quem afirma que a Liturgia das Horas é a maior devoção comete um equívoco monumental. Liturgia das Horas não é nem devoção, muito menos a maior. É outra classe de exercícios espirituais. Como o nome diz, é liturgia, culto público, oficial. Não se trata de contrapor essa Liturgia das Horas às devoções. Estão em campos distintos. Tanto a liturgia – aliás, a Liturgia das Horas NÃO é obrigação do fiel, mas do clérigo e do religioso, embora o fiel POSSA recitá-la – quando a infinda série de devoções privadas, se aprovadas ou recomendadas pela Igreja, têm seu espaço na alma piedosa, na mente católica.

Por último, é claro que o senhor pode ter devoção ao Corpo e ao Sangue de Cristo. Se não tivesse, qual o sentido de ir à Missa, já que nela é que se oferece a morte de Cristo ao Pai e, ordinariamente, se comunga desse Corpo e desse Sangue? Aliás, a adoração ao Senhor Eucarístico, em que pese poder ser feita a título de devoção privada (visitando o sacrário, fazendo comunhões espirituais, tendo uma hora eucarística etc), pode muito bem ser feita de modo litúrgico, oficial: a Igreja estabelece um rito chamado “Exposição e Bênção do Santíssimo Sacramento”, presidido, de modo ordinário, por um clérigo, ou, em sua falta, por um ministro leigo deputado pelo Bispo.

Será que os modernistas irão tachar de antilitúrgica uma prática que, para a autoridade da Igreja, é absolutamente litúrgica? Não duvido! Até porque, quando muitos deles condenam as devoções privadas (o que é ruim), querendo salientar a Liturgia das Horas (o que é bom), na prática, trocam essa última por seu arremedo relativista e comunista: o satânico “Ofício Divino das Comunidades”.

Espero que essas poucas linhas sirvam para a sua reflexão.

Em Cristo,

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