Poligamia ou escova de dentes: eis a questão!

– Dupla de cientistas ideólogos defende que a monogamia não é natural nos seres humanos. Uai, escovar os dentes também não e nem por isso se faz campanha em favor da cárie

A editoria de ciência do Yahoo! nunca foi lá essas coisas, né. Afinal, desde quando o site é referência em jornalismo? Mas a última foi demais. Veiculando matéria da Agência EFE, o que já torna o conteúdo da reportagem duvidoso, o site publicou informação divulgando o livro de dois pesquisadores, famosos por suas afirmações polêmicas sobre a sexualidade humana. A última da dupla de cientistas ideólogos foi defender que a monogamia não é natural nos seres humanos. Uai, e desde quando isso é argumento suficiente para afirmar que ela é ruim para o ser humano? Alimento cozido, escova de dentes, roupas de frio, escolas, hospitais, pontes, aviões também não são naturais ao ser humano, mas nem por isso se faz propaganda em defesa da cárie, da ignorância, das doenças, das viagens longas e inseguras e etc. Aliás, a vida humana só chegou ao nível de conforto e longevidade que conhecemos por causa de coisas que tornaram a nossa vida melhor, como as remédios, os casas de alvenaria e outros artifícios em favor do homem. Mas vamos aos argumentos:

De acordo com os pesquisadores Christopher Ryan e Cacilda Jethá, americano e moçambicana, o homem natural não é monogâmico, isto é, ele tende naturalmente a ter muitos parceiros sexuais (poligamia) e não apenas um. As razões para a afirmação da dupla são muito curiosas:

1. Segundo a dupla de pesquisadores, uma prova inconteste de que a espécie humana é poligâmica é a superprodução de espermatozóides dos homens em relação às mulheres. Como a mulher desenvolve apenas um óvulo por ciclo de fertilidade e o homem é superabundante em espermatozóides, os autores concluem que a natureza incita o homem à poligamia, não à monogamia.

Bem, a argumentação é esdrúxula! Pois os pesquisadores escolhem a multiplicidade dos espermatozóides como “prova” da poligamia, mas eu poderia dizer que a unicidade do óvulo feminino é que prova a natural pendência à monogamia da humanidade. Enfim, a dedução da poligamia da quantidade de fluidos corporais é falaciosa.

Além disso, desde quando o excesso de um elemento orgânico é sinal de que o indivíduo tem o dever natural de dissipar o excesso desse elemento na natureza? Quer dizer que, pelo fato de os homens possuírem mais força que as mulheres, é seu dever dividir sua disposição física com as tias da esquina até a exaustão? Ou que, por causa do duplo seio, toda gravidez humana tenha que ser de gêmeos?

Ademais, os sentidos do homem não cessam de sentir. A incontinente sensibilidade do sentido gustativo quer indicar que o homem tem que comer sem parar? Não há uma ordem nesses sentidos? É claro que a quantidade de espermatozóides nada tem a ver com um aspecto que é absolutamente ético.

2. O outro argumento da dupla é que as atuais configurações sociais, que simulam “famílias”, são diferentes das configurações tradicionais e isso é prova de que as relações monogâmicas não são critério de moralidade.

Essa argumentação é mais estranha ainda. Quer dizer que, para os pesquisadores, a prova de que a monogamia não é natural é a existência de relações diferentes das monogâmicas? Isto é quase como dizer que a prova de que o crime compensa é o sucesso em alguns assaltos. Se é assim, os brasileiros podem afirmar que, diante das posturas de seus políticos, a criminalidade é mais condizente com a normalidade que a honestidade, pois há muitos casos de roubalheira na política do país. Ou pode-se dizer também que o fato de alguém sobreviver a acidentes de avião torna menos fatais os incidentes aéreos. Ora, está claro que a normalidade ou moralidade das ações humanas não depende do que um ou outro humano faz. Existem presídios no mundo porque sabemos que há uma norma ética e que, tais normas, não dependem do arbítrio da maioria ou de um grupo de pessoas especiais.

3. E, finalmente, a melhor: segundo os pseudo-pesquisadores, sem as influências culturais – eles certamente pensam no cristianismo – todos os homens seríamos polígamos.

Bem, pode ser que eles tenham razão. No estado natural, sem cultura e ciência, talvez os homens fôssemos todos polígamos. Contudo, sem a cultura e ciência também não escovaríamos os dentes, nem teríamos remédios, muito menos casas e pontes. Isto é, sem educação o homem não teria uma vida melhor do que se tem hoje. Será que os pesquisadores acham que a cárie é melhor que um sorriso saudável? Sim, de fato, a monogamia é fruto da cultura e da educação. Mas o dentifrício e o ar condicionado também. Se é necessário abolir a monogamia em favor de um “estado natural”, que é a poligamia, também se deve abolir os edredons, o fio dental e ventiladores. Ou a volta ao natural diz respeito apenas àquelas questões mais próximas do cristianismo? Quais os defensores da poligamia estão dispostos a morar em cavernas, conviver com cáries e vestir peles de animais, todos objetos e ações mais próximos do “natural” do que apartamentos, creme dental Colgate e lycra?

A matéria termina divulgando uma frase da dupla, sobre o fracasso dos matrimônios nos EUA: “A metade dos casamentos nos Estados Unidos termina em divórcio. Se a metade de nossos aviões caísse, as pessoas não iam querer variar seu modelo?”. Com essa frase os autores avançam a tese de que, se grande parte dos casamentos está acabando, é lícito antecipar seu fim em troca de uma nova experiência. Uai, a se pensar desse jeito temos um problema: mais da metade dos homens vivos (na verdade todos, é só um xiste) um dia vão morrer, não só 50%. Isso é razão suficiente para antecipar a morte, que é certa? Por que um dia vamos morrer, pois é inevitável, é razoável antecipar o fim da vida? Se não, por que nos casos do matrimônio os pesquisadores acham que este princípio irracional tem alguma validade?

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