Por que a Igreja Católica tem sido tão duramente atacada?

Que a Igreja Católica, nos últimos anos, tem sofrido uma série de ataques, isso não é novidade alguma. Especialmente por causa da defesa dos princípios e valores morais cristãos, a Igreja tem sido acusada de “ultrapassada”, “retrógrada”, “insensível”, “obtusa” etc. Não obstante, nas últimas semanas temos visto a Igreja Católica no Brasil ser alvo de impropérios ainda mais furiosos. Isso por causa das atitudes de dois Bispos: o Arcebispo da Paraíba, Dom Aldo Di Cillo Pagotto, e o Arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho. O primeiro por ter suspenso o Pe. Luiz Couto de suas atividades sacerdotais, em razão do referido padre ter manifestado, numa entrevista, ser contrário ao celibato clerical, a favor do uso da camisinha e contra a discriminação aos homossexuais (sendo importante salientar que os ativistas homossexuais costumam classificar como “discriminação” qualquer crítica que se faça ao comportamento homossexual). Já Dom José Cardoso Sobrinho tem sido execrado por ter anunciado a excomunhão dos médicos, familiares e outras pessoas que participaram do aborto de dois bebês gêmeos, filhos de uma menina de 9 anos estuprada pelo padrasto.

Muito já se tem dito sobre as atitudes dos dois Bispos citados, razão pela qual não pretendemos nos alongar comentando-as. O objetivo do presente artigo é propiciar uma reflexão sobre as razões pelas quais esses dois episódios têm causado tanta celeuma e despertado tanto ódio.

Em primeiro lugar, chama-nos a atenção a ignorância daqueles que se apressam em comentar os acontecimentos em questão. No caso de Dom Aldo Pagotto, a grande maioria das pessoas demonstra ignorar completamente o grande significado que o ofício sacerdotal tem na Igreja Católica. Com efeito, a responsabilidade de um sacerdote católico é muito grande. Ao sacerdote compete ministrar os sacramentos da Igreja, os quais foram instituídos pelo próprio Senhor Jesus Cristo para a salvação e crescimento espiritual dos fiéis. Não é à toa que, quando ministra um sacramento, o sacerdote atua in persona Christi, ou seja, ele faz as vezes de Cristo, é como se fosse o próprio Cristo a ministrar o sacramento! Sendo assim, é evidente que o sacerdote deve estar em íntima e perfeita comunhão com a Igreja, de quem recebeu, pelo sacramento da Ordem, o múnus sacerdotal, e isso para que não venha a causar confusão ou escândalo entre os fiéis na sua condição de sacerdote, e para que não exista o risco de que esse sacerdote ministre sacramentos invalidamente. No caso do Pe. Luiz Couto, restou claro que ele não está em perfeita comunhão com a doutrina da Igreja (a qual prevê o celibato clerical, proíbe o uso da camisinha e não hesita em reprovar a prática homossexual como pecaminosa, ainda que tal reprovação seja considerada “discriminação”). É por essa razão, ou seja, pelo fato do Pe. Luiz Couto demonstrar publicamente suas discordâncias com relação à doutrina católica e sua insubordinação à autoridade da Igreja, causando escândalo e outros danos aos fiéis, que Dom Aldo o suspendeu de suas funções sacerdotais. No entanto, nada disso é levado em consideração pelos críticos do Arcebispo da Paraíba. Para tais críticos, Dom Aldo não passa de um “Inquisidor”, um Bispo “insensível” que está “perseguindo” o Pe. Luiz Couto. Não existe a menor preocupação em saber as verdadeiras razões da suspensão do sacerdote, muito menos em conhecer as responsabilidades e os deveres de um Bispo no cuidado do rebanho que lhe foi confiado.

A mesma ignorância ficou patente no episódio envolvendo Dom José Cardoso Sobrinho. Ora, o Arcebispo de Olinda e Recife não excomungou ninguém! Ele apenas tornou pública a pena prevista pelo Código de Direito Canônico vigente para aqueles envolvidos na prática do aborto:

“Cân. 1398 – Quem provoca o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae.”

Em outras palavras, quem colabora na realização de um aborto está automaticamente excomungado, não sendo necessário nenhum processo prévio e nem que alguma autoridade eclesiástica profira a sentença [1]. Essa é a lei da Igreja, e Dom José Sobrinho não fez nada além de torná-la pública. (Obs.: se algum leitor deste artigo envolveu-se, direta ou indiretamente na prática de um aborto, pedimos que, caso não se sinta à vontade para continuar a leitura, vá direto para o último parágrafo, e depois, se assim o desejar, pode voltar e ler o artigo na íntegra.)

Mas, além disso, Dom José Sobrinho também tem sido criticado por pelo menos outros dois motivos: 1) por não ter “excomungado” o estuprador da menina; e 2) por ter dito que o aborto é um pecado mais grave do que o estupro. Ora, com relação à primeira acusação, a verdade é que, como já dissemos, Dom José Sobrinho não excomungou ninguém, mas apenas tornou pública a pena prevista pelo Código de Direito Canônico para pessoas envolvidas na prática do aborto. Além disso, o estupro, embora seja um pecado gravíssimo, não é punível com pena de excomunhão de acordo com a lei da Igreja, o que não quer dizer, de forma alguma, que o estupro é um pecado “tolerado” pela Igreja. A pena de excomunhão para quem pratica o aborto visa proteger a vida humana em seu estágio mais frágil, isto é, proteger o ser humano quando este se encontra totalmente indefeso e inocente. Quanto à segunda acusação, é o caso de perguntarmos: o que é mais grave, um estupro ou a morte de um ser humano? A resposta parece-nos óbvia. E ninguém pode negar que todo aborto significa a morte de um ser humano absolutamente inocente e indefeso.

Mas a ignorância não é o único fator dentre aqueles aos quais podemos atribuir a onda de ódio que tem se abatido sobre a Igreja no Brasil. Podemos destacar, em segundo lugar, o hedonismo, ou seja, a filosofia segundo a qual tudo que importa (ou o que mais importa) é o prazer individual e imediato, filosofia essa que grassa em nossos dias. Sendo assim, tudo que represente um obstáculo a essa busca desenfreada pelo prazer torna-se objeto de repulsa, e essa é uma das razões pelas quais Dom Aldo Pagotto e Dom José Sobrinho passaram a ser vistos com maus olhos pela grande maioria da opinião pública: o primeiro por ter reafirmado a moral católica ao suspender um sacerdote que vinha insistindo em se posicionar ao lado do ativismo homossexual (e, como já dissemos, a moral católica reprova a prática homossexual), devendo-se ressaltar que a moral católica prescreve a vivência da sexualidade de forma responsável, dentro do matrimônio e aberta à vida, princípios que constituem um empecilho a uma experiência mais “livre” da sexualidade; já com relação a Dom José Sobrinho, sua radical e contundente crítica ao aborto (em total consonância com a doutrina da Igreja, diga-se de passagem) não poderia mesmo ser vista de forma positiva numa época em que o aborto de gestações “não planejadas” (ou “indesejadas”) parece algo “normal”, um “direito” da mulher (como se o direito da mulher sobre o seu corpo incluísse a possibilidade de decretar a morte de um ser humano que tivesse a “desventura” de surgir em seu ventre).

Podemos ainda citar, dentre as causas da ira acirrada contra a Igreja Católica nas últimas semanas, o relativismo e o subjetivismo que imperam em nossos dias. Na atualidade, parece só existir uma única verdade absoluta, a saber, que não existem verdades absolutas! Assim sendo, o posicionamento da Igreja Católica seria tão-somente um posicionamento entre outros igualmente “legítimos” e “válidos”, todos “equivalentes”, não podendo a Igreja Católica ter a “pretensão” de deter a verdade sobre o que quer que seja (nem mesmo em matéria de fé e de moral!). Já o subjetivismo pode ser entendido como a idéia de que cada um pode e deve ter a sua própria opinião sobre tudo (mesmo que se ignore completamente o assunto em questão), que a verdade varia de acordo com a percepção de cada um, e que por isso ninguém pode pretender “impor” a sua “opinião” a outrem. Por causa desse relativismo e desse subjetivismo, Dom Aldo e Dom José Sobrinho cometeram “crimes inaceitáveis”, o primeiro por suspender um padre que manifestou publicamente suas opiniões contrárias à doutrina da Igreja (“ora, todo mundo tem o ‘direito’ de expressar suas opiniões sem corre o risco de ser punido por isso!”), e o segundo por anunciar, em conformidade com a lei da Igreja, a excomunhão de pessoas envolvidas numa prática radicalmente condenada pela Igreja (“mas, ora, o aborto deve ser um ‘direito’ que as pessoas possam exercer quando bem entenderem, e a Igreja não tem nada com isso!”).

Destaque-se também a superficialidade que caracteriza os nossos dias. O que vemos atualmente é que a grande maioria das pessoas parece não levar nada muito a sério. Tanto as relações interpessoais quanto as relações com a Igreja e as demais religiões, com as instituições, enfim, tudo parece ser vivido de forma superficial, sem comprometimento, sem seriedade. Por isso soam tão “absurdas” as atitudes de Dom Aldo e de Dom José Sobrinho, que se prendem a “filigranas”, a “dogmas” que não têm espaço nem valor num tempo no mundo de hoje, cujo lema bem poderia ser: “viva e deixe viver”!

Finalmente, dentre as causas da ojeriza da qual a Igreja tem sido alvo nas últimas semanas, citamos o laicismo feroz que tem se difundido em nossos dias, segundo o qual a Igreja não deve se intrometer na vida pública, ou deve se intrometer o mínimo possível. Por isso se tem defendido com veemência o banimento de crucifixos e demais símbolos católicos dos espaços públicos; por isso se tem rechaçado energicamente a intervenção da Igreja na discussão das “políticas públicas” relativas, por exemplo, à legalização do aborto, ao uso das células-tronco embrionárias em pesquisas científicas, à distribuição de camisinhas, à criminalização da “homofobia”, etc. Nesses e em outros assuntos, a ordem é que “Igreja e Estado não devem se misturar”, como se a Igreja Católica, tendo sido fundada há 2.000 anos por Nosso Senhor Jesus Cristo (de quem recebeu a missão de anunciar ao Evangelho, preservar a doutrina e ministrar os sacramentos) e tendo influenciado decisivamente toda a civilização ocidental, não pudesse ter o direito nem a “pretensão” de expressar o seu posicionamento com relação a assuntos de suma importância para os indivíduos e para a sociedade como um todo. Infelizmente, esse laicismo exacerbado é sinal de um afastamento cada vez maior de Deus e do sagrado, num mundo onde as pessoas parecem muito mais preocupadas em “curtir a vida” (por isso também o culto ao corpo e à saúde, e a avidez por mais e mais bens materiais) do que em encontrar o verdadeiro e único sentido da nossa existência: Deus. Também por isso Dom Aldo Pagotto e Dom José Sobrinho tornaram-se pessoas “inconvenientes”. A própria Igreja Católica torna-se a cada dia mais “inconveniente”, e por isso deve calar-se, como devem se calar Dom Aldo Pagotto e Dom José Sobrinho. Mas a Igreja de Cristo jamais se calará, e “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt. 16,18).

Queremos concluir este artigo com uma palavra a todas as pessoas que porventura tenham contribuído, direta ou indiretamente, para realização de um aborto. Não é desejo da Igreja condenar ninguém, nem mandar ninguém para o inferno. A Igreja não deseja que ninguém sofra sob o peso da culpa. A Igreja tem o dever de ser “sal da terra” (Mt 5,13) e “luz do mundo” (Mt 5,14-16), isto é, o dever de indicar à humanidade os modelos a serem seguidos. E tal dever, longe de ser uma “absurda pretensão da Igreja”, é um dever que foi confiado a ela pelo Seu Fundador, Nosso Senhor Jesus Cristo, dever esse ao qual a Igreja jamais se furtará. Não obstante, à Igreja também foi outorgado o poder do perdão e da reconciliação (“Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.” Jo 20, 23). Nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio da Sua Igreja, está pronto a perdoar a todo aquele que estiver sinceramente arrependido. Por isso pedimos a todos os católicos que eventualmente participaram de um aborto que procurem, o quanto antes, um padre que seja reconhecidamente sério, responsável e fiel à doutrina da Igreja (dizemos isso porque, lamentavelmente, nem todos os padres têm essas características), ou mesmo o Bispo de sua Diocese, a fim de confessarem os seus pecados e receberem a graça do perdão e da reconciliação com Deus e com Sua Igreja

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NOTA:
[1] Com relação à aplicação das penas previstas no Código de Direito Canônico, especialmente no que diz respeito ao caso em questão (bem como ao delito do aborto de um modo geral), é importante ressaltar as informações abaixo, todas extraídas do referido Código:

“Cân. 1323 – Não é passível de nenhuma pena, ao violar a lei ou o preceito:
1º quem ainda não completou dezesseis anos de idade;

(…)

Cân. 1324 – § 1. O autor da violação não se exime da pena, mas a pena estabelecida pela lei ou pelo preceito deve ser mitigada ou substituída por uma penitência, se o delito foi cometido:
(…)
5º Por alguém que foi coagido por medo grave, mesmo que só relativo, ou por necessidade, ou por grave incômodo, se o delito for intrinsecamente mau ou redundar em dano das almas;
(…)
§ 3. Nas circunstâncias mencionadas no § 1, o réu não incorre em penas latae sententiae.” Dessa forma, há que se levar em consideração as informações acima quando do julgamento e da aplicação de penas a mulheres, adolescentes ou mesmo crianças cujos filhos venham a ser abortados.

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