Por que Jesus elogiou o administrador infiel na sua parábola?

– “Qual a interpretação da frase: ‘Fazei-vos amigos com o dinheiro desonesto, a fim de que, quando desfalecerdes, vos recebam nas mansões eternas’ (Lucas 16,9)? Todas as riquezas são injustas ou então as riquezas injustas são lícitas?” (H.T.R. – Rio Pardo-SP).
– “Que é espírito de pobreza? Como pode um rico ter espírito de pobreza continuando rico?” (Pedro Rosa – Cachambi-RJ).

Antes do mais, uma advertência sobre a forma do texto: em vez de “quando desfalecerdes”, leia-se “quando desfalecer”, isto é, “quando o dinheiro vier a faltar”, variante sustentada pelos melhores códices.

As palavras acima são proferidas por Nosso Senhor logo após a Parábola do Administrador Iníquo (Lucas 16,1-8). Já esta parábola no seu versículo 8 costuma suscitar uma dificuldade, pois aí se lê: “O mestre louvou o administrador desonesto, porque procedera de maneira prudente”. Quer isto dizer que Jesus tenha elogiado a deslealdade?

Não, o “mestre”, no caso, não é Cristo, mas o “patrão” lesado da Parábola. Embora seriamente danificado, este não pôde deixar de reconhecer que o administrador fraudulento fôra deveras industrioso; a serviço de uma causa má ou do furto, colocara grande perspicácia e fino senso prático. Estes dotes, o patrão sincero os elogiou, sem, com isto, entender legitimar a fraude que o administrador cometera.

Depois de narrar o procedimento sagaz do homem injusto, Jesus acrescenta que não é caso isolado na história dos homens: a indústria e o afinco são muito mais frequentes entre os maus ou entre os que propugnam interesses meramente temporais (filhos deste século) do que entre os bons (filhos da luz), que visam fins superiores.

Feita esta verificação, estavam os ânimos preparados para a solene lição. Tal estado de coisas não deveria ser tolerado pelos cristãos, advertiu Jesus. Despertem-se as consciências: enquanto ao homem é dado usar dos bens deste mundo, procure com eles praticar zelosamente a virtude, a fim de que, quando as posses lhe vierem a faltar (na hora da morte), tenha amigos que lhe mereçam admissão na mansão eterna ou na glória celeste. Os amigos de que Jesus fala, amigos que se podem granjear com o dinheiro, certamente não são os homens com quem alguém entra em negociata ilícita (estes nada poderão, perante a Justiça Divina, merecer em favor do seu cúmplice); trata-se, antes, dos indigentes a quem fazemos a caridade; conforme Mateus 25,34-40, é Jesus, em última análise, quem está presente na pessoa desses sofredores; por conseguinte, será Ele o grande Amigo (=os amigos) que nos receberá no reino do Pai, em troca do sábio uso que tivermos feito dos bens temporais. Por “amigos” podem-se também entender (o que dá no mesmo) as boas obras que alguém pratique enquanto goza de saúde e dos dias desta vida; estas obras certamente nos valerão um dia o acesso à visão do Pai Celeste.

Quanto à intrigante expressão “riquezas desonestas” ou “da iniquidade”, não significa que havemos de negociar com dinheiro mal adquirido; também não quer dizer que o dinheiro seja mau em si. Jesus a emprega unicamente porque a riqueza é com frequência (mas contingentemente) utilizada para a iniquidade (tal foi o caso do ecônomo infiel); são os seus proprietários que não raro lhe imprimem o caráter de instrumento do mal (cf. Mateus 6,24; 13,22). Para evitar isto, o cristão, seja pobre, seja rico de bens materiais, há de nutrir sempre em si o espírito de pobreza, que nada tem que ver com ignorância, exiguidade intelectual, nem com amência, mas é o desapego interior.

As posses temporais legitimamente adquiridas devem ser consideradas como dom de Deus, outorgando não para que o homem se dê por saciado nesta vida (tal foi a atitude do ricaço imprevidente, em Lucas 12,16-21), mas para que mais ainda se excite no amor de Deus e do próximo, crescendo destarte na união com o Supremo Amigo; a natureza humana constitui-se de tal modo que lhe é normal elevar-se ao amor dos bens invisíveis mediante os visíveis. Contudo, a fim de que o homem não frustre os desígnios do Criador, é-lhe absolutamente necessário manter contínuo controle sobre si mesmo para que o dinheiro a ele sirva e a Deus, e não ele sirva ao dinheiro. Tal controle é característico do espírito de pobreza.

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 7:1957 – nov/1957
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