Por que os católicos não guardam o sábado?

– “Por que os católicos não obedecem à Bíblia guardando o sábado?” (Adventista – São Paulo-SP).

A Lei Natural proscreve ao homem que, na qualidade de criatura, reserve para o Criador uma parte de seu tempo.

A esta disposição natural sobreveio a lei positiva divina no Antigo Testamento, determinando que o período dedicado ao Senhor fosse o último dia de cada semana. De sete em sete dias, portanto, os israelitas, seguindo aliás um ritmo muito natural, inculcado pelas fases da Lua, se elevavam explícita e demoradamente ao seu Autor. Além disto, o Senhor estipulou as modalidades segundo as quais deveriam observar o sétimo dia (=”sábado”, da raiz hebraica “shaba”, que tanto significa “repouso” como “sete”); cf. Êxodo 20,8; 31,14; Levítico 23,3; Deuteronômio 5,15. Estas disposições positivas, por sua índole mesma, poderiam ser mudadas, sem que por isso fosse ab-rogado o preceito natural de consagrar algum tempo ao culto do Senhor. Antes de receber de Moisés no séc. XIII a.C. a lei do sábado, o povo de Israel, desde as suas origens (séc. XVIII a.C., época de Abraão), prestava culto ao verdadeiro Deus; o preceito do sábado, portanto, com as modalidades que a Lei de Moisés lhe atribuiu, não é inerente ao culto do único Deus.

Para mais inculcar ao povo a obrigação do repouso semanal, a Lei de Moisés, ao descrever a Criação do mundo, apresentava Deus como o Operário exemplar que “trabalhou” durante seis dias e “repousou” no sétimo (cf. Gênesis 1). Tal apresentação era, não há dúvida, meramente literária, concebida para dar fundamento autoritativo a uma lei (Deus mesmo teria sido o primeiro a observar o sábado), não para elucidar o modo como Deus de fato criou o mundo. Contudo, o sábado lembrava aos judeus a ordem de coisas decorrente da Criação e da Aliança travada com o Senhor ao pé do monte Sinai (cf. Estêvão Bettencourt, “Ciência e Fé na História dos Primórdios”, cap. 2).

Na plenitude dos tempos, veio o Redentor, Jesus Cristo. Tinha por missão renovar o mundo, a antiga ordem de coisas, e completar a revelação de Deus iniciada nos tempos dos Patriarcas. Jesus, mais de uma vez, incutiu aos homens o sentido espiritual da Lei de Moisés e, em particular, do repouso do sábado; mostrou-lhe que este não era algo de absoluto, mas relativo, subordinado ao Filho do homem e à sua missão na terra. É, por exemplo, o que afirma Cristo em Marcos 2,27:

– “O Filho do homem é Senhor mesmo do sábado”;

É o que se depreende igualmente de João 5,1.8:

– “Os judeus mais ainda o queriam matar, porque não somente violava o sábado, mas também chamava Deus seu próprio Pai, fazendo-se assim igual a Deus”.

For fim, após haver pregado a “Boa Notícia”, o Senhor houve por bem dar o remate à sua obra não em um sábado, mas na madrugada do dia seguinte, dia que era o primeiro da semana hebraica (a “primeira-feira”) e que nós chamamos “domingo” (=”dominica dies”, “dia do Senhor”). Assim, o sábado, que era dia de alegria e festa no Antigo Testamento, foi no fim da vida terrestre de Jesus, dia de silêncio para os discípulos, dia em que se viram desconcertados, justamente porque, tendo morrido na sexta-feira, Cristo passou o sábado no sepulcro, como que subjugado pela morte. A nova criatura, ou seja, o Senhor ressuscitado, o segundo Adão, só foi tirado do seio da terra (do sepulcro) no domingo. Desde então, era lógico que este simbolizasse a nova ordem de coisas, a Criação restaurada por Cristo; no domingo, e não no sábado, é que os cristãos exprimiam por excelência a sua fé.

Os autores do Novo Testamento atestam a praxe daí decorrente:

– em Atos 20,7, lê-se que São Paulo, em Trôade, reuniu os fiéis para a celebração da liturgia “no primeiro dia da semana” (dia subsequente ao sétimo dia hebraico);

– em 1Coríntios 16,2, o mesmo Apóstolo supõe que as reuniões de culto [cristão] se façam habitualmente “no primeiro dia da semana”;

– em Apocalipse 1,10, São João chama explicitamente o domingo de “o dia do Senhor”, tendo sido então agraciado por uma visão;

– os evangelistas não costumam mencionar o dia da semana em que se deu tal ou tal acontecimento da vida de Cristo (a não ser que se trate de um litígio sobre o sábado); fizeram-no, contudo, quando referiram a ressurreição do Senhor, dando assim ao dia respectivo um realce especial, realce que até então só tocava ao sábado: “Após o sábado, quando o primeiro dia da semana começava a despontar, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro” (Mateus 28,1; cf. Marcos 16,2; Lucas 24,1; João 20,1.19).

Sob a direção dos Apóstolos, as gerações cristãs compreenderam que o “repouso do Senhor”, no Novo Testamento, é o dia da “consumação definitiva assinalada pela ressurreição de Cristo”. Verdade é que em uma ou outra região os fiéis nos primeiros tempos ainda tendiam a observar o sábado; o último documento que no-lo atesta, é o cânon 29 do Concilio de Laodicéia (Ásia Menor, pouco após 381[?]): rejeitava categoricamente a praxe de “judaizar” (como se exprime o próprio cânon) aos sábados e inculcava a guarda do dia do Senhor (domingo); desde então, a observância mosaica parece ter caído totalmente em desuso.

Após estas considerações, vê-se que querer impor a observância do sábado aos cristãos é desconhecer a consumação da ordem das coisas antigas; é afirmar o tipo e as figuras, quando já veio o antítipo, a realidade definitiva, messiânica. Logicamente, quem o quisesse fazer, seria obrigado a observar toda a Lei de Moisés (alimentos puros e impuros, sacrifícios rituais, etc.) e recair no regime essencialmente provisório do Antigo Testamento (cf. Gálatas 5,1-4); logicamente, seria obrigado mesmo a não acender o fogo e vigiar para que os animais domésticos não fizessem trabalho algum no sábado, pois estes pormenores pertencem à lei do repouso mosaico (cf. Êxodo 20,11; 23,12; 34,21; 35,3)!

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 1 – jan/1958
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