Por uma liturgia fiel ao texto do Vaticano II

Posteriormente na aplicação das indicações conciliares houve certos abusos. Alguns foram superados, outros não. A Igreja é determinada para que a liturgia seja sempre fiel ao texto do Concílio e não a fantasiosas interpretações

Entrevista com o cardeal Justin Francis Rigali de Gianni Cardinale

Justin Francis Rigali, arcebispo de Filadélfia com origem italiana, foi o único cardeal a fazer parte da delegação eleita pela Conferência Episcopal dos Estados Unidos para participar do Sínodo. O purpurado norte-americano, antes de ser nomeado arcebispo de Saint Louis em 1994 e da Filadélfia em 2003, e antes de ter tido importantes cargos na Cúria Romana (foi presidente da Pontifícia Academia Eclesiástica e depois secretário da Congregação para os Bispos), trabalhou na Secretaria de Estado entre 1964 e 1966 e mais tarde de 1970 a 1985. Nesses períodos entre as suas competências havia também a de “intérprete” dos papas Paulo VI e João Paulo I nas audiências concedidas a eclesiásticos e personalidades de expressão anglófona. O cardeal Rigali é membro da Congregação para o culto Divino e da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica, Apsa.

Eminência, o tema dos viri probati e o dos divorciados casados novamente foi um dos mais ouvidos durante as celebrações do Sínodo. Ao menos segundo a mídia…

JUSTIN FRANCIS RIGALI: Absolutamente não se pode dizer que tenham sido os temas mais tratados. Mas é verdade de suscitaram a reflexão entre os padres sinodais. Até mesmo porque são temas que interpelam a solicitude pastoral da Igreja para com todos os fiéis. E é importante que ne­nhum grupo sinta-se excluído dessa solicitude. A Igreja preocupa-se para que todos os fiéis possam participar todos os domingos a uma missa de fato. E no Sínodo discutiu-se sobre o que a Igreja pode fazer para os fiéis que não podem ter uma missa regularmente e o que a Igreja não pode fazer.

Com relação ao problema da falta de sacerdotes causou muito impressão as palavras do cardeal brasileiro Cláudio Hummes sobre o destino da Igreja no seu país, visto que no Brasil já existem dois pastores protestantes para cada padre católico…

RIGALI: É preciso contextualizar. O cardeal Hummes falava do Brasil e da América Latina, das tentativas das seitas para se difundir em um país, em um continente tradicionalmente católico. São estatísticas que causam apreensão, mas o Sínodo chegou à conclusão de que viri probati não é o cami­nho a ser seguido.

Com relação aos divorciados casados novamente, foi falado no Sínodo em um funcionamento mais agilizado dos tribunais eclesiásticos para as causas de nulidade matrimonial…

RIGALI: A Igreja vive e age na caridade e na verdade. A Igreja tem amor e solicitude para todos, inclusive para os divorciados casados novamente. Certamente, se for possível resolver essas situações delicadas nos tribunais eclesiásticos deve ser solicitude da Igreja fazer com que isso aconteça sem inúteis sobrecargas. Mas existem casos que não podem ser resolvidos desse modo; então a Igreja deve ser obediente ao ensinamento de Jesus sobre a indissolubilidade do matrimônio.

Na aula sinodal, com exceção de uma intervenção in extremis, não se falou dos fiéis ligados à chamada missa de São Pio V. Significa que este não é um tema sentido na Igreja?

RIGALI: Vi que no último número de 30Dias vocês publicaram um artigo sobre o assunto. Isso também manifesta o grande interesse da Igreja para com os fiéis que se sentem ligados à antiga liturgia, tanto os que estão em plena comunhão com Roma como os chamados lefebvrianos que se encontram em uma situação irregular. Também nesse caso a Igreja fará de tudo para resolver a questão segundo a verdade e caridade, na trilha da grande disciplina da Igreja.

Ao invés, um tema que causou grande repercussão entre os padres sinodais foi o dos políticos e legisladores católicos que promovem e apóiam leis em contraste com os ensinamentos da Igreja.

RIGALI: Trata-se de uma questão importante não apenas para os Estados Unidos. A nossa Conferência Episcopal discutiu muito sobre isso, para tentar chegar a soluções práticas, válidas para situações concretas. As normas existem e são normas de natureza divina. Mas não é simples chegar a uma modalidade que na sua aplicação seja válida universalmente. Por isso, o Sínodo apelou à força e à prudência de cada bispo ao tratar a questão quando esta se apresenta.

Qual foi a avaliação geral do Sínodo sobre a reforma litúrgica pós-conciliar?

RIGALI: O Concílio Vaticano II, incluindo a constituição sobre a liturgia, foi uma grande bênção. O Sínodo reforçou isso. Posteriormente na aplicação das indicações conciliares houve certos abusos. Alguns foram superados, outros não. A Igreja é determinada para que a liturgia seja sempre fiel ao texto do Concílio e não a fantasiosas interpretações.

Este Sínodo marcou algumas novidades protocolares. A primeira foi a introdução de uma hora vespertina de debate livre…

RIGALI: Trata-se de uma bela inovação. Proporcionou a ocasião de intervir tempestivamente e de maneira concisa. Foi uma ótima ini­ciativa. Precisava-se disso.

A segunda novidade é que o Papa interveio várias vezes com suas reflexões pessoais…

RIGALI: É sempre uma alegria ouvir Papa Ratzinger. Permanece-se encantado pela capacidade com a qual sabe desenvolver as suas argumentações. No seu segundo discurso tratou de um tema – o da Eucaristia como sacrifício e como banquete – que, como ele mesmo explicou, estudou por cinqüenta anos. Tivemos sorte e privilégio de ter ouvido as reflexões originadas de um estudo tão longo e profundo.

Para o Sínodo foram também convidados quatro bispos chineses que, porém não puderam vir. Mas chegaram suas cartas e uma destas foi lida em Plenário…

RIGALI: Na China há milhares de fiéis que conservaram de modo comovedor a sua fé. Porém mais uma vez a China esteve ausente do Sínodo. As cartas enviadas pelos prelados chineses foram uma bênção, um sinal importante da unidade espiritual da Igreja. Há muitas décadas o pensamento da Igreja dirige-se com particular atenção ao povo chinês. Particularmente com João Paulo II, mas também com Paulo VI. Lembro como Paulo VI, durante a sua visita a Manila, em novembro de 1970, exatamente 35 anos atrás, falou na Rádio Veritas para todo o continente asiático. Eu estava ali presente e sou testemunha da alegria do Papa em poder fazer sua voz chegar na China vizinha às Filipinas.

Eminência, no Sínodo falou-se também das homilias e auspiciou-se um prontuário sobre o assunto. Chegaremos à publicação de homilias já prontas para serem usadas em todas as Igrejas do mundo?

RIGALI: Falou-se sobre como fazer para que as homilias sejam de ajuda e de conforto para os fiéis, e como ajudar os sacerdotes em relação a esse ponto. Uma hipótese pode ser a de usar subsídios pastorais consultáveis pelos celebrantes. Certamente não a de preparar homilias “pré-cozidas”.

Facebook Comments

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.